Modernização E Embelezamento Das Cidades: Uma Comparação Entre A Europa E A Amazônia



1 - A grande cidade do século XIX: intervenção no espaço, ordenamento da vida e normatização da sociedade

Durante o século XIX o mundo vivência a segunda revolução industrial, onde esse processo alavancou ainda mais o capitalismo que vive agora sua fase monopolista e imperialista e ao mesmo tempo aprofunda na Europa o processo de urbanização que havia se iniciado na primeira revolução industrial ocorrida primeiramente na Grã Bretanha. Nesse momento as cidades européias passam por uma rápida transformação marcada pela reestruturação das cidades, a fim de atender as necessidades do capitalismo e ao mesmo tempo apagar as marcas deixadas pelas cidades medievais.

Segundo Passavento (1989):

A cidade é, como se sabe, uma realização muita antiga. Da Ur dos zigutaths à Tebas das sete portas, da Roma dos Césares à Avignon dos Papas, ela marca a sua presença na história, através daqueles elementos que assinalam o advento do que se considera civilização. Mas é sebretudo com o advento do capitalismo que a se impõe a "questão urbana", colocando diante do Estado a exigência de um modus vivendi normalizador do "viver em cidades". Processos econômicos e sociais muito claros delineiam-se, transformando as condições da existência: concentrações populacionais, migrações rurais, superpovoamento e transformação do espaço assinalam o crescimento e configuração das cidades [...].

A reestruturação das cidades da Europa no final do século XIX apresentava várias razões, sendo que uma delas era o fato de que os poderes queriam não só impedir rebeliões e revoluções como mostrar a grandeza da beleza das capitais para a concorrência imperialista, mas isso significava também reagir de uma forma funcionalista às mudanças estruturais, ou melhor, ao crescimento enorme da população. Essas concepções foram sustentadas pelas instâncias de planejamento das cidades.

Como assinala Williams (1989: 294):

Em meados do século XIX, a população urbana da Inglaterra já excedia a rural – pela primeira vez em toda a história da humanidade. Como marca divisória da passagem para um novo tipo civilização, a data é da maior importância. No final do século XIX, a população urbana já chegava a três quartos do total. Além do mais. Não se tratava apenas de uma redistribuição interna da população. Na verdade, a população total estava aumentando de modo extraordinário. Em 1801, havia 9 milhões de habitantes; esse número já havia dobrado em 1851 e dobrou novamente até 1911[...].

A industrialização dos equipamentos urbanos no século XIX é indissociável da criação da cidade moderna e do caráter estratégico que a intervenção urbanística no espaço passa a assumir nas resoluções dos problemas crônicos da cidade e na qualificação das mesmas. Nesse sentido, o urbanismo do século XIX constitui uma resposta aos problemas criados pelo intenso crescimento urbano observado na Europa observado desde a segunda metade do século XVIII; entretanto, representou também uma imagem da cidade que incorporava os efeitos das novas infra-estruturas urbanas numa outra concepção do espaço. Desse modo, destaca Williams (1989: 297):

[...] Mas não era uma questão de número de habitantes; tais cidades haviam sido construídas para servir como lugares de trabalho: fisicamente. Eram dominadaspelas fábricas e máquinas, os prédios enegrecidos pela fumaça e os rios enegrecidos pelos despejos industriais; socialmente, caracterizavam-se pela disposição das residências ao redor dos lugares de trabalho, de modo que a relação dominante estava sempre presente [...].

