PAVANE POUR UNE INFANTE DÉFUNTE: ANÁLISE



ANÁLISE “PAVANE POUR UNE INFANTE DÉFUNTE”

*Silas Azevedo Ribeiro

Resumo: Proponho nesse artigo uma abordagem sobre a obra de Maurice Ravel “Pavane Pour Une Infante Défunte”. Em primeiro lugar, abordamos os conceitos: obra de arte e obra musical. Em seguida, diremos um pouco sobre a vida, a personalidade de Maurice Ravel, suas obras numa ordem cronológica, seu estilo, suas influências, o contexto histórico social. Faremos uma análise musical da obra: auditiva, comparativa; análise morfológica, harmônica e integrativa. E finalmente encerraremos com o tópico Pavana. Esse tópico conta a história e desenvolvimento da Pavana.







Palavra chave: Maurice Ravel. Pavane Pour une Infante Défunte. Análise.







* Silas Azevedo Ribeiro – Pós-graduando em Especialização em Teoria e Prática da Interpretação Musical

1. INTRODUÇÃO

Este artigo em primeiro lugar expõem uma breve reflexão sobre os conceitos de obra de arte, sob o ponto de vista de Koellreutter e obra musical, sob o ponto se vista de Goehr. Em seguida aborta a biografia do compositor, seu contexto social, histórico, fala dos acontecimentos marcantes em sua vida. Falaremos no decorrer da pesquisa sobre seu estilo, influências, o gênero de sua composição Pavana para a morte da princesa, e também falaremos sobre suas obras seguindo uma ordem cronológica.
Foi realizada uma análise musical da obra, seguindo a metodologia do Almir Chediak. E o ultimo tópico trata-se de uma análise auditiva.


2. CONCEITO DE OBRA DE ARTE

Segundo H. J. Koellreutter a Arte, em primeira instância é um meio de comunicação, um veículo para a transmissão de idéias e pensamentos, daquilo que foi pesquisado e descoberto ou inventado, um meio de comunicação que faz uso de um sistema de sinais. Ou seja, a primeira função da Arte seria transmitir suas descobertas e invenções ao mundo. É uma linguagem artística. Devido ao fato de todos os sistemas usados para transmitir os sinais artísticos, ou naturais são linguagem. Contudo as coisas conhecidas ou desconhecidas se diferem em cada sociedade, é dependente da cultura da região. A partir dessa concepção concluímos que a Arte contribui para revelar o desconhecido.
Segundo o crítico norte-americano Lawrence Gilman a Arte é “uma força singular, que brota da vida invisível da alma, de uma vida sonhada”. De acordo com o crítico Olin Downes “uma arte que vem de uma fonte profunda, que brota dentro de nós, e que só nós mesmos conhecemos”. Stravinsky descreveu a Arte em seu livro Chronique de ma vie (Crônicas de minha vida) com a única finalidade de criar ordem entre as coisas. Para Koellreutter, nenhuma dessas afirmativas são corretas. Pois para ele, em primeiro lugar, a Arte ajuda no alargamento da consciência e na modificação do homem e da sociedade.
Acreditamos que a opinião de Koellreutter é a mais acertada, não que Stravinsky esteja errado, de maneira alguma. A Arte tem a função de criar ordem entre as coisas, porém, ela não se limita a apenas essa função. As citações feitas pelos dois críticos acima são demasiadamente fantasiosas, como se a Arte emanasse do mais profundo do âmago, como se correspondesse a uma dádiva especial, nada mais. Este tipo de pensamento é errado pois anula o fato da Arte ser, na verdade, fruto do meticuloso trabalho artesanal, podemos dizer até mesmo braçal, do artista.

