A vida de Jânio em Quadros



(*) Nelson Valente


- Se não saiu na mídia não aconteceu .
(Jânio Quadros).




Bilhetinhos

Corri bibliotecas, colhi depoimentos, li e reli centenas de revistas e jornais antigos e conversei muito com o próprio personagem. O ex-presidente sempre foi comigo por demais atencioso, relatou-me fatos que hoje tenho por obrigação passar através deste livro.
De todos os políticos que conheci, como pesquisador e autor de 12 (doze) livros sobre o ex-presidente , jamais convivi com pessoa tão inteligente e de personalidade tão complexa. Conhecia exatamente onde estava a tênue fronteira entre o pitoresco e o ridículo. Trabalhava a sua imagem sobre o fio da navalha.Por isso, foi o mais inusitado fenômeno da política brasileira, presença carismática junto ao povo e aos meios de comunicação. Desde que foi eleito vereador, em 1947, o futuro presidente já tinha por hábito escrever a colegas e subordinados. Foi por meio de uma carta escrita por ele em 1961 e entregue ao Congresso Nacional que Jânio deixou a Presidência. Para a renúncia, há mais de dezoito versões diferentes. As minhas pesquisas indicam que o ex-presidente Jânio da Silva Quadros tentou renunciar pelo menos onze vezes nos mesmos moldes e uma tentativa de deposição em toda a sua vida pública.Para não desmerecer sua biografia, recheada de renúncias, também desta vez Jânio abandonou a Prefeitura dez dias antes de completar o mandato, viajando para Londres. E os últimos dias de governo foram administrados por seu Secretário de Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo. O objetivo deste livro é demonstrar que a renúncia de Jânio da Silva Quadros foi um ato pessoal e suas entrevistas e seus bilhetinhos revelam o estigma e suas várias facetas na arte de renunciar.

Nos sete meses de governo
Nos sete meses de governo, Jânio Quadros despachou cerca de quinhentos “bilhetinhos”, como são chamados popularmente. Os bilhetinhos foram combatidos, mas temidos e respeitados. Neles se observa o humano e o sentido de humor de Jânio Quadros. Os célebres “bilhetinhos” só o eram para o público, pois para JQ, eram despachos, papeletas ou memorandos altamente enérgicos e exigentes. Essas ordens escritas foram cognominadas “bilhetinhos” por um jornal de São Paulo, com o intuito de depreciá-los, mas o efeito foi contrário, e eles ganharam a notoriedade e a importância que realmente importava.
Dizia-se que Jânio inspirara-se em Churchill quando deliberou utilizar-se do sistema dos bilhetinhos. Outros declararam que ele se inspirou em personalidade mais próxima, Getúlio Vargas, que os enviou ao seu antigo chefe da Casa Civil, Sr. Lourival Fontes.
Há quem diga que JQ inspirou-se em Abrahão Lincoln, que se utilizara dos bilhetinhos para vencer em seu país as barreiras burocráticas.
No entanto, os bilhetinhos foram lançados na pessoa do capitão-general Martim Lopes Lobo de Saldanha que, em 1877, quando era governador da Capitania de São Paulo, lançava mão de ordens escritas, sucintas e enérgicas para conseguir providências de caráter imediato.
É de se reconhecer, contudo, que os bilhetes de JQ foram a marca de sua personalidade vigorosa. Os relapsos os temiam. Os responsáveis os respeitavam. Os políticos profissionais os combatiam. O povo os aplaudia.

















REPÚBLICA

O Brasil teve 34 Presidentes, em 116 anos de República. No início, o País viveu um período marcado por eleições fraudulentas, um acordo de oligarquias para manterem-se no poder e grande agitação militar. O ponto alto foi a ditadura de Getúlio Vargas. Passado o Estado Novo, a República vem sendo amadurecida a cada novo trauma e a cada eleição.
A formação acadêmica que mais se repete entre os Presidente é de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito). Dos 33 Presidentes que comandaram o país, vinte fizeram a graduação em Direito. É o caso de Arthur Bernardes (1922-1926). Em segundo lugar aparecem os militares. São nove. Para encerrar, Juscelino Kubitschek era médico, Fernando Collor, jornalista e economista, Itamar Franco, engenheiro e Fernando Henrique Cardoso, sociólogo.
Dezesseis dos 34 Presidentes foram eleitos pelo voto direto. Nove deles durante a República Velha, período de 1889 a 1930. Época em que apenas 3% dos eleitores votavam e o sistema era repleto de fraudes. Depois da II Guerra Mundial (1945), somente dois Presidentes eleitos pelo voto direto terminaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) e Juscelino Kubitschek (1956-1961) e Fernando Henrique Cardoso é o terceiro (1995-1999).
Ninguém ficou tanto tempo no poder quanto Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954). Somando seus dois períodos no governo, foram dezoito anos e sete meses no Palácio do Catete. A lei já previu mandatos de seis, cinco e quatro anos, como o sistema atual. João Figueiredo (1979-1985), o único a ter um mandato de seis anos, é o vice-campeão em permanência no governo. Fernando Henrique Cardoso, ao terminar o seu segundo mandato, em 2002, o superou.
A República nasceu com um movimento militar comandado pelo marechal Deodoro da Fonseca e terminou em 1985 no governo de João Figueiredo, com nove intervenções militares. Seis Presidentes foram afastados do governo ou impedidos de assumir em conseqüências delas, como Washington Luiz em 1930. João Goulart, deposto pela revolução de 1964.
Em sete ocasiões, os vice-Presidentes foram acionados para assumir o cargo no impedimento do titular. Floriano Peixoto (1891) foi chamado para completar o mandato do marechal Deodoro da Fonseca, portanto, o primeiro e também a primeira renúncia no período republicano. José Sarney (1985-1990) foi o único vice a cumprir integralmente o mandato de cinco anos em substituição a Tancredo Neves (Presidente eleito pelo Colégio Eleitoral e não empossado na Presidência da República, Sarney é empossado para manter o processo de transição política no país).
Dos Presidentes que tomaram posse, em média aos 56 anos de idade, o mais jovem foi Fernando Collor (1990-1992), que tinha 40 anos ao tomar posse na Presidência da República. Entre os mais velhos: Nereu Ramos (1955-1956), Getúlio Vargas (1951-1954) e Ernesto Geisel (1974-1979) chegaram ao poder com 67 anos. Com a reeleição, Fernando Henrique Cardoso, nascido em 1931, entrará para a história nesse clube recordista.
Minas Gerais é o Estado que mais fez Presidentes. Foram oito, entre eles, Wenceslau Braz. Rio Grande do Sul, com seis e Rio de Janeiro, com cinco. Levando em consideração o local de nascimento de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, o primeiro radicado em Alagoas e o segundo em São Paulo, embora nascidos no Rio de Janeiro.
Durante a vigência da política do café-com-leite, na República Velha, em que se alternavam no poder paulistas e mineiros, cinco Presidentes foram eleitos sem disputar com ninguém. Eles eram candidatos únicos. Prudente de Moraes (1894-1898), o primeiro civil a chegar à Presidência da República, concorreu sem adversários e obteve mais de 80% dos votos.
Dos 34 Presidentes que o País teve, dez não completaram o mandato. O marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Jânio Quadros "forças terríveis" (1961) renunciaram. Affonso Penna, Getúlio Vargas "forças ocultas" e Costa e Silva morreram. Quatro foram depostos por golpes e Fernando Collor "forças daltônicas" sofreu impeachment. Alguns foram eleitos, mas não assumiram, como Tancredo Neves.
Fernando Henrique Cardoso é o primeiro Presidente a ser reeleito, dois mandatos sucessivos. Antes dele, Rodrigues Alves (1902-1906) ganhou uma segunda eleição, em 1918. Morreu antes de tomar posse. Getúlio Vargas, que chegou à presidência em 1930 no comando do golpe de estado que afastou Washington Luiz (1926-1930), voltou à presidência pelo voto direto em 1951.
O Presidente interino mais importante do País foi o paulista Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara em época turbulenta. Ele assumiu a Presidência interinamente quando Jânio Quadros renunciou, em 1961 e após o golpe de 1964, que derrubou João Goulart e depois entregou o cargo ao marechal Castello Branco.