Contudo, as modernas infra – estruturas urbanas não apenas ao nível dos transportes, mas também considerando os equipamentos de drenagem e de abastecimento de água impunham novos constrangimentos sobre o desenho viário e sobre a disciplina na sua utilização. O traçado retilíneo, regular e amplo das vias públicas fornecia o ideal de cidade aprazível para o urbanismo da segunda metade do século XIX. A estrutura reticular do ordenamento urbano permitia a reconciliação entre o interesse da circulação, da salubridade e do embelezamento (SILVA, 1997). Por conseguinte, "este processo de modernização é entendido num quadro de competição internacional entre metrópoles e capitais. Sendo que, do ponto de vista dos poderes públicos é esta dupla componente de modernização das infra- estruturas e do novo urbanismo que mobiliza vontades e recursos financeiros, que organiza a emulação de experiências e cria a imagem de um padrão de modernidade da vida urbana assente no conforto proporcionado pelas novas formas de energia, transporte e saneamento básico, ou nos novos espaços de sociabilidade" (Matos, 1999).O século XIX inaugura de fato a preocupação com relação à regulamentação das condutas e posturas adequadas para locais públicos, assim como tudo o que diz respeito à convivência social e ao comportamento das pessoas.Segundo Passavento (1989):

[...] o século XIX, no qual emerge a grande cidade, que coloca para os governos a necessidade de intervir no espaço, ordenando a vida, normatizando a sociedade. A "questão urbana" aparece assim como um problema posto, derivado das transformações econômico-sociais da época, e que tem na cidade o seu locus privilegiado de realizações. Sem duvida, estes "produtores do espaço" concebem uma maneira de construir e/ou transformar a cidade, através de práticas definidas, mas também constroem uma maneira de pensá-la, vivê-la ou sonhá-la. Há a projeção de uma "cidade que se quer", imaginada e desejada, sobre a cidade que se tem, plano que pode vir a realizar-se ou não [...].

Assim, durante este século, a cidade tornar-se-á alvo de uma efetiva normatização que procurará controlar dos grandes aos pequenos detalhes da vida social e do cotidiano das pessoas.Utilizado com referência ao decoro público, à ausência de perturbações sociais, decorrência da harmonia e ordenamento social que o refinamento dos costumes criava. Embora o termo urbanismo somente tenha surgido na segunda metade do século XIX, as circunstâncias e situações a que ele se aplicam descrevem todo o movimento ocorrido neste século, seja com relação aos discursos acerca do urbano, ou referente a uma nova qualificação para o espaço da cidade6. Civilização, progresso e urbanidade podem ser concebidos como valores estreitamente ligados, invocando imagens/imaginário referentes ao desejo, especialmente por parte das elites, de uma sociedade com hábitos, comportamentos e costumes considerados mais elegantes.

2 - A questão urbana na Amazônia durante o século XIX e sua influência nos paradigmas sócio-culturais

A partir da segunda metade do século XIX a Amazônia passa a ter um papel de fundamental importância dentro da economia nacional, pois nesse momento o mundo passava por um processo de transformação gerada pela segunda revolução industrial que inaugura a chamada belle-époque na Europa. Com o desenvolvimento industrial desse período, a borracha se torna matéria prima essencial para o impulso das industrias européias e americanas, onde coube a Amazônia fornecer esse insumo básico para os mercados internacionais.

De acordo com Weinstein (1993:30),

[...] a rede comercial que canalizou a borracha amazônica dos remotos campos da hévea para o mercado exterior não representou um afastamento significativo das praticas desenvolvidas pelos portugueses na era colonial. Ao invés de destruir as relações de produção existentes, o negócio da borracha amazônica levantou-se sobre elas, consolidando modos tradicionais de extração e troca. Os modelos de comercialização que se desenvolveram com o aumento das exportações de borracha apresentaram, contudo, um grau incomum de complexidade e de sofisticação. Em condições perfeitamente normais era possível que um quilo de borracha passasse por meia dúzia de mãos diferentes antes de chegar a seu destino final – fabricante[...].