3. CONCEITO DE OBRA MUSICAL

O conceito de obra de arte musical, consolidou-se a partir do século XVIII. Uma obra musical é mais do que a soma de um registro notacional preciso, como a partitura e performance. Ao invés, é o entendimento de que “com o surgimento da estética moderna e das belas-artes, música como arte tomou um significado autônomo, musical e civilizado; ela veio a ser entendida em seus próprios termos” (GOEHR, 1992, p. 122). O conceito de obra de arte musical é possível graças à noção de separabilidade da vida cotidiana, garantida pela originalidade da produção e pelo registro concreto na forma escrita detalhada.
Através das obras de música é que conseguimos interpretar e revelar as verdades supremas nas obras dos gênios. Além disso é uma garantia da original autoria do compositor – surgiu o plágio. Contudo não podemos dizer que antes desse século não houvessem obras de músicas. Porém, o conceito de obra de arte musical resume em um conjunto de condições que envolvam uma mudança radical na prática musical. A obra torna-se objeto de contemplação estética, com suas características de autonomia e separação da vida cotidiana.


4. JOSEPH MAURICE RAVEL

O famoso compositor francês pós-impressionista, Joseph Maurice Ravel, filho de um engenheiro suíço, nasceu dia 7 de março de 1875 , em Cibourne na França, perto de Saint-Jean-de-Luz, Baixos Pirineus, uma localidade muito próxima da fronteira com a Espanha. O jovem Maurice começou a manifestar interesse para com o mundo musical em 1882, aos sete anos de idade. Seu primeiro professor de piano foi Henry Ghys, que concluiu sua parte quando Maurice tinha onze anos. Então, passou-se a conduta musical para Charles-René. Porém Maurice era um menino que estava mais preocupado com brincadeiras e diversão do que com as aulas de piano. Ele só começou a encarar o estudo com firmeza aos 14 anos, quando começou a estudar no Conservatório de Paris. Chegou a conhecer Satie em 1893, músico que seria uma de suas influências. Deixou o conservatório em 1895 para estudar individualmente e só voltou para estudar composição com Gabriel Fauré em 1898. Durante anos se preparou para concorrer ao Grande Prêmio de Música de Roma, evento que consagrava novos talentos. Considerado um dos favoritos à conquista em 1900, sofreu sua maior decepção ao ser derrotado. Nunca se conformou, e desde então passou a ser uma pessoa arredia, chegando a recusar a Legião de Honra, principal condecoração francesa.. Era ainda estudante quando apareceram suas primeiras composições. Estas criaram para o jovem compositor a fama de revolucionário perigoso, sendo-lhe negada por três vezes a atribuição do Prêmio de Roma. Deixou o conservatório definitivamente em 1901 e dedicou-se totalmente à composição desde então. Começou a mostrar seu virtuosismo ao piano ainda em 1901 com a composição Jeux d`Eau. Não freqüentava eventos sociais, apesar de viver no auge da belle époque européia, preferindo dedicar sua vida inteiramente ao trabalho musical. Neste mesmo ano compôs a "Pavana Para uma Infanta Defunta", uma de suas obras mais conhecidas. Compôs o Quarteto de Cordas em 1903. Nesta época, Ravel confidenciou aos amigos que precisava criar uma obra especial, que caísse no gosto do público e, ao mesmo tempo, agradasse a crítica. Foi quando compôs em 1903 o famoso ciclo de canções Shéhérazade. Foi esta obra que consolidou sua reputação como compositor. Em 1905 teve sua inscrição no Prix de Rome rejeitada, e grande polêmica iniciou-se em torno deste fato Em 1909, passou a conviver com figuras como Igor Stravinsky e Manuel de Falla. Stravinsky, estava em Paris apresentando seus balés, dirigidos por Sergei Diaghilev. O encontro teria grande impacto na carreira de Ravel. Dois anos depois, juntamente com outros músicos que freqüentavam o curso de Fauré, fundou a Sociedade Musical Independente, em oposição à Sociedade Nacional de Música. Em 1909 foi morar sozinho, um ano depois da morte de seu pai. Um fato facilmente observado na suíte Mamãe gansa, de 1910, música para piano que depois foi transformada e adaptada para o balé. Ao mesmo tempo, procurava desafios. Compunha peças que exigiam enorme empenho do intérprete, como é o caso da Sonata para violino e violoncelo. Nesse período, compôs sua primeira ópera, L' Heure espagnole em 1911, e iniciou uma fase de trabalho fértil. Obteve relativo êxito, mas só alcançou maior reconhecimento quando apresentou o balé Daphnis et Chloé em 1912, música encomendada pelo coreógrafo russo Diaghilev. Ravel era dono de certas atitudes infantis, gostava de brinquedos e deixava transparecer em suas obras temas ligados à fantasia, contos de fadas e magias. Tentou se alistar na linha de combate francesa ao estourar da Primeira Guerra Mundial, mas foi rejeitado por suas aptidões físicas não satisfatórias. Conseguiu o alistamento em 1915 com um posto de motorista do Exército, mas teve de deixar o exército em 1917, por causa da morte de sua mãe. Infelizmente os, fortes abalos emocionais, com a morte da mãe e algumas decepções amorosas, foram minando suas forças. Recusou-se a receber a Legião de Honra, principal condecoração francesa, após a morte de Debussy, em 1918. Começou a compor pequenas peças e a orquestrar peças de outros compositores por volta de 1920. Suas obras provocaram muitas reações contraditórias. Ravel foi julgado revolucionário nos círculos tradicionalistas do Conservatório e conservador pelos círculos vanguardistas. É mundialmente conhecido pelo seu Bolero, ainda hoje a obra musical francesa mais tocada no mundo. Em 1928 compôs sua obra mais conhecida, o Boléro, sob encomenda da bailarina Ida Rubinstein. Estreou na Ópera de Paris em 1928. Ravel descreveu seu Boléro como "uma obra para orquestra sem música". Para Ravel, esta música não existiria sem o acompanhamento dos bailarinos. Escreveu em 1930 o Concerto de Piano para Mão Esquerda para o músico Paul Wittgenstein, que perdera o braço direito durante a guerra. A partir de 1932, Ravel começou a sofrer de muitas dores de cabeça, sua destreza mecânica, memória, começaram a falhar. Apesar de compor com clareza, com o passar do tempo já não possuía mais aptidões físicas para colocar suas obras em prática. Mas tarde perdeu também sua capacidade de compor devido à lesões no cérebro. Tentou uma cirurgia que não foi bem sucedida. Operado em 1937, Ravel morreu em Paris a 28 de dezembro, ainda inconsciente.

4.1. Estilo e influências

Sempre que se fala em música pré-modernista, ou impressionista, inevitavelmente cita-se o nome Ravel. Ele representou o caminho natural do nacionalismo neolatino para o neoclassicismo, através do impressionismo. Isto porque ele é um dos expoentes deste período. Não obstante, há uma atmosfera comum a Debussy, Ravel a influência entre os dois compositores foi recíproca. Certo esoterismo da linguagem musical, pela procura de novas harmonias, e um certo preciosismo temático, inspirado pelo Simbolismo, além de atração pelo Oriente e pela Espanha. A música asiática e do Extremo oriente fascinou Ravel, quando ele teve a oportunidade de ouvir diversos agrupamentos musicais exóticos na grande Exposição Mundial, ocorrida em Paris 1889.
Contudo, embora o impressionismo de Debussy tenha sido seu ponto de partida, houve uma separação de caminhos. Enquanto Debussy, vago e poético, é influenciado por Mussorgsky e Chopin; o espirituoso e exato, Ravel sofre influência de Rimsky-Korsakov e tentou sintetizar as técnicas de Mozart, Liszt e Strauss, Borodin, Schoenberg e Stravinsky entre outros, para acrescentar à sua técnica. Um traço característico da música de Ravel, comparada com a de Debussy, é o dinamismo. A música de Debussy é essencialmente estática: seus pontos firmes são os acordes isolados. A de Ravel está em movimento perpétuo.
Uma das referências temáticas mais comuns na música de Ravel foca-se na Espanha, país que sempre o seduziu através de seus ritmos arrebatados e das suas paisagens fúlgidas. Entretanto não conhecia o país e só o visitou pela primeira vez apenas dois anos antes de sua morte. Foi através de seu amigo Ricardo Viñes que veio a conhecer a música e os costumes dessa terra. Mesmo assim, como nenhum outro compositor, Ravel conseguiu captar na sua arte a mais profunda e sutil essência da música espanhola. Esta influência espanhola está presente especialmente em sua obra Rapsódia Espanhola “Rapsódie espagnole” (1907), na ópera breve A Hora Espanhola “I’Heure Espagnole” (1911) e em sua composição mais conhecida, Bolero (1928). As peças “Alborada Del gracioso”, contida no ciclo para piano “Mirroirs”, a ópera são exemplos claro dessa influência. Que tem a pretensão de invocar um espaço-tempo definidos.
Ravel foi uma personalidade totalmente original. Sua música é a revelação dessa personalidade, reticente e reservada, ao mesmo tempo irônica e sentimental. No piano e na regência foi mestre. Apesar de ter sido inovador em todos os gêneros musicais e na própria estrutura musical, não é um acaso a grande admiração de Ravel pela música pré-classicista francesa e pelos mestres do Classicismo vienense: ele próprio foi algo como o 'último clássico', antes de Stravinsky e a escola de Schönberg realizarem a grande subversão da música. Ravel foi um mestre da orquestração, na descendência direta de Rimsky-Korsakov, mas pouco do que fez foi produzido, originalmente, para a orquestra. Apesar de ser contemporâneo da belle époque, ele não a viveu. Foi um solitário de instintos aristocráticos.
Muito se discutiu sobre a estrutura rítmica da música de Ravel, herdeira dos ritmos de dança dos barrocos franceses. Os ritmos de danças sempre foram, desde os tempos de Lully, Couperin e Rameau, o recurso específico da música francesa para pôr em ordem o caos sonoro. Ravel também o usou. Ele demonstrava total racionalidade em seu virtuosismo
E ao mesmo tempo gostava de usar temas fictícios em suas composições. Estas eram sempre ligadas à magia, contos de fadas e coreografias encantadas. Mas este era o estilo Ravel. O encantamento de Ravel era daqueles que a um simples toque dava vida às coisas. Os móveis ganhavam vida, a chaleira e a xícara; o fogo e as cinzas; os desenhos e personagens dos livros começam a se mexer e falar, e também pensar; o que era vivo nos contos de fadas transmigra para o nosso mundo. É inclusive por isso que a atmosfera da fantasia de Ravel é aparentada aos contos de fadas: porque ele os traz, com suas mãos delicadas, para este mundo. Este mundo que em tudo se diferente deste mundo.
No setor de música de câmara, Ravel se revela em sua intimidade, em sua secreta tensão; mas também como músico que, sem assumir qualquer radicalidade estrutural, numa elaboração arquitetônica clássica, explora sensualmente as sonoridades raras. Na sua obra mais extensa, o balé Dafne e Cloé (1909-1912), reconhece-se tal sensualidade rítmica, enquanto o poema coreógrafo A valsa (1919-1920) é de marcação propositalmente lenta. Na Valsa profundamente romântica presente em “Conversas da Bela e do Monstro” Ravel admitiu a influência de Eric Satie, chegando a mencionar que essa peça seria quase como uma “quarta Gymnopédie”. Os impulsos descritivos ou paisagísticos são aqui substituídos por um notável bailado imaginário no qual se sucedem os temas, os súbitos e apaixonados arroubos, as rápidas contorções melódicas, num vetiginoso jogo sonoro que remete plenamente para a dança e para a sensualidade.
Nos anos 20, assimilou elementos de música moderna, como blues e jazz, e tornou-se, junto a George Gershwin, um dos mais ousados compositores modernos. Seu estilo pianístico explorou uma aguda definição e acabamento formal, de feição neoclássica. Grande mestre da orquestra e do piano, Ravel deixou obra vocal restrita, mas de grande singularidade. Sua escolha de textos era, às vezes, surpreendente, e o compositor seguia estritamente o ritmo da própria linguagem verbal.
Em sua música existem características, no qual, definem parte substancial da produção artística: a perfeita combinação entre o lirismo de inspiração oitocentista e uma linguagem neomodal. A qualidade diáfana das melodias presentes na peça inicial “Pavana da Bela Adormecida” advém, em boa parte, da utilização constante do modo de lá, apenas brevemente pontuado por tênues cromatismos. Porém a presença do idioma modal percorre outros andamentos da obra.
Ganhou fama de “revolucionário perigoso” essa palavra “revolucionário” é totalmente inadequada. A palavra “revolução” significa a perturbação de uma ordem. Não, ele apenas inovou, foi criativo. Ele era um músico com extrema complexidade técnica, que conseguia criar sons orquestrais ecléticos como ninguém.

5. ANÁLISE DAS OBRAS

5.1. As obras

Maurice Ravel reuniu em sua obra a elegância francesa das formas a uma fantasia transbordante e a um colorido que recordam e a música popular espanhola. Ravel foi sem dúvida um dos maiores compositores franceses de todos os tempos, junto de Stravinsky, Schoenberg, Debussy. A aptidão inata de Ravel na evocação de ambientes sonoros, evidenciada na esmagadora maioria das suas composições, constitui uma das marcas mais distintivas da sua obra. Os seus admiráveis quadros musicais, cuja arquitetura revela uma notável clareza formal, contendo uma escrita musical de meticuloso detalhe. Juntamente com o amigo Claude Debussy, Ravel é considerado um dos principais representantes do impressionismo francês, embora também tivesse uma forte tendência construtiva no que se refere às formas, o que resultou na máxima simplificação de suas obras na maturidade. É possuidor de um extenso currículo como compositor erudito. O compositor russo Stravinsky, contemporâneo de Ravel, comparou-o ao "mais perfeito dos relojoeiros suíços". Isso bem definia a complexidade, precisão e delicadeza da obra de seu colega francês.
Compôs uma série de grandiosas obras para piano solo, onde pode-se citar Pavane pour une infante defunte, composta em 1889, quando Ravel tinha vinte e cinco anos; em 1901 compõe os cristalinos eflúvios aquáticos de Jeux d`Eau. Em 1903 escreveu "Sherazade" conseguiu conciliar perfeitamente a voz à orquestração feita sobre a obra inicialmente para piano solo. Também em 1903, compôs o Quarteto para cordas em fá maior. Em 1905, Miroirs e Valses, Espelhos. De rara beleza melódica é a Introdução e Allegro (1906), para harpa, cordas, flauta e clarineta, explorando um jogo singular de contrastes harmônicos; também em 1906, escreveu o ciclo das Histórias naturais. "Rapsódia Espanhola", é de 1907.
Ravel evoluiu, no piano, do impressionismo ainda sensível em Espelhos (1905), para os ritmos mais ásperos de Gaspard de la nuit (1908) em que persistem, no entanto, arabescos cromáticos fantasiosos. No mesmo período, Ravel criou muitas outras obras, sobretudo para piano. Nobles et Sentimentales em 1911. Nos Trois Poèmes de Mallarmé, de 1913, usa a recitação do poeta como complemento à sua criação musical, porém sem ofuscar o brilho da mesma. Sua primeira obra orquestral foi balé Dafne e Cloé (1912). Ravel porém divertia-se mais ao compor músicas que pudessem receber acompanhamento vocal. O maravilhoso Trio para piano, violino e violoncelo foi escrito em 1914. Em Valsas nobres e sentimentais Ravel explorou a espirituosidade, mas tendeu depois para o despojamento de O túmulo de Couperin (1917).
Nos anos 1920, já era um compositor reconhecido e realizou inúmeras turnês pela Europa. Foi um magnífico orquestrador e realizou ainda, em 1922, a conhecida orquestração da suíte para piano Quadros de uma Exposição de Modest Mussorgsky. Em 1925, escreveu A criança e os sortilégios. Compôs canções como as Cinco Melodias Gregas e as Duas Melodias Hebraicas, ambas as obras para piano e voz. Escreveu duas óperas, mas ficou conhecido principalmente pelos seus balés. Dentre estes pode-se destacar Daphnis et Chloé e o Boléro. O Boléro estreou na Ópera de Paris a 11 de novembro de 1928 e possuía melodia simples e repetitiva para facilitar o acompanhamento dos bailarinos. É sombra de dúvidas, a obra mais famosa de Ravel. O compositor, entretanto, não conseguia entender o tamanho desta popularidade, pois para ele a obra só se tornaria completa se acompanhada de coreografia. Sem dúvida uma obra de grande originalidade pela sua estrutura rítmica e pela concepção melódica, que o próprio Ravel definiu como sendo “um estudo em crescendo, com o tema obstinadamente repetido”.
Em 1928, apresentou-se nos EUA, onde conheceu personalidades do cinema e da música, entre as quais o compositor Ira Gershwin. No mesmo ano, recebeu o título de doutor "honoris causa" pela Universidade de Oxford (Inglaterra). Ravel ainda compôs inúmeras obras orquestrais e obras para corais. Teve como mentor para sua criação orquestral Berlioz e seguiu sua linha ao compor a grandiosa Suíte Mamãe Gansa. Avesso à grandiloqüência, Ravel deixou, na ópera, duas obras de singulares humor e fantasia: A hora espanhola (1907) e A criança e os sortilégios (1925). No setor de música de câmara, explora sensualmente raras sonoridades. São obras-primas o Quarteto para cordas em fá maior (1903), o Trio para piano, violino e violoncelo (1914) e a Sonata para piano e violino (1923-1927). Famoso são dois concertos, o Concerto para piano em ré maior (1931), também conhecido como Concerto para mão esquerda, e o Concerto para piano em sol maior (1932). Ravel tinha uma concepção clássica do concerto, como obra racional, mas não é possível ignorar a dramaticidade inerente ao Concerto para mão esquerda. Dentre suas composições havia também, Canções de Dom Quixote à Dulcinéia (1932) sobre textos de Paul Morand. Música de câmara restrita são os ciclos Três poemas de Stéphane Mallarmé (1913) e Chansons madégasses (1925-1926). Além de outros ciclos eruditos, deixou várias transcrições de melodias populares.
Ravel contribuiu mais para a extensão e abertura do que para a destruição do sistema tonal clássico. Foi inovador em suas harmonias estranhas e clássico pelo firme contorno de suas linhas melódicas. É nesse ponto mesmo que diverge de Debussy, com quem foi, por equívoco, sempre comparado. Enquanto Debussy foi músico impressionista, pela dissolução da linha melódica (tal como os pintores impressionistas dissolveram o traço em proveito da luminosidade), Ravel foi anti-impressionista na construção da melodia.

Obras principais (por ordem cronológica)

Sérénade grotesque (1892-1893)
Menuet antique (1895)
Valse en Ré majeur pour piano (1898)
Pavane pour une Infante Défunte (1899)
Ouverture Schéhérazade (1899)
Fugue en Ré majeur (1900)
Jeux d'eau pour piano en Mi majeur (1901)
Quatuor en Fa majeur pour cordes (1902-1903)
Schéhérazade (1903)
Une barque sur l'océan (1906)
Rhapsodie espagnole (orchestre) (1907)
Gaspard de la nuit (1908)
Daphnis et Chloé (ballet 1909-1912)
Ma Mère l'Oye (ballet 1908-1910)
Valses nobles et sentimentales (1911)
La Tombeau de Couperin (1914)
Alborada del gracioso(1919)
La Valse (1920)
L'enfant et les sortilèges (1919-1925)
Bolero (1928)
Concerto en ré majeur pour la main gauche (1929-1930)
Concerto en sol majeur (1931-1932)

6. PAVANE POUR UNE INFANTE DÉFUNTE

O primeiro êxito de Ravel foi uma peça pianística, Pavana para uma princesa morta “Pavane Pour Une Infante Défunte” (1899), foi severamente julgada pelo próprio autor, mas persiste, em seu ritmo elegíaco, como uma de suas produções mais memoráveis. Ravel foi inspirado na pintura do espanhol Diego Velásquez. Trata-se de “A Família de Felipe IV”, obra pintada em 1656. Esta pintura é mais conhecida como “As Meninas”, por ter um grupo de meninas em primeiro plano, no centro da tela. Portanto, trata-se de uma música pictórica, que acaba produzindo efeitos sinestésicos, através de cruzamentos de sensações entre os sentidos da visão e da audição, ao refletir imagens visuais através dos sons.
Assim como as Epígrafes de Debussy, a peça de Ravel foi transcrita para diversas formações, como piano solo, quarteto de violões, grupos de câmara variados e orquestra sinfônica. A versão apresentada dava certo caráter de intimidade à música, que pode ser vislumbrada em meio à agitação da cena pintada por Velásquez.

Diego Velásquez, A Família de Felipe IV (As Meninas)



A inspiração direta para sua composição é de teor literário, aderindo assim Ravel às linhas mestras da arte musical francesa, na qual as pinturas e as letras possuem uma importância capital na criação musical, que surge freqüentemente de sugestões literárias e pictóricas.
De origem espanhola a pavana é uma das danças de corte que mais foram cultivadas nos séculos XVI e XVII. É uma dança de movimento lento e imponente, muito cultivada pela aristocracia.

7. ANÁLISE MUSICAL DA OBRA

A partitura da peça analisada Pavana para a princesa morta é escrita para piano. e apresenta-se na tonalidade de sol maior, com a extensão do sol – 1 ao fá 5. A peça apresenta-se na forma rondó. Inicia-se com ritmo tético, e terminação masculina causando assim um impacto de certeza na confirmação da Tonica maior no primeiro e ultimo compasso. Sua métrica é quaternária simples contida em setenta e dois compassos. Contudo, em alguns trechos, há mudança na métrica de quaternária para binária, compasso 19, 59. Apresentam-se muitos sinais de dinâmica, e também, sinais reguladores. Andamento largo com a semínima equivalente a 54 Bpm.
Encontra-se na melodia diversas ornamentações, compassos 7, 34, 51, 55 e 66. Ravel possuía muito bom gosto, em relação a orquestrações, sua obra pianística passeia por diversas regiões e alturas diferentes na melodia, com tessitura homofônica.
O tema A se repete insistentemente com variações e contrastes. O tema B causa contraste logo no início do tema quando muda-se para a tonalidade homônima. Isso causa uma mudança de sentimento na música.
No primeiro período se encontram oito frases, que se estendem do compasso um ao compasso dezenove:
A frase número um é formada pelo primeiro e segundo compasso frase de pergunta. A frase número dois é feita do compasso três ao seis, frase de resposta. A frase três é composta do compasso seis e sete. Já a frase número quatro é constituída do compasso oito ao dez. A frase cinco se faz dos compassos dez, onze e doze. A frase seis dos compassos doze, treze e catorze. A frase número sete se forma dos compassos catorze ao dezesseis e por fim do primeiro período a frase número oito formada dos compassos dezesseis ao dezenove.
O segundo período tem seu início no compasso vinte e modula para Ré maior, com cadência II, IV, I do compasso 25 ao 27 terminando sua resolução no compasso 27 em um acorde de Ré maior. Com 4 frases:
A primeira frase se constitui dos compassos vinte e vinte e um. A segunda frase é formada do compasso 21 ao vinte e três. O compasso vinte e três até o vinte e cinco equivalem a terceira frase. E o vinte e cinco até o vinte e sete correspondem a quarta frase.
O terceiro período é a reapresentação do tema, porém, uma oitava acima. Esse período possui quatro frases:
A primeira frase corresponde aos compassos de número vinte e oito e vinte e nove. Esta frase se utiliza da cadência I, V cadência interrompida. Na segunda frase, está a frase de resposta à dominante resolvendo na dominante relativa. Ela é feita dos compassos trinta, trinta e um, trinta e dois e trinta e três. Na terceira frase, que se estende do compasso trinta e quatro ao trinta e sete, há uma cadencia II, V, VI em que a resolução foi o acorde de Mi menor ou Tonica relativa. A quarta e última frase, que está contida nos compassos trinta e sete ao trinta e nove, resolve-se na Tonica fazendo cadência perfeita nos compassos 38 a 39 e fechando o período. O quarto período é formado por oito frases que se desenrolam do compasso quarenta até o compasso cinqüenta e nove. Cadencia perfeita V, I nos compassos cinqüenta e oito e cinqüenta e nove. Neste período há modulação para o homônimo Sol menor. É o inicio do tema B:
A primeira frase começa no compasso quarenta e vai até o quarenta e um. A segunda frase vai do compasso quarenta e um até o quarenta e três. A terceira frase são os compassos quarenta e três ao quarenta e cinco. Os compassos quarenta e três até o quarenta e oito fazem parte da quarta frase. Do compasso quarenta e nove ao cinqüenta e um são relativos à quinta frase. Para a sexta frase os compassos cinqüenta e um ao cinqüenta e três, do cinqüenta e três até o cinqüenta e cinco é da sétima frase. Para finalizar sétima frase com os compassos cinqüenta e três ao cinqüenta e cinco, e a oitava frase que vai do cinqüenta e cinco ao cinqüenta e oito. No quinto período tem a reesposição do tema no tom original Sol Maior, usa-se cadencia II, V, I compassos sessenta e sete a setenta e dois. A primeira frase se inicia no compasso sessenta e se estende até o sessenta e dois. A segunda equivale aos compassos sessenta e dois a sessenta e cinco. Sessenta e cinco a sessenta e seis é a terceira frase. Sessenta e sete a sessenta e nove é a quarta frase. A quinta frase vai do compasso sessenta e nove ao setenta e a sexta do setenta ao setenta e dois.

PAVANE POUR UNE INFANTE DÉFUNTE






















8. METODOLOGIA DE ANÁLISE MUSICAL

Harmonia Funcional: Koellreutter.

9. ANÁLISE AUDITIVA

Ao escutar Pavana para a princesa morta de Ravel foi possível perceber desde o início que Ravel escreveu a música com insistência em bloco, um acode e na seqüência outro acorde. Sendo assim uma música bem harmoniosa. No começo mesmo estando em tonalidade maior o tema “A” soa bem dramático. Há uso do intervalo de 4° constante. Com o uso de dinâmicas constantes, Nota-se que Ravel é profundo em cada frase. Como disse alguns musicólogos que Ravel foi muito temático em suas composições, assim ele consegue absorver diversos sentimentos em seus ouvintes assim causando um impacto nas coisas que pensamos e que imaginamos.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KOELLREUTTER,H. J. Harmonia Funcional. ed. 2. Ed. Ricordi Brasileira. São Paulo. p. 73.

KOELLREUTTER, H. J. Sobre o valor e o desvalor da obra de arte. Estudos Avançados 13 (37), 1999.

LAZZARIN, Luís Fernando. Música: produto ou processo? A educação musical responde matemática. Edição: 2007 - Vol. 32 - No. 02.




MANUEL, Roland. JOLLY, Cynthia. Maurice Ravel. Traduzido por Cynthia Jolly. Ed. Music & Letters, publicado pela Oxford University Press. Vol. 29, No. 1 (Jan., 1948). Disponibilidade e acesso:

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Autor: Silas Ribeiro


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