MARKETING POLÍTICO

Em 1960, o que era moderno e eficaz na campanha para a Presidência da República, como o rádio e os aviões DC 3, tornou-se obsoleto ou ultrapassado na campanha de hoje. Na era das telenovelas, telepropaganda, telejornal, Internet, televangelismo, o avanço tecnológico propiciado pela modernização do país, produziu a figura do telepolítico, personagem central das campanhas conduzidas, dirigidas pela televisão. Noventa anos depois da primeira disputa entre candidatos a Presidente do Brasil – Hermes da Fonseca e Rui Barbosa em 1910 – o País elegeu um novo telepresidente: Fernando Collor de Mello. Dos lombos de burro, cavalgados pelo presidenciável João Pessoa na campanha de 1929, aos jatinhos executivos usados pelos candidatos de hoje em seus deslocamentos de campanha, muita coisa mudou.
Disputa eleitoral e República não nasceram juntas. Campos Sales (em 1898), Rodrigues Alves (1902) e Afonso Pena (1906), os Presidentes que vieram após os patriarcas Deodoro e Floriano, se elegeram sem fazer força. Nada de campanha, nada de batalhar voto nas ruas. A disputa lembrava mais as eleições indiretas do período militar, movidas a acordos e influências internas. O primeiro embate eleitoral, de verdade, colocou em campos opostos Hermes da Fonseca e Rui Barbosa em 1910. Conhecido como bom de oratória, é provável que, se a comunicação eletrônica já existisse na época o Águia de Haia tivesse sido melhor sucedido. Rui Barbosa fechou seu escritório de advocacia no Rio e mergulhou na campanha, percorrendo os Estados do Rio, São Paulo, Minas Gerais e Bahia, utilizando-se de trem, vapor e até canoas. Sua campanha constou de 8 conferências e 15 discursos. Todo este tour de force, entretanto, não foi suficiente para derrotar Hermes da Fonseca, que preferiu ficar no Rio, costurando acordos e trabalhando as bases na capital federal, vencendo por 200 mil votos.
O político e erudito baiano não se conformou e voltou a tentar a presidência anos depois, desta vez disputando com Epitácio Pessoa. Mas havia alguma coisa nele que não cativava as massas e Rui amargou nova derrota depois de percorrer os mesmos estados. Conseguiu 120 mil votos contra 300 mil de Epitácio Pessoa, numa réplica da eleição anterior.
Os anos vinte também não premiaram os candidatos de melhor campanha. Embora Nilo Peçanha tenha fretado um navio para percorrer o norte do País em busca de votos – ampliando o raio de ação dos candidatos presidenciais que se limitava, até então, ao eixo Rio-Salvador – foi Arthur Bernardes quem ganhou as eleições. Mais uma vez, venceu quem se manteve mais próximo ao Distrito Federal, maior colégio eleitoral da época.
Campanha mesmo, para incendiar os ânimos da população e provocar algo parecido como o que temos hoje, só veio acontecer mesmo nas eleições de 1929. A intensa polarização entre Getúlio Vargas, candidato da Aliança Liberal, e o situacionista Júlio Prestes (apoiado pelo Presidente Washington Luís), que ganhou mas não levou, acendeu a paixão política do País - levando-o, em seguida, à Revolução de 30 – e teve no rádio um aliado importante, ainda que embrionário.
O então Presidente da Paraíba, João Pessoa, cogitado para vice-Presidência da República na chapa de Getúlio, foi assassinado por um desafeto no calor dos acontecimentos políticos, quando tomava um sorvete na Confeitaria Glória, no centro do Recife, dando uma boa medida do clima passional que cercava a sucessão.
Como contribuição às campanhas políticas, a eleição de 29 introduziu, entre outras novidades, os grandes comícios, como o que Getúlio Vargas realizou na Esplanada do Castelo, no Rio, na época uma grande área vazia. Mesmo tendo perdido as eleições - teve 700 mil votos contra 1,5 milhão de Júlio Prestes, em resultado até hoje contestado, que pode ter inaugurado as fraudes eleitorais –, Getúlio inovou na campanha, imprimindo cartazes, usando o rádio com desembaraço e patrocinando a marchinha mais popular, entre os jingles que também aportavam pela primeira vez no cenário eleitoral. Escrita e interpretada por Lamartine Babo, a marchinha Gegê (Seu Getúlio) se sobrepunha ao Hino a João Pessoa, ao Hino a Juarez (homenageado o candidato menos votado, Juarez Távora) e à satírica Bico-de-Lacre não vem, em que Oswaldo Santiago usava o apelido do candidato governista Júlio Prestes para expô-lo ao ridículo.
A partir de 1945, o rádio passou a exercer papel decisivo nas eleições e, na bancada Constituinte de então, já constavam vários locutores, guindados à Câmara Federal pelas ondas médias do rádio. A campanha de 50/51 inaugurou a presença do locutor oficial nos comícios, que viria a ser difundida nas eleições posteriores, desde que Getúlio Vargas – eleito em 51 – adotou o radialista Dalwan Lima, da cidade de Campos, no Estado do Rio, como locutor oficial da presidência. O mesmo Dalwan notabilizou-se como locutor dos comícios de Juscelino Kubitschek na campanha de 1955 que, vitorioso, também o empregou como locutor. Dalwan, um nome que se tornou célebre na história das campanhas do no 50, também subiu aos palanques na campanha de 1960, quando Juscelino tentou como pôde eleger o Marechal Henrique Lott como seu sucessor.
Com a vitória e a posterior renúncia de Jânio Quadros, o locutor campista só retornou ao governo no período João Goulart, desta vez como assessor de Imprensa da presidência, dando uma demonstração da força do rádio nos acontecimentos políticos da época.
A campanha de 50/51 também consolidou as grandes excursões pelo país, o corpo-a-corpo pelo voto, o envolvimento dos candidatos com os eleitores os grandes centros e pequenos vilarejos. O avião se insere como meio de transporte na caça ao voto e os candidatos são vistos, cruzando os céus da pátria em minúsculos teco-tecos e em modernos Super Convair.
A aventura aérea – freqüentemente por rincões onde os aeroportos eram simples campos de terra – salpicou a campanha de 1955 e também a de 60 – de lances emocionantes, que variavam do risco real ao anedótico, em que o mais marcante parece ter sido a capotagem que o teco-teco que levava o candidato Adhemar de Barros sofreu ao tentar o pouso em uma pista de barro em Jacarezinho, no norte do Paraná. O monomotor acabou embicado na pista com a cauda para o ar, como que plantando bananeira), mas o candidato saiu ileso, apenas com um corte na testa. "Só o peru morre na véspera", declarou Adhemar aos jornais, na ocasião do acidente. Depois disso, ainda percorreu 52 mil quilômetros e amargou mais duas panes de avião, uma em Mato Grosso e outra na Bahia. Nem assim venceu as eleições.
A campanha de 1955 registrou ainda, outro acidente envolvendo, desta vez, o candidato integralista Plínio Salgado, que a caminho de um dos seus 320 comício para eleger-se Presidente, capotou como carro no interior de São Paulo, fraturando o nariz.
Em 1960, foi a vez do marechal Lott fraturar uma perna no desabamento de um palanque em Minas Gerais.
O candidato udenista Juarez Távora, maior adversário de Juscelino na campanha de 1955, percorreu ao longo de 100 dias, 35 mil quilômetros de avião, trem e automóvel para visitar 315 cidades, a um custo de 15 milhões de cruzeiros. Mas a campanha mais instigante foi a de Juscelino.
Começando por Jataí, em Goiás, quando instado por um popular, comprometeu-se a transferir a capital para Brasília, o candidato da coligação PSD/PTB realizou 293 comícios, fez 1.215 discursos, visitou 274 cidades, perfazendo o total de 382 horas de vôo. Juscelino, durante a campanha, utilizou três aviões, atravessando o País e estabelecendo dois recordes para vôos diretos de longa distância: de Manaus a Anápolis, e de Belém a Belo Horizonte. Foi eleito em 3 de outubro de 1955 com 3 milhões de votos ou 33,8% do total.
Cinco anos depois, na campanha de 1960, Jânio Quadros, Henrique Lott e mais uma vez, Adhemar de Barros continuaram os longos corpo-a-corpo pelo país disputando um eleitorado estimado já em 15 milhões de pessoas. Uma novidade foi introduzida por Jânio – que acabou vitorioso por esmagadora maioria: o Trem da Vitória, que percorreu São Paulo de ponta a ponta com o candidato a bordo. Em cada estação do estado que já era, então, o maior colégio do país, o trem parava e o candidato realizava um minicomício, empolgando as multidões.
A disputa de 1960 introduziu a televisão na campanha – ainda que timidamente como o rádio em 1929 –, mas foi a precursora da parafernália de propaganda eleitoral que influenciou todos os pleitos da idade eleitoral moderna: cartazes a cores, faixas, objetos de campanha (escudos, vassouras, espadas, plásticos, botões etc.). Na área do jingle político, a campanha do candidato a vice, João Goulart do PTB, produziu na voz do sambista Jorge Veiga, a mais célebre e popular marchinha eleitoral da história do Brasil. O candidato elegeu-se e ficou provada a eficiência do marketing político nas campanhas modernas sob a égide decisiva da mídia eletrônica. O símbolo da vassoura, que levou Jânio Quadros ao Planalto na mesma eleição, sinalizou também para os políticos que, a partir dali, além de plataformas de governo, repertório de promessas e qualidades pessoais, eles teriam que com um aliado novo e fundamental na conquista do voto: o profissional de propaganda e marketing. O que os políticos e nem o Brasil podiam imaginar, era que as diretas seriam desativadas pelo golpe militar de 1964 e os especialistas em marketing aguardariam 29 anos para por em prática suas técnicas.
Em 1964, Jango foi deposto e os militares assumiram o poder, nele permanecendo 28 anos. A revolução foi incruenta em seus primeiros momentos, mesmo assim, as tropas do Exército cercaram o Congresso para impedir a reação dos representantes do povo. Uma vez no governo, os militares consolidaram a posição de Brasília como capital federal, tornando-a irreversível. Numa cerimônia que em certo sentido colocou o ponto final no regime discricionário, em abril de 1985, em meio à dor do povo brasileiro, Brasília fez o velório do Presidente Tancredo Neves. Ele não chegara a tomar posse, mas sua eleição representava o retorno à vida democrática do país. Em março de 1990, depois de fulminante campanha eleitoral em dois turnos, Fernando Collor de Mello se empossa na Presidência da República para reiniciar a tradição dos Presidentes eleitos diretamente pelo povo.
O Presidente Collor "o caçador de marajás", é "cassado" pelo Congresso Nacional, assumindo a Presidência da República o vice Itamar Franco.
Fernando Henrique Cardoso chega à Presidência da República com o discurso de estabilização econômica: o plano Real. Em 1998, é reeleito para manter a estabilidade da moeda: o Real.
Ao tomar posse, em janeiro de 1999, no segundo mandato de Presidente, Fernando Henrique Cardoso terá assegurado um lugar na seções de ineditismos e raridades dos livros de história. Entre os 33 Presidentes da vida republicana brasileira, é o único a ser reeleito. Dos chefes de Estado escolhidos pelo voto, desde Juscelino Kubitschek, há quarenta anos, é o primeiro a cumprir na integridade o mandato. Terminando também todo o segundo, será o governante eleito democraticamente que mais tempo mandou nos destinos do país. Não será fácil marcar seu nome na História com H maiúsculo, um lugar cativo no coração de gerações de brasileiros.
Fernando Henrique Cardoso conclui um governo que passou por sobressaltos mas transcorreu sob o signo da normalidade. Assume um outro governo debaixo da maior crise do capitalismo mundial, com repercussões para o Brasil.
Nos quatro primeiros anos, o Presidente liquidou a inflação endêmica, garantiu a estabilidade da moeda, modernizou o país, elevou o padrão da política nacional. Colocou o Brasil na agenda do mundo civilizado. O que poderá ocorrer nos próximos quatro anos? Há dois cenários opostos. Um é glorioso e o outro desastroso para o País e demolidor para a biografia de FHC. No primeiro, o Presidente reforma radicalmente a maneira de como administrar o país. O Estado deixa de ser uma máquina produtora de déficits. O País emerge da crise sólida e com perspectivas de crescimento, embicando para o milênio como uma nação moderna e justa.
FHC torna-se um líder cujo prestígio transborda as fronteiras nacionais e internamente como um dos Presidentes do século, um governante com tipo de aura como as figuras históricas de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
No cenário ruim, FHC deixaria que as expectativas externas sobre o Brasil se esfarinhassem. O País perderia o empuxo modernizador, se encolheria em busca de soluções domésticas emergenciais como os confiscos, o aumento desesperado de impostos e o fechamento da economia. O real se tornaria um papel que perde valor a cada minuto vitimado pela desconfiança e queimado pela inflação. Nesse cenário sombrio, o Brasil estrearia no próximo milênio acanhado, uma nação instável.
Não haveria um cenário intermediário? Pela gravidade do terremoto financeiro planetário e pelo grau de fragilidade da economia, o Presidente não terá o benefício dos meios-tons. Até 2002, FHC terá se tornado um Presidente único ou terá resumido seus dois mandatos a um rodapé da História.
Um estadista visionário terá de surgir de dentro do político competente e do Presidente correto Fernando Henrique Cardoso. A crise vai lhe dar a chance rara de se testar. O esforço para vencer a crise pode ser o que falta para o Brasil romper com o passado. Há um consenso no País de que não haverá estabilidade sem reformas. Reformas pretendidas por Jânio Quadros em 1961.
Será que o presidente eleito Luiz Ignácio Lula da Silva, executará as reformas para dar estabilidade ao país.

Campanha...
Foi uma campanha estranha e contraditória: havia o carisma do candidato, não reconhecido nacionalmente mas credenciado pelo seu governo em Minas Gerais e pela sua passagem na Prefeitura de Belo Horizonte. O nome de Juscelino era complicado de pronunciar, custo a se adaptar à fonética eleitoral. A estranheza da campanha, era que justamente o candidato que trazia mais empuxo de vitória fora considerado o "herdeiro do mar de lama" que causara o suicídio de Getúlio Vargas. A grande sombra do suicida pairou durante os meses de campanha. Chegou a ir além da própria campanha, pois, Juscelino, eleito, teve a vitória contestada e seriam necessárias duas mini-revoluções, ou melhor, dois golpes militares para que a vontade das urnas fosse reconhecida.
Nunca houve candidato presidencial tão sem chances com JK. As feridas provocadas pela crise de agosto de 1954 (morte de Vargas) estavam acesas. No poder haviam se instalado os conspiradores de agosto, a começar pelo presidente Café Filho, um vice que, no acesso da crise, deu o puxão final no tapete de Vargas, colocando-o à mercê dos sicários que desejavam apunhalá-lo politicamente. O chefe de sua Casa Militar, general Juarez Távora, era outro conspirador de primeira e última hora, bajulado pela UDN e dela bajulador: por sinal, ele acabaria como candidato da UDN para a sucessão de Café tornando-se o principal adversário de JK. Este vinha sofrendo o diabo para retirar sua candidatura em nome de dita união, que afinal se resumia em manter a UDN no poder através da nomeação de Juarez Távora para o cargo de Presidente da República.
Volta e meia, surgia um manifesto de generais, exigindo a tal união nacional. Valia tudo para afastar a candidatura de JK, na verdade, valia tudo para que não houvesse eleição. Felizmente para o Brasil, o candidato JK ia em frente. Ele havia dito aos generais que o pressionavam, na presença de Café Filho: "Deus poupou-me do sentimento do medo". Em fins de março de 1955, o PSD comprara um velho DC-3, prefixo PP-ANY, com capacidade para 16 pessoas, 2 camas ,2 mesas com máquinas de escrever e outros equipamentos de escritório. Aquela seria a casa do candidato nos próximos meses. A campanha começaria a 4 de abril em Goiás. A plataforma JK foi armada em torno de um programa, chamado de metas, ou seja, criar o desenvolvimento a partir do interior. A civilização não ultrapassara o nosso litoral e, através de construção de estradas e da instalação de uma indústria de base, o brasileiro deixaria de ser um pescador de siri – expressão que JK gostava de repetir, referindo-se à mania daqueles que só investiam ou produziam com direito à vista panorâmica para o mar.
No programa de metas não havia lugar para Brasília naquele 4 de abril de 1955, que marcou o primeiro dia de campanha do candidato pessedista. Não houve mas passou a haver. O PP-ANY se dirigia para Rio Verde, no interior goiano. Um temporal impediu que o aparelho pousasse na pista de terra. O jeito foi buscar um pouso alternativo em Jataí. Não havia palanque e a caçamba de um caminhão quebrou o galho.
JK discursou para os jataienses. O discurso não foi dos mais brilhantes, porque ele gostava de se preparar para enfrentar os problemas da comunidade, mas não houve tempo disso em Jataí. Ficou em generalidades. Mas este comício entrou para a história do Brasil. JK prometeu que cumpriria rigorosamente a Constituição e, de repente, um aparte no meio do povo: um cidadão, Antônio Carvalho Soares, conhecido como Toniquinho, coletor estadual, interpelou o candidato: "Se o senhor vai cumprir a Constituição, porque não cumpre aquele dispositivo que transfere a capital da República para o Planalto Central?"
Bom de bola, JK não deixou cair a peteca. Até aquele momento poderia ter pensado em tudo, menos naquilo: mudar a capital. Procurando identificar o interpelante, ele foi respondendo: sim, cumpriria a Constituição e o povo goiano poderia contar com ele; a capital seria transferida.
Aquela promessa feita em Jataí só poderia render votos em Goiás.
JK seguiu o seu estilo, foi em frente, visitou mais de 2.500 localidades pelo Brasil. O que marcou a sua campanha, não foi a campanha para ele ser Presidente, mas a campanha que fizeram para que ele não fosse Presidente da República. Por isso. Ele estava sempre ligado no Rio, onde governo, militares e UDN conspiravam contra ele. Todo mundo sabia que a mesa estava sendo posta para o General Juarez Távora, que mandava e desmandava no governo Café Filho. Havia reações aqui e ali, e o jeito foi lançar uma candidatura de ensaio, um boi de piranha suculento na pessoa do Governador de Pernambuco, Etelvino Lins. Com a falta de imaginação peculiar aos udenistas, ele contrapunha ao dinâmico Programa de Metas de JK o binômio Pão e Vergonha – versão piorada do binômio Energia e Transporte, que dera fama a Juscelino em sua passagem pelo governo de Minas Gerais.
JK durante os deslocamentos eleitorais só se alimentava de pão e arroz. Procurava se livrar das maioneses e quitutes da região alegando gastrite ou taxa elevada de colesterol. Como médico, a sua opinião era respeitada. Quando Juarez entrou na campanha, alegou uma colite e o menu obrigatório era frango cozido na água e sal, sem tempero. Não faltou gente que atribuísse a esse frango, a derrota de Juarez nas urnas. Esse frango tornou-se um dos mais eficientes cabos eleitorais de Juscelino.
A campanha de Juscelino acabou em Belo Horizonte, ao som do Peixe Vivo, que não pode viver fora da água fria. Eleito e diplomado ele pensou que a campanha havia terminado. Enfrentou, no entanto, em novembro dois golpes sucessivos para impedir sua posse.







Lott versus Jânio


O presidente Café Filho organizou todo o seu Ministério, mas faltou a escolha do titular da Guerra. Foi aí socorrido pelo general Juarez Távora, chefe do Gabinete Militar, que após sucessivas reuniões, sugeriu:
- "Precisamos de um general apolítico, austero, severo, profissional e não comprometido. Proponho o nome do general Henrique Duffles Teixeira Lott".
Ele, até então, havia sido um militar estritamente confinado aos seus deveres militares. Havia lutado contra os revolucionários de 1930.
Feito ministro, começou a divergir do esquema militar que então sustentava o presidente Café Filho. Declarou-se de saída favorável à saída democrática, que trazia em seu bojo a candidatura do então Governador de Minas, Juscelino Kubitschek.
Quando se abriu a sucessão presidencial de 1955, ele era o homem forte.
O presidente Café Filho internou-se no Hospital dos Servidores do Estado, com um enfarte no miocárdio e foi substituído pelo Presidente da Câmara, o Deputado Carlos Luz.
Na noite de 10 de novembro de 1955, o General Lott compareceu a uma audiência com o Presidente interino no Palácio do Catete, que o fez esperar muito tempo na ante-sala. Ao recebê-lo, houve uma áspera troca de palavras entre os dois, que culminou com a demissão do general Lott e com a nomeação do general Fiúza de Castro, da reserva, para substituí-lo. Consultado no hospital, o presidente Café Filho aconselhou a imediata posse do General Fiúza. Mas o Presidente em exercício, Carlos Luz, achou que ele só deveria tomar posse no dia seguinte.
Voltando à sua residência oficial, na Tijuca, o general Lott viu que na casa do seu vizinho, comandante do I Exército, general Odílio Denys, a luz estava acesa. Dialogaram pelo telefone privativo: "Isto não pode ficar assim, com você, Lott, inteiramente desmoralizado. Bote a farda e vamos para o quartel general, porque as tropas já estão indo para a rua", disse Denys.
Desse contato, resultou que ambos saíram para o Ministério da Guerra, a fim de assumir o comando da revolução.
Enquanto isso, o presidente Carlos Luz tentava reunir forças para reagir ao contragolpe do general Lott. Convencido da inutilidade dessa reação, resolveu embarcar no cruzador Tamandaré, para tentar uma resistência a partir do porto de Santos. Mas retornou ao Rio, deposto.
Durante mais de 30 horas, o general Lott governou o Brasil, entregando o poder ao Presidente do Senado, o senador Nereu Ramos. Dez dias depois, o presidente Café Filho saiu do hospital e anunciou o seu propósito de reassumir o lugar interinamente por Nereu, que se mostrou disposto a devolver-lhe a presidência.
O general Lott, inicialmente, também estava disposto a isso :
- "Afinal de contas, o Carlos Luz se impedira porque se encontrava em local incerto e não sabido. Mas o presidente Café Filho não está impedido pois, se encontra na cidade."

O Deputado José Maria Alkmina interveio: "Não está impedido? Pois vamos lá em Copacabana para ver se ele está impedido ou não."
Em companhia de Alkmine, Lott foi a Copacabana, viu o apartamento de Café Filho cercado de tanques e, conformou-se: "É, realmente está impedido."
Aí, o Congresso confirmou Nereu Ramos no posto, onde ele permaneceu até o dia 31 de janeiro, quando o transferiu a Juscelino Kubitschek.
Lott garantiu a posse e o governo de JK, durante o qual foi o grande condotieri. Não queria continuar no Ministério da Guerra, mas terminou aceitando o insistente convite do novo Presidente.
No dia 29 de janeiro de 1959, passou para a reserva no posto de Marechal e o seu nome já começava a se projetar para uma possível candidatura presidencial.
Não era o candidato da predileção de Juscelino, que o considerava com uma popularidade muito escassa e insuficiente para vencer Jânio Quadros, preferindo a candidatura de Juracy Magalhães, com apoio da UDN.
O próprio Lott confessaria depois porque aceitou a candidatura:
- "Nunca tive propensão para a política e muito menos para ser candidato à Presidência da República. Consideram-me muito velho e achava que da política só havia recebido desilusões. Também não desejava ver-me face a face com os percalços de uma campanha eleitoral. Mas havia comandado a 2ª Região Militar em São Paulo e vira pessoalmente as ligações do Governador Jânio Quadros com as organizações comunistas, às quais dava dinheiro. Além do mais ele se considerava superior à média dos brasileiros e jactava-se disso. Desde já, temia pela sorte do Brasil se ele chegasse à Presidência da República. Por isso, resolvi enfrentá-lo, para evitar que o pior acontecesse..."

O marechal Lott já estava com sua campanha na rua, lançada pela Frente Parlamentar Nacionalista, com apoio declarado de Jango e de Brizola. Havia também o Movimento Militar Constitucionalista, que estivera por trás da entrega da espada de ouro, durante um agitado comício em que o marechal fizera seu début num palanque.
O PTB saiu na frente, levando como caudatários o PSD e o Partido Comunista Brasileiro, cujo líder, Luís Carlos Prestes, não se cansava de enaltecer as qualidades nacionalistas do candidato, no apoio às teses do Petróleo é nosso e na oposição ao FMI.
Para rechear ainda mais o leque partidário, o marechal recebeu posteriormente a adesão de outras siglas: o PSB (socialista), o PRP (integralista) e o PST.
A televisão e o rádio já eram então dois poderosos veículos de comunicação que começavam a substituir os grandes comícios. Mas a presença pessoal dos candidatos ainda rendia votos e era muito exigida pelos correligionários.
Falar um comício era um sacrifício para o marechal, que não estava acostumado àquele tipo de expressão. Ficava mais vermelho ainda do que era normalmente. As frases não lhe saíam com facilidade e o improviso não era o seu forte.
Quando tinha de fazer um pronunciamento, mais importante, preferia ler. Era mais fácil e seguro pois, a oratória nunca foi o seu forte.
Assim mesmo, fez uma campanha de âmbito nacional, indo a praticamente todos os estados, a fim de atender os convites dos diretórios pessedistas e petebistas, que não abriam mão de sua presença, sobretudo naqueles estados onde haveria também eleições dos Governadores.
A maioria das viagens era feita no lento bimotor DC-3, eram demoradas e penosas. Houve um dia em que o marechal fez um comício ao meio-dia em Porto Alegre, outro ás 5 horas da tarde em Curitiba e o terceiro à meia-noite em São Paulo, já com um público reduzido, em face do adiantado da hora.
Cometeu equívocos e deslizes imperdoáveis. Certa vez, em Campinas, saiu-se com esta:
- "Estou muito feliz e honrado por voltar a esta terra onde passei alguns dias como comandante das tropas de ocupação, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932...".

Ou então, ao visitar Ribeirão Preto, capital da região produtora de laranja, aconselhou os agricultores locais a plantarem soja como a salvação da lavoura no Brasil. E em Ilhéus, centro da produção cacaueira, fez rasgados elogios aos cafeicultores de São Paulo.
Os líderes do astuto PSD só faltavam morrer de raiva e de desgosto. Parece até que o marechal fazia de propósito para mostrar independência: "Era impossível escolher um candidato que cometesse mais gafes do que ele".
No dia 23 de setembro, realizou-se um comício em São João Del Rey, terra natal de Tancredo Neves. Talvez, por isto, a afluência dos correligionários ao palanque foi tão grande que, a certa altura, os promotores da manifestação recearam pela segurança do coreto.
Quando o marechal chegou, a comitiva acrescentou alguns quilos no palanque, que não resistiu e desabou.
Foi um corre-corre pois, receava-se de um atentado contra o candidato, ato de sabotagem. O resultado foi: muitos feridos e o próprio marechal fraturou a perna.
Os partidário de Lott viram, no acidente, a gota de água que transbordou para o desânimo de todos. Era o prenúncio da derrota, que aconteceria dias depois, 3 de outubro.
Além de tudo isso, o DC-3 sofreu pane e as cidades mais distantes já não podiam ser atingidas. A solução foi percorrer de trem vários municípios paulistas sem a presença do candidato, cuja perna estava engessada.
Enquanto isto, do outro lado do campo, o candidato Jânio Quadros se esbaldava com a vassoura em punho, ameaçando punir os corruptos e os negocistas, cruzando o País em todas as direções, a bordo de um DC-3.
Em relação ao seu adversário, o militar digno, honrado e sincero, Jânio ainda se dava ao luxo de fazer ironias, quando, por exemplo, ao ser perguntado por que ainda não visitara a cidade paranaense de Campo Mourão, respondeu com sarcasmo: "Porque já mandei o marechal no meu lugar. E basta".

A campanha começou em abril. À disposição de Jânio, a Varig colocou um DC-3 que percorreu o País inteiro, até outubro. Mais de 400 municípios do interior foram visitados, todas as capitais de estados, algumas 3 ou 4 vezes. Em 1960, eleições se disputavam voto a voto, nos comícios. A televisão funcionava como mera curiosidade.
No avião de 30 lugares, iam jornalistas, cinegrafistas, repórter de rádio. A comitiva fixa era pequena: o candidato, a mulher, o secretário particular, um mordomo doublé de segurança, dois auxiliares e um locutor oficial para os comícios.
Às vezes, iam o candidato a Vice-Presidente e políticos ligados às regiões que seriam visitadas. Quando o trajeto compensava, mudava-se para um trem que percorria 10 ou 15 cidades, ora no interior de São Paulo, ora no Triângulo Mineiro, ora no Rio Grande do Sul. Não tinha chegado o execrável tempo da "erradicação dos ramais ferroviários antieconômicos".
Nos clubes ou casas onde a comitiva almoçava e jantava, a ordem era servir feijão, arroz e carne. Nada de pratos apimentados ou sofisticados. Isto porque no Pará, o candidato e seus seguidores viram-se brindados com a cozinha local, pato-ao-tucupi a tambaquis e pirarucus, carne de tartaruga e caranguejadas. Na volta, a bordo do DC-3, todos passaram muito mal.
O candidato viajava nas primeiras poltronas, logo atrás da cabine dos pilotos, com a mulher ao lado e às vezes chamava passageiros para conversar, como Deputados, Senadores, Governadores para conversar sobre política, condições do estado a ser visitado. Com medo das alturas, não permitia a abertura das cortinas da janelinha ao seu lado, não desatava o cinto de segurança e não dispensava as doses de uísque com gelo. Olhou a paisagem, uma das raras vezes, o encontro das águas do rio Solimões com o rio Negro, antes da aterrissagem em Manaus. Não se embriagava, ficava mais brilhante no comício e pouco mais vermelho.
Ao sair da aeronave, descontraía-se, com uma única exceção em Goiânia. No aeroporto, mais de 30 mil correligionários invadiram a pista quando ele descia a escada. O apertaram, abraçaram, rasgaram sua roupa e a solução foi voltar para o avião. Comentou que pela primeira vez se sentia mais seguro lá dentro do que em terra. Não adiantou. A multidão entrou e arrancou-o do avião. O candidato, na confusão aboletou-se na garupa de uma lambreta de serviço, dizendo ao estupefato motorista: "Toque" "Para onde?" "Não sei, para qualquer lugar".
Quando Jânio Quadros chegava era o delírio. Fosse dia, fosse noite, não havia acontecimento maior. O povo babava, gritava o nome dele até a exaustão física, acompanhando-o do aeroporto até o local do comício. Ao longo do percurso, ruas lotadas de gente. Quando ia para hotel descansar, era obrigado a ir à janela, à sacada acenar com as mãos ou até aparecia com uma vassoura, que era o seu símbolo maior.
O locutor oficial Laércio Cortes, anunciava os discursos de Deputados e Senadores que tinham vindo na comitiva, mas poucos conseguiam falar.
Jânio tinha muitas razões para querer bem o Rio Grande do Sul e os gaúchos e dizia: "minha sogra é gaúcha e eu gosto dela".
Com essas palavras era entusiasticamente aplaudido pela multidão.
Em ocasiões especiais Jânio era o próprio avesso da comunicação, com tiradas imprevisíveis que levavam o povo ao delírio:
- "Minha política é simples como uma valsa antiga. Não há quem não lhe aprenda a música ou deixe de bailar ao seu som. Nada tenho de providencial, carismático ou messiânico e garanto que sou muito menos louco do que devia e menos feio do que se propala. Defendo simplesmente a política do bom senso na administração pública".
O povo acompanhava o cortejo pelas ruas empunhando bandeiras, vassouras, broches, panfletos.
Durante um comício no Rio Grande do Sul, Jânio enfatizava, adjetivava:
- "Revolta-me ver a nossa moeda recusada nos balcões de todo o mundo como moeda falsa. E ela o é. Não sei de nação que tenha progredido e prosperado efetivamente na voragem da inflação. Não creio no surto industrial que se faça à custa da agricultura e da pecuária".

Era exatamente o que o povo queria ouvir.


Jânio Da Silva Quadros no processo de comunicação ?


Jânio da Silva Quadros é uma personalidade incomum, pois, examinando-se as personalidades históricas no mundo da política e das ciências em geral, podemos notar que em cada uma dessas personalidades conseguimos definir quem é populista ou pragmático.
O populista modifica o seu discurso, ajustando-o ao dia em que será pronunciado, diante das vicissitudes do momento e aos meios culturais, sociais e econômicos.
Refiro-me, neste caso, aos populistas astutos, prudentes, deixando de considerar certos tipos de populistas antigos e contemporâneos que praticam, ou praticavam, um só tipo de discurso, dentre eles alguns de passado não muito longínquo, que se mostravam cômicos e outros que apresentam um discurso puramente ideológico, imutável, já que procuram, em primeiro lugar, convencer a platéia quanto às vantagens da adoção dos seus objetivos ideológicos e, em segundo lugar, buscam a adesão e os votos.
O populista ideológico procura penetrar no conceito das populações mais simples, desprovidas de cultura, porque são manipuláveis e arrastadas facilmente para integrar-se a ideologias.
O discurso ideológico de esquerda, em geral, é contestador e contundente. Por isso atrai e carrega os indivíduos descontentes com a situação vigente, acreditando que as mudanças no sistema político social podem resultar em abrandamento da suas angústias.
O discurso pragmático é de conteúdo conservador; procura explicar o que se pretende fazer e, ao mesmo tempo se compromete a zelar pelos bens já existentes, neles incluindo-se o patrimônio institucional.
Quando um país passa pela fase de desenvolvimento, isto é, está saindo para a modernidade, observa-se a ocorrência de surpresas no comportamento de sua sociedade, seja no procedimento social ou político. Nessas mudanças de comportamento observa-se que as manifestações de caráter se enfraquecem, dando lugar a sentimentos moderados e cada vez mais nacionais.
Nesta situação transitória, ocorre o enfraquecimento das lideranças políticas, pois, à medida que o cidadão se torna mais consciente da realidade que o cerca, mais cresce o seu sentimento de autonomia e mais se distancia das lideranças políticas e vai desaparecendo o que chamamos de “voto cativo”.
Nesta fase os políticos populistas começam a sair de cena e cair no ostracismo e novos nomes surgem no horizonte nacional, porém, sem a estabilidade de permanência que caracteriza os chamados líderes carismáticos, conhecidos principalmente nos países do Terceiro Mundo.
O líder é atuante e o liderado é fraco e, naturalmente, dependente. Em situações semelhantes, a simples decisão de um líder pode ser fatal. Na condução ao sucesso, poderá ser aclamado por sua coragem e sabedoria; ao fracasso, tanto o líder quanto aos seguidores irão negar provavelmente que tal decisão tenha-se tomado livremente.
Jânio, considerado um líder carismático, com uma personalidade firme, contando com uma coalizão de grupos, resolve chegar às raias da tragédia da política brasileira: a renúncia.
O líder pode de forma significativa estabelecer diferenças numa série de conjecturas ao enunciar tomadas de decisões pessoais, em momentos de conjuntura crítica. Charles de Gaulle, Joseph Stalin, John Kennedy e Lyndon Johnson e cada um deles, em sua época, tomou uma ou várias decisões desse tipo. Foram pressionados até o máximo de suas resistências pelo peso da responsabilidade de tomar atitudes, enquanto outros vicejaram sob tais pressões.



Vejamos então, considerando-se as características que definem o populismo e o pragmatismo e as influências que exercem no contexto das Nações, como se poderá definir a personalidade do cidadão dentro do processo de comunicação.
Os princípios da comunicação seriam definidos, em seu conjunto, há algumas décadas passadas, como “Propedêutica”, que significam estudos preparatórios que servem de base para aprofundamentos de estudos subseqüentes. Por isso considero de grande importância que se encaixe este estudo enfocando o cidadão Jânio da Silva Quadros desde os primórdios da sua vivência pública:
1 – Foi eleito vereador da cidade de São Paulo, apresentando-se como cidadão pobre, dizendo-se igual e, portanto, defensor dos possíveis eleitores, utilizando, então, um discurso populista; chegando a deputado estadual repetindo o mesmo estilo e, em seguida, à Prefeitura da Capital;
2 – Logo em seguida, lançou-se candidato ao governo do Estado de São Paulo, empunhando a bandeira da “moralidade”, também populista;
3 – Terminado o mandato de Governador, elegeu-se Deputado Federal pelo Estado do Paraná;
4 – Em 1960, foi lançado candidato à presidência da República pela União Democrática Nacional (UDN), um partido de características marcadamente pragmáticas, recebendo completamente o apoio de mais alguns partidos;
5 – Jânio, que até então havia sobrevivido na vida pública através de um discurso populista, atraiu imediatamente as atenções, não só dos cientistas políticos do Brasil, mas também do Exterior, todos interessados em saber qual seria a linguagem que Jânio aplicaria, levada à campanha eleitoral por um partido organicamente pragmático.
Espanto geral entre os cientistas políticos!
Jânio enquadrou-se tranqüilamente ao esquema da UDN, propondo reformas modernizantes (objetivos permanentes da UDN), dando-lhes uma conotação de objetivos trabalhistas.
Jânio da Silva Quadros mostrou assim, ser capaz de agradar e convencer a um só tempo a gregos e troianos, colhendo votos de ricos e pobres, elegendo-se para a Presidência da República com mais de cinco milhões de votos, o que, para a época, era algo acima de quaisquer previsões.
Jânio da Silva Quadros expressa, ao mesmo tempo, linguagem verbal e não verbal, começando com uma oração verbal e terminando na forma não verbal, através de gestos e até de modificações no seu semblante, características nunca antes observadas em manifestações de caráter público.
Perguntar-se-á, então:
Jânio da Silva Quadros é produto da sua linguagem?
Resposta incisiva: Não.
Jânio da Silva Quadros é produto do meio e do momento. Como já mencionei neste trabalho, o Jânio populista consegue impressionar milhares de trabalhadores num determinado lugar e data e, poucos minutos após, e à pequena distância dali, consegue transmitir firmeza e confiabilidade a empresários e homens de negócios
Conhecedor dos problemas brasileiros, sempre foi capaz de dizer o que as pessoas esperavam e desejavam ouvir, expressando-se de acordo com o meio em que se encontrava, transformando tudo isto em votos de ricos, medianos e pobres.
Este comportamento “sui generis” sempre deu a Jânio da Silva Quadros u’a marca muito acentuada à sua personalidade, chamando a si a atenção da maioria das pessoas em todas as classes sociais.
Elegia-se pela via populista e governava pragmaticamente e seus eleitores não se sentiam frustrados, pois Jânio sabia conciliar os interesses de todas as classes, tornando-se cada vez mais respeitado.
Tomava medidas enérgicas contra ação de grevistas sem, no entanto diminuir sua popularidade e, se tivesse se candidatado à Presidência da República em 1989 teria voltado ao cargo, não só pelo seu carisma, mas também pela confiabilidade que sempre marcou suas atitudes.
Seu comportamento sempre apresentou, a cada dia, uma nova faceta, mostrando-nos que o Jânio que pensávamos conhecer no seu “todo” nos contradizia, nos surpreendia.




Jânio NO CONJUNTO DE COMPORTAMENTOS


Nas observações de comportamento, Jânio da Silva Quadros também é elemento a ser estudado.
Quando observado fora de pronunciamentos, em manifestações públicas, demonstra a figura de um cidadão pacato e até desinteressado. Sempre pareceu não se preocupar com sua aparência pessoal, apresentando-se costumeiramente com o colarinho e a gravata desalinhados, mostrando-se separado das exterioridades. Em eventos sociais seu comportamento é retraído e distante, parecendo estar fisicamente num lugar e mentalmente noutro.
Conclui-se, então, que esse distanciamento que Jânio demonstra parecendo estar mentalmente em outro lugar é uma evidência que ele não permanece ligado ao objeto em questão, mas sim aos seus signos. Daí a impressão de desligamento e desinteresse.
Há, portanto, um descompasso entre Jânio visível e o invisível. O Jânio visível é notado diante do objeto, mas o Jânio invisível já está há muito envolvido com os signos desse mesmo objeto.
Isso significa que, enquanto ele permanece visivelmente estático, sua mente continua caminhando e convivendo com os signos do objeto em evidência, dando-nos a impressão de que o indivíduo está diante do objeto real, concreto.
Aos olhos do observador do comportamento humano, se afigura que há entre Jânio e o objeto em questão um processo de abdução, mas, na realidade, o Jânio visível está do lado de cá e o Jânio invisível, mental, já transpôs o espaço subseqüente ao objeto e trilha o terreno dos signos.
Aqui, cabe uma observação elucidativa: às vezes, numa sala de aula, observamos um aluno que parece não estar interessado na aula que está sendo ministrada. Sua postura se afigura indolente, o que preocupa e quase sempre irrita o professor. Este então, solicita ao aluno que fale sobre o que ele, professor, acabara de dissertar. Para surpresa de todos, e muito mais do professor, o aluno acionado diz tudo sobre o que o professor falou e prossegue dando exemplos e formulando problemas e soluções. É que o indivíduo visível apresenta-se com aspecto desinteressado, indolente o que causa a impressão de irreverência e desconsideração, mas na realidade, é esse indivíduo o mais integrado naquilo que se está tratando, tão integrado que até já assimilou o que o professor ainda não disse.
É um falso ícone, porque a representação visível é exatamente contrária ao conteúdo real que está no invisível, isto é, o homem espírito e o homem pensamento.
Há casos em que o indivíduo parece estar dormindo, quando assiste à aula ou palestra. Permanece com os olhos fechados, dando impressão de desapreço. Mas, essa imagem pode não estar representando a realidade, uma vez que nos exercícios de aplicação do pensamento utilizados na prática da psicologia, para que a mente tire o melhor aproveitamento do seu potencial, ouve-se e mentaliza-se com os olhos fechados, pois assim, passa-se a ver com os olhos da mente tudo o que é captado pela audição.
Quando ouvimos com os olhos abertos, mesmo que estejamos dispensando total atenção àquilo que nos está sendo transmitido, não conseguimos assimilar tudo com absoluta eficiência. O meio ambiente, isto é, as coisas materiais, como uma parede, uma mesa, até uma figura estampada numa camiseta toma lugar no nosso consciente misturando-se ao objeto de interesse no momento, contaminando-o e tornando-o impreciso.
Quem assiste às aulas ou palestras com os olhos fechados, torna concreta em sua mente cada palavra proferida, dando forma e cores a cada uma e vê, ao mesmo tempo, todos os seus signos, dando também a estes, formas, tamanhos e cores. Tudo isso ao mesmo tempo em que as palavras representativas do objeto são proferidas.
Olhando analiticamente para um indivíduo com essa característica, só poderemos defini-lo como concreto/abstrato. Seu ícone de homem visível, concreto, palpável, completamente inverso ao homem invisível, homem espírito, absolutamente integrado ao objeto do momento, ou em questão, totalmente dissociado do meio que o cerca. Alheio a todos que o observam fisicamente, ignorando que ali está aquele mesmo indivíduo atento e ativo, assimilando cada palavra proferida, dando-lhes formas, tamanhos e cores, traçando linhas de interligação que as integram aos seus signos, tudo no tempo equivalente ao de um flash ou de um relâmpago.
Tal indivíduo consegue ver o mundo de uma só vez, com seu relevo, seus problemas e suas injustiças; vê a miserável estrutura moral da maioria dos homens a quem Cristo não conseguiu convencer; as enormes populações de alienados que a sociedade de consumo usa como objetos úteis aos seus propósitos; o desmoronamento dos costumes que inapelavelmente levará seus protagonistas a caminhos desconhecidos, inóspitos e vazios.
Os indivíduos que apresentam estas características são naturalmente calados. Estão sempre vendo coisas e situações que as outras pessoas só vêem quando são atingidas por elas.
Jânio da Silva Quadros é um desses pensadores de olhos fechados, que vê e grava em seu subconsciente, objetos e signos em forma cristalina, sem ofuscamentos, solidamente fixados.

DEFINIÇÃO DE Jânio da Silva Quadros NO CONTEXTO DA COMUNICAÇÃO


DISCURSO: Populista.
COTIDIANO: Pragmático.
COMPORTAMENTO SOCIAL: Introvertido.
COMPORTAMENTO POLÍTICO: Carismático

Jânio é produto de sua linguagem?
Não! Jânio é produto do seu pensamento abstrato, astuto o suficiente para manipular seu discurso, adaptando-o ao gosto das várias camadas sociais brasileiras.

CARACTERÍSTICA IDEOLÓGICA: Social democrata.
TENDÊNCIA NACIONAL: Presidencialista.

No decorrer de sua vida pública, Jânio foi rotulado como: comunista, socialista, reacionário e entreguista.
Mas todos esses rótulos eram falsos, uma vez que o social democrata é defensor da eficiência das leis vigentes, conservador na manutenção e aprimoramento dos costumes e sedimentação das estruturas familiar e social.
- Por que Jânio deve ser estudado no contexto da comunicação?
- Porque Jânio sempre aplicou, ao mesmo tempo, a linguagem verbal de expressão populista e a linguagem não verbal pragmática. Aquela, para satisfazer a platéia popular e esta, para causar boa impressão aos cidadãos mais esclarecidos.

CONTRADIÇÕES:

A proposta natural de um social democrata e sempre bem definida e pragmaticamente administrada. É de característica moderada.
O discurso populista é agressivo e de tendência nacionalista.
A administração social democrata é moderada e conservadora.
A administração populista é marcada por propostas mudancistas radicais e contestadoras.




"QUANDO JÂNIO LEVANTAVA A VASSOURA,
A PLATEIA ENTRAVA EM ÊXTASE"


A multidão permanecia gritando "Jânio! Jânio! " Procurando fazer-se ouvir acima da algazarra, e percebendo que o candidato chegava, o locutor seguia sempre o mesmo ritual:
- "Atenção, Piripiri! Atenção, Piauí! Atenção, Nordeste! Atenção, Brasil! Vai falar aquele que foi vereador, Deputado estadual, prefeito de São Paulo, Governador de São Paulo, Deputado federal e agora, aos 44 anos de idade, é o futuro Presidente do Brasil!"
Essa frase jamais conseguiu ser dita de enfiada, porque, à menção de cada degrau da carreira política do candidato, era o delírio. Senhores da classe média, terno, gravata e chapéu, misturavam-se a operários, peões de obra, lavradores, estudantes e madames cheias de jóias. Padres e freirinhas apontavam o eleito de Deus, a dezenas de fiéis que haviam trazido incorporados. Funcionários públicos, pequenos e grandes empresários, crianças – todos e quantos mais lá estivessem faziam então silêncio absoluto ao sinal ríspido de Jânio, com as mãos, anunciando que ia falar. Ouvia-se, então, as moscas voarem. A massa já estava sob seu poder.
Raras vezes o País viu orador tão brilhante. O discurso era o mesmo, com pequenas adaptações para o momento e a região. Moralidade, ordem, autoridade, lei e sacrifícios. Recuperação nacional. Ladrões na cadeia, em especial os grandes. Atravessadores e especuladores no pelourinho. Vassouradas inesquecíveis a torto e a direito. Nada havia de ridículo no gesto que sempre repetia, de levantar a vassoura acima dos ombros. Era o êxtase.
Falava da inflação, da necessidade de "por a casa em ordem". Prometia reformas estruturais na economia e direitos sociais mais amplos para o trabalhador. Finanças em equilíbrio, arrancando aplausos demorados dos conservadores participação dos empregados nos lucros das empresas, levando os esquerdistas às nuvens. Nova política externa, onde o Brasil não seria mais escravo dos Estados Unidos, mas, nem por isso, se tornaria escravo da União Soviética. Elogiava Fidel Castro e prometia silos e escoamento da produção para o fazendeiro. Reforma agrária para o camponês.
Havia, em suas palavras, um prato para cada gosto. Uma ilusão para cada sonhador. Todos terminavam por identificar, nele, o seu modelo de Presidente, ainda que, descuidadamente, não atentassem para os outros modelos, que serviam aos outros grupos.
Era respeitoso. Jamais agrediu adversários, mesmo quando agredido. Em Itapipoca, no Ceará, foi precedido no microfone por um Deputado federal, que discursava chamando Juscelino Kubitschek, então Presidente, dos piores nomes. Jânio não gostou e começou a desviar a atenção da massa. Um menino vendia balas, ao lado do palanque. Mandou chamá-lo enquanto o orador, meio desconcertado, prosseguia em suas perorações. Escolheu demoradamente uns caramelos e, quando o Deputado, numa insistência desmedida, estendeu as mãos para falar