VOTO: DIREITO? OBRIGAÇÃO?



Sabe aquela sensação de já ter vivido determinada situação antes? Como naquela cena do filme Matrix, onde Neo (Keanu Reeves) ao ver um gato passar duas vezes por uma porta, diz: "Déjà vu". Assistindo hoje ao início da propaganda eleitoral gratuita, tive semelhante sensação. Os mesmíssimos gatunos de antes!

No Brasil, o horário eleitoral, instituído pela lei N.º 4.737, de 15 de julho de 1965, é gratuito e obrigatório, da mesma forma que o voto (não-compulsório dos 16 aos 17 anos e para os maiores de 70 anos). Hoje, como na Grécia Antiga, os "eleitores" são obrigados a escolher um partido, ou perdem seus direitos de cidadão. A lei prevê ainda que na impossibilidade de comparecer ao pleito, o eleitor deverá justificar sua ausência. Além da livre possibilidade de escolha de um candidato de sua preferência, o cidadão tem as opções do voto em branco e do voto nulo.

Na América Latina, além do Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai praticam o voto compulsório. Coincidência ou não – prefiro crer que não – trata-se de países sem tradição democrática, subjugados, ora por ditaduras centenárias, ora pela miséria histórica, quase um patrimônio cultural. Temos, então, uma combinação infeliz, tanto quanto eficaz, no que podemos chamar de cercear da consciência democrática.

A quem interessa, de fato, o voto compulsório, senão aos mesmos que se valem da pobreza e da ignorância popular, em favor dos próprios interesses?

Nos Estados Unidos, assim como em vários países europeus de tradição democrática, o serviço militar e o voto são facultativos. Ou seja, vai à guerra e vota quem quer. Receio que haja um equívoco crucial no que se refere ao voto: Uma obrigação ou um direito? Ora, um direito não pode ser uma obrigação, seja do ponto de vista ideológico, seja simplesmente semântico. De um lado, obrigação pressupõe imposição, preceito, dever. De outro, o direito refere-se à garantia da prática de um exercício, nesse caso, o voto.

Outro engano, alimentado por décadas a fio, diz respeito ao professado pelo senso comum; uma ingênua crença de que o voto facultativo causaria uma espécie de caos nacional, em que eleitores inconformados com a onda de corrupção, incompetência, descasos e outros absurdos que assolam o país desde o achamento desta nossa terra nova, abster-se-iam ao voto, em um estado de epifania coletiva. Acredite, isso não aconteceria. Aliás, certamente, o que se veria, a exemplo de outros países, seria uma disputa eleitoral acirrada, cada ação meticulosamente planejada, os pecados do passado seriam armas fulminantes contras os adversários, casos extraconjugais, desvios de verba, superfaturamento de obras, não seriam esquecidos (digo, pelos adversários políticos, é claro), ou seja, os gatunos de antes teriam muito mais trabalho em passar pelo mesmo lugar sem serem percebidos.
Autor: ADALBERTO PEREIRA SANTOS


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