Nesse sentido as cidades de Belém e Manaus ganham grande destaque no que diz respeito ao comercio do látex na região o que direciona os fluxos econômicos para essas duas cidades que sofreram grandes mudanças em seu contexto urbano e social. Além disso, nesse momento a região passa a receber um grande contingente de imigrantes oriundo do Nordeste que seriam inseridas na economia gomífera através do sistema de aviamento. "Deste modo, viajantes que passaram pela cidade após a segunda metade do século XIX são unânimes em seus depoimentos quando ressaltam o crescimento de Belém tanto em área como em população e densidade" (SARGES, 2002, P. 52).

Segundo Sarges (2002:52),

[...] Entre 1840 e 1920, toda atividade econômica da região passou a girar em torno da economia extrativista da borracha. Em decorrência da nova economia que se instala, novos contingentes chegam à cidade imprimindo uma ampliação de modificação na paisagem do seu urbano[...].

A cidade de Belém assim como a de Manaus dada a importância desses dois núcleos urbanos no contexto da economia gomífera, viveram um período de renovação. Entretanto, tivemos o afastamento das classes economicamente mais baixas para áreas periféricas – afastadas dos centros, rompimento com os padrões coloniais através da implantação de uma nova estética, sendo que este fato foi reforçado com a proclamação da república, além disso, avenidas entrecortavam a cidade rumo aos bairros mais novos e recebiam as famílias em vias de ascensão social.

Como assinala Sarges (2002: 52),

Parte do excedente que se originou da economia gomífera foi investido no setor público na área do urbano, com o calçamento das ruas da cidade com paralelepípedos de granito importados de Portugal, com a construção de prédios como a do Arquivo e Biblioteca Pública, Teatro da Paz, além de outros, e a própria expansão da urbe com a ocupação das terras altas pelas famílias ricas, favorecendo a criação de novos bairros como Batista Campos, Marco, Nazaré, Umarizal, onde a elite pode construir suas confortáveis casas, bem distantes do abafado bairro comercial.

Portanto, esse processo se enquadrava dentro de uma política que ensejava sobre a população novos valores culturais, já que a urbanização de Belém e de Manaus sofreu forte influência européia. Nesse sentido era preciso adequar a população à nova realidade que as duas cidades amazônicas vinham passando com o crescimento econômico, principalmente Belém que concentrava a maior parte dos fluxos de capitais geradas pela borracha.

Para tanto, a nova elite teve para se adequar ao novo contexto econômico e eliminar a antiga classe de burocratas lusos e senhores escravagistas, enviavam seus filhos à Europa para estudar, porém quando retornavam traziam novos maneirismos o que de certa forma possibilitou uma mudança nos paradigmas sócio-comportamentais com novas posturas, intensificação das relações sociais, onde a vida privada e a pública passam a refletir estas novas posturas trazidas da Europa. A transformação pela qual passou Belém, engendrada pela economia da gomífera significou a materialização da modernidade expressa através da construção de obras, urbanização, formação de elites, na construção de "um modelo ideal de sociedade moderna isento de perturbação" (SARGES, 2002, P. 53).

Era preciso enquadrar a cidade a um novo padrão de urbanização e costumes, que representassem a modernização e o embelezamento e nesse aspecto Belém passou por grandes transformações em sua estrutura, principalmente no governo de Antônio Lemos, onde a metrópole belemense se tornara a terceira cidade mais importante do Brasil. Em obra de 1895, o barão de Marajó descrevia em minúcias as mudanças que transformaram Belém na última década do século XIX, propiciando, a partir de então, uma alteração positiva da "prosperidade pública", a "purificação de nossos costumes" e o aperfeiçoamento dos espíritos (DAOU, 2000, P. 28).

Nesse sentido, a urbanização e os projetos que embelezaram a cidade de infra-estrutura durante o auge da economia gomífera, também impuseram regras e novos modos de vida para a população de Belém, pois nesse momento a cidade também passa por um processo de higienização e modernização dos espaços públicos, que mostrassem uma certa elegância e estética, como assinala Daou (200: 31),

[...] o embelezamento da cidade resultava de alterações urbanísticas e arquitetônicas estimuladas por uma legislação que procurava modernizar os espaços públicos e dotar de certas características as construções, imprimindo, nas fachadas dos prédios, elegância estética, graciosidade e uma racionalidade condizente com as necessidades de ventilação e higiene exigidas pelo clima [...].

Vale lembrar que essa modernização dos espaços públicos excluía a população pobre que era proibida de circular nesses espaços que foram construídos para as elite, na verdade a população pobre de Belém ficou excluída do processo de modernização e embelezamento da cidade, sendo expulsa para as áreas afastadas do centro, não participando da Bellé-époque, entretanto tendo que se adaptar ao código de posturas implementado na cidade.

Segundo Daou (2000:32),

[...] e importante considerar a dimensão moral das transformações urbanas, no sentido de impor regras de conduta e hábitos de higiene e racionalizar o uso dos espaços públicos. O código de posturas previa multas para os que jogassem águas utilizadas e quaisquer tipo de dejetos nas ruas, e os jornais anunciavam o horário em que passariam os carros de coleta do lixo, a ser posteriormente incinerado[..].

Manaus também vivenciou esse processo, também passando pelas mesmas transformações urbanas e culturais que Belém passou, ainda destaca daou (2000: 33),

[...] não é inusitado o fato de que, mais do que Belém, Manaus seja considerada a "capital" da borracha, pois foi na ocasião do boom desse produto que a cidade ganhou visibilidade, projetando-se internacionalmente como uma cidade moderna, dotada de sofisticados meios de transporte e comunicação[...].

Contudo, Manaus não teve maior influencia que Belém durante o ciclo da borracha, pois a localização geográfica de Belém na embocadura do rio amazonas deu o papel a esta cidade de se encarregar de exportar a borracha para os mercados internacionais, além desse fato, Belém concentrava maior fluxo de capital, devido a forte presença da atividade bancária, de casas aviadoras e o grande crescimento de seu comércio.

Conclusão:

A expansão da cidade moderna durante a segunda fase do capitalismo durante o século XIX, trouxe não apenas um processo de modernização e embelezamento dos núcleos urbanos que seriam importantes para a atuação das elites. Mas também, novos costumes que seriam disseminados pela sociedade que se concentrava nas cidades. A Europa torna-se o raio de influencia para o mundo, ou seja, a chamada belle-époque que chega nas cidades brasileiras, incluindo Belém e Manaus, tinha como espelho Paris. Entretanto, esse processo representou acima de tudo a exclusão das massas populares dos benefícios gerados pelo capitalismo, assim como o controle das massas pelo grande capital. O código de posturas implantado nas cidades européias chega até a Amazônia atreves do intendente Antônio Lemos o que mostra a ligação entre a Amazônia e o mundo.

Referências

JAQUES, L. G. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun: tradução de Reginaldo Carmelo Correa de Moraes. São Paulo: Unesp, 1988.

KIDDER, Daniel P. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do norte do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980. 272 p. Serie Coleção Reconquista do Brasil; Nova Serie; v. 16; Ilus.

MATOS, A. C. e silva, A. F. (1999), "As infraestruturas urbanas e a internacionalização da economia portuguesa na segunda metade do século XIX: notas de uma investigação", comunicação ao XIX Encontro da Associação de História Econômica e Social, Madeira, Universidade de Madeira.

SARGES, M. de N. Belém: Riquezas produzindo a Belle-époque (1870-1912). Belém, Paka-Tatu, 2002.

SOUZA, M. Breve história da Amazônia. Rio de Janeiro. Agir, 2001. p-63-81.

WEINSTEIN, B. A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência 1850-1920. São Paulo. Hucitec, 1993. pp-219-240.

WILLIAMS, R. O campo e a cidade: na história e na literatura: tradução: Paulo Henrique Brito. – São Paulo. Companhia das letras, 1989.


Autor: Aiala Colares de Oliveira Couto


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