Papel da escola na contemporaneidade



Papel da escola na contemporaneidade
Professor Ruy Coelho

Resumo: Grandes mudanças vêm ocorrendo no âmbito da sociedade e que atingem nossas crianças, jovens e adolescentes que freqüentam a escola, surgindo o seguinte questionamento qual o pael da escola frente essa realidade. Esse é o principal foco deste artigo.
Palavras-Chave: Escola, sociedade, cidadania, democracia, informacional.

Diante das constantes mudanças ocorridas na sociedade é pertinente refletirmos sobre a organização do espaço escolar dentro de uma “sociedade técnica/científico-informal” (LIBÂNEO, 2001, p. 40), um espaço escolar, capaz de fazer frente a essas inovações na sociedade capitalista (neoliberal) que conseqüentemente modificam as relações entre as pessoas, tornando-as mais estimuladas a competir entre si mesmas. O neoliberalismo: “prega o individualismo e a naturalização da exclusão social, considerando como sacrifício inevitável no processo de modernização e globalização da sociedade” (LIBÂNEO, 2001, p. 39).
A ótica neoliberal impulsiona os indivíduos a darem o máximo de si mesmo para conseguirem sair da margem do contexto social dos excluídos, e serem inseridos num ambiente que para eles é mais cômodo, mesmo que o custo dessa transposição seja a exploração de sua mão-de-obra e de “quem cumpre seu dever (...), quem trabalha com a força e energia de maneira responsável (...) ocupando sem reclamar, seu lugar na pirâmide social” (GANDIN, 1994, p.14).
Outro aspecto que merece destaque é a revolução informacional, que visa a expansão e apropriação de aspectos culturais e informacionais, que de forma minuciosa (re) modifica o contexto de relação entre famílias-famílias, indivíduos-indivíduos, educando(a)-escola, indivíduo-sociedade, deixando-os serem domesticados pelas informações midiáticas.

(...) A informação é necessária, mas ela vem exercendo um domínio cada vez mais forte sobre as pessoas, cada vez mais escravizadas por ela. Informação não é sinônimo do conhecimento, por si só ela não propicia o saber. A informação é um caminho de acesso ao conhecimento (...), mas ela precisa ser analisada e interpretada pelo conhecimento, que possibilita a filtragem e a crítica da informação de modo que ela não exerça o domínio sobre a consciência e a ação das pessoas (LIBÂNEO, 2001, p. 37).

Neste contexto social, informacional, devemos estar preparados para depurar as informações que chegam até nós de forma que possamos extrair destas suas peculiaridades significativas para a vida social. Mas, o que a organização do espaço escolar tem haver com essas mudanças ocorridas na sociedade?
Se olharmos nas “entrelinhas”, transcendemos às afirmações de Libâneo (2001), e encontraremos a resposta ao nosso questionamento, visto que elas nos remetem ao campo educacional, que por sua vez tem um papel de grande influência na construção de um indivíduo capaz de agir-refletir-agir sobre essa “nova” sociedade, na construção e articulação de sua própria história, como sujeito e não como mero expectador . Uma escola que eduque para o exercício da cidadania, que vise à transformação.
Neste sentido temos que questionar, discutir, (re)dimensionar a escola pensada, baseada no modelo neoliberal que visa uma educação padronizada, que atenda os interesses daqueles que detêm o poder, que valoriza o individualismo para ascensão do todo no mundo globalizado, uma educação que esteja a par de seus ideais sócio-político, cultural, econômico... Uma educação que mantenha o status quo dos que agem com preponderância sobre as demais pessoas, ou grupos sociais, e a permanência daqueles que estão excluídos das decisões políticas, econômicas,... da sociedade do lugar que segundo a ótica neoliberal não devem sair, mas que detêm sua função no contexto da sociedade.

(...) a escola (...) definida pela perspectiva neoliberal, considera a desigualdade um valor positivo e natural. O mérito individual dos melhores estimula a competição e a concorrência necessária para a prosperidade de todos (...) trabalha com conhecimento padronizado, a partir da ótica dos interesses sociais dos grupos dominantes (...) (KRUG e AZEVEDO, 2000, p.11).

Na educação padronizada, temos como exemplo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN`s) que foram criados a partir de uma realidade específica, mas enviados a todos os municípios do Brasil, a todas as escolas, as quais deveriam seguir, para delinear suas ações, os ideais contidos nestes “manuais”. Aos municípios cabia proporcionar ações pedagógicas que envolvessem as escolas, para que pudessem familiarizar-se com os PCN`s. Assim, ofereceram “treinamentos” para a coordenação pedagógica, para estes irem “treinar” os demais professores, como se fossem animais.
Os PCN`s são a presença viva da padronização da educação a nível curricular e de formação (no caso treinamento) para realidades diversificadas, uma educação que compartilha os ideais neoliberais e não os ideais e as necessidades de cada escola.
Não podemos fingir, nem negar que estamos inseridos numa sociedade neoliberal, individualista, excludente... e que a escola faz parte deste contexto, e que por vez é pensada verticalmente para buscar reproduzir as ações que justifiquem as diferenças sociais existentes na sociedade. No entanto, também sabemos que a escola que queremos, não deve ser reprodutora, mas sim uma escola sedimentada nas ações coletivas-individuais dentro dos princípios democráticos, que construa conhecimento crítico, reflexivo, que faça frente às imposições advindas do topo da pirâmide social. Para tanto, deve ser uma “escola cidadã”, compromissada com as classes menos favorecidas, que faça uma leitura de mundo e propicie mecanismos facilitadores para professores, alunos, pais... para que possam coletivamente edificar uma educação que esteja voltada para a construção de uma sociedade mais solidária e humana.
Diante do contexto atual da sociedade, a educação cidadã, defendida por muitos teóricos, dos quais podemos citar Paulo Freire (1996), para buscar construir uma educação que

(...) alinhe com os interesses e os processos sociais dos grupos subalternos. É uma educação que promove o desenvolvimento dos sujeitos pedagógicos com melhores capacidades para analisar criticamente a realidade e transformá-la (...) É uma educação que se alimenta na rica experiência da educação popular, mas reinventada constantemente para adaptá-la aos novos desafios (SCHUNGURENSKY, 2000, p.190).

A educação cidadã, na perspectiva da escola cidadã , busca reinventar o processo educacional de forma que busque maior proximidade daqueles que fazem parte dela, proporcionando reflexões-ações sobre sua condição no mundo globalizado.
Pensar a escola na perspectiva da escola cidadã, sobre um novo enfoque, político, filosófico, democrático... submete uma ruptura com a prática educativa da educação tradicional, bancária, transmissora de conhecimentos, autoritária... Assim devemos pensar em uma escola que valorize os conhecimentos assistemáticos de seus educandos(as), que tenha por pressuposto “que ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 2003, p. 47).
No entanto para que a educação escolar possa corroborar com essas perspectivas é necessário que ocorra transformações fora e no interior das escolas no que concerne a gestão, autonomia, participação,... os quais são essenciais ao Projeto Político - Pedagógico.
As transformações “fora” do ambiente escolar que acima citamos, estão relacionadas às instâncias superiores que “coordenam” a educação a nível de políticas públicas voltadas para ações que convalidem as propostas educacionais almejadas pela escola cidadã e as contribuições das instâncias para propiciar um ambiente favorável a construção do conhecimento.
É conveniente salientarmos que o poder público deveria assumir o compromisso com a educação de qualidade, mas não da qualidade total enfatizada pelo neoliberalismo, mas a qualidade social, que é para todos e este não pode abstrair-se de sua função. Tão pouco a escola deve chamar para si toda a responsabilidade pela educação. Assim ambos, a escola e o órgão que a coordena, devem unir forças para atingir a plenitude de uma educação de qualidade para todos, alicerçada nos princípios da escola cidadã. “(...) a política pública pode converte-se em um elemento dinamizador da escola cidadã (...) educação cidadã e política-pública podem retro-alimentar-se mutuamente” (SCHUNGURENSKY, 2000, p. 191).
Essa relação não antagônica entre a instituição escolar a nível de políticas públicas tem uma dimensão relevante no contexto educacional contemporâneo, pois ambos assumem a responsabilidade da educação para o seu povo, e com qualidade.
Mudar a forma de organização que a escola se utiliza requer mudanças “radicais” na sua forma de pensar, organizar, em fim, mudar de forma global. Essa escola não pode ser pensada de cima para baixo, mas sim deve ser a representação “viva” das necessidades, inquietudes, utopias... da própria escola, daqueles que a constituem, para que se possa, repito, fazer frente às contínuas mudanças ocorridas na sociedade atual, partindo do “saber fundamental: mudar é difícil, mas é possível” (FREIRE, 2003, p. 79).
Essa “nova” escola precisa se articular de forma coletiva, planejada, capaz de criar e recriar possibilidades de interferência crítica/reflexiva construtiva na realidade em que o(a) educando(a) está inserido(a) e que este(a) faça parte dessa realidade.
Propiciar aos educandos(as) espaços de reflexões sobre o seu papel enquanto cidadãos de uma nova época é de suma importância, para que possam exercer sua cidadania dentro e fora do espaço escolar. No entanto para que o(a) educador(a) exerça essa cidadania é preciso que a escola discuta, defina qual o sentido de cidadania. Assim, nesse momento vale abrirmos espaço para discutirmos o que é cidadania? De forma que atenda as perspectivas em que as propostas e ações do Projeto Político-Pedagógico são alicerçadas.
Atualmente o termo cidadania é foco de discussões, sob o enfoque de diferentes tendências epistemológicas, frente ao conceito de cidadania expressado pelo neoliberalismo.
Partindo da premissa de que cidadania perpassa pelo conceito “Pioneiro do britânico T. H. Marshall, que distinguiu entre direitos civis, políticos e sociais” (SCHUNGURENSKY, 2000, p. 189) e que esta definição ao longo da história da humanidade permanece como referencial para discussões sobre o que é cidadania. Neste sentido:

Cidadania é essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício da democracia: direitos civis, como segurança e locomoção: direitos sociais, como trabalho, salário justo, saúde, educação, habitação etc, direitos políticos, como liberdade de expressão de voto, de participação em partidos políticos e sindicatos, etc. (GADOTTI, 2001, pp. 38-39).

Gadotti (2001) define cidadania dentro do eixo que Schungurensky (2000) expõe, mas diz também que “cidadania não é apenas um produto da solidariedade individual” (2001, p. 39) como prega o estado neoliberal, mas sim com resultados de decisões democráticas, onde haja participação de cidadãos ditos comuns, da sociedade civil organizada, nas tomadas de decisões nos campos educacionais, político-econômicos, social, e que o resultado dessas decisões sejam coletivas.
Segundo Schungurensky (2000, p. 189) “a cidadania não deve ser entendida pura e exclusivamente como status (direitos), mas também como a participação ativa e criativa em processos substantivos de deliberação e de tomada de decisões”. Não podemos fugir da gênese, da força motriz da cidadania, no entanto não podemos nos prender somente a ele, mas partir dele para percebermos que

(...) a nova cidadania como redefinição da idéia de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos (...) concepção que não se limita a conquistas legais ou ao acesso de direitos previamente definidos, ou a implementação efetiva de direitos abstratos e formais, e inclui fortemente a invenção/criação de novos direitos que emergem de lutas específicas e de sua prática concreta (...) Neste sentido ela é uma estratégia dos não cidadãos, dos excluídos, de baixo para cima (BAGNINO apud MARTINS, 2001, p.52).

Essas perspectivas de cidadania emergem em um contexto em que o neoliberalismo prega a efetivação da cidadania através de ações não tão significativas para o processo de supressão da exclusão social da sociedade civil, mas sim para a sustentabilidade do modelo capitalista neoliberal. Devemos lutar, buscar nossos direitos de termos direitos, pois, a cidadania:

(...) se faz através de lutas contra a discriminação, da abolição de barreiras segregativas entre indivíduos e contra as opressões e os tratamentos desiguais (...) pela participação de todos nas tomadas de decisões (MARTINS, 2001, p. 53).

Essas informações evidenciadas por Martins (2001) remete-nos a refletir sobre o nosso papel na construção de um modelo de sociedade em que os princípios argumentados por ele sejam concretizados, afim de atingirmos a plenitude participativa nos acontecimentos sócio-políticos ocorrido na sociedade.
A conquista da cidadania é um processo contínuo de luta, de busca pelo que se almeja e esta busca deve fazer parte da educação contemporânea. Para tanto a escola deve estar sedimentada sobre a cidadania, educando para que seus alunos e alunas exerçam o direito de ser cidadão. Dentro deste contexto o Projeto Político-Pedagógico é um caminho para a conquista da cidadania.
A educação escolar tem papel preponderante na conquista da cidadania, mas para tanto, precisa ser democrática nas tomadas de decisões, precisa emergir em seu interior uma ruptura com o poder totalitário, e propiciar uma “educação [na] para e pela cidadania” (GADOTTI, 2001, p.96).
A escola precisa estar organizada, ter um rumo, um horizonte a ser alcançado, de maneira que transponha, ultrapasse o universo da teorização do ideal de cidadania, que as teorias vinculadas à organização do espaço escolar, cidadania, qualidade de ensino, gestão democrática entre outros, faça, parte da rotina diária da escola e conseqüentemente daqueles que são sujeitos no espaço escolar.
É importante refletir que não é somente papel da escola (educação), buscar mecanismo que propiciem ideais democráticos, que conduzam a uma sociedade mais justa, solidária, mais humana menos competitiva. No entanto segundo a análise de Libâneo a escola tem um papel importantíssimo e “insubstituível quando se trata de preparação cultural e científica das novas gerações para enfrentamento das exigências postas pela sociedade contemporânea” (LIBÂNEO2001, p.44).
Diante da grande responsabilidade, do compromisso, que a educação exerce na formação cognitiva, social… numa ação recíproca entre educadores(as)-educando(as) e vice-versa, é preciso que esta não ande em descompasso com a temporalidade, com as inovações técnicas, científicas, informacionais, culturais… que atingem a todos(as) como um todo. A escola

(...) é uma síntese entre a cultura experienciada que acorda na cidade, nas ruas, nas praças (…) meios de comunicação (…) e a cultura formal (…) a escola fará assim a síntese entre a cultura formal dos conhecimentos sistematizados e a cultura experienciada (LIBÂNEO, 2001, p. 4).

Vemos assim a importância que a escola exerce na formação de seus(as) educandos(as), é dentro deste contexto que surge como mola impulsionadora das ações planejadas pela escola.

Bibliografia
FREIRE, Paulo . Educação e Mudança. Tradução de Moacir Gadotti e Lilian Lopes Martin; Porto Alegre. Paz e Terra.19ª Edição. 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia:Saberes necessários a prática educativa, São Paulo : Paz e Terra, 27ª Edição. 2003.
GADOTTI, Moacir. Um Legado de Esperança. Sp; Cortez, 2001.
GANDIN, Danilo. A Prática do Planejamento Participativo: Na Educação e em ouras instituições, grupos e movimentos dos campos cultural, social, político, religioso e governamental. Petrópolis, Rj; vozes, 1994.
KRUG, Andréa e AZEVEDO, José Cloves de. Século XXI: Qual conhecimento? Qual o currículo? In: Silva Luiz Heron: (Org). Qual conhecimento? Qual currículo? Petrópolis, Rj; Vozes: 2ª Edição. 2000.
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 2001.
MARTINS, Rosilda Baron. Educação para a cidadania: o projeto político pedagógico como elemento articulador. In: VEIGA, Ilma Passos A. (Org) Projeto Político Pedagógico da Escola: uma construção possível. Campinas, SP; Papirus, 5ª Edição, 2001.
SCHUGURENSEKY, Daniel. Globalização, democracia participativa e educação cidadã: o cruzamento da pedagogia e da política pública. In: Silva Luiz Heron: (Org). Qual conhecimento? Qual currículo? Petrópolis, 2ª Edição. Rj; Vozes: 2000.
Autor: Ruy Coelho Ribeiro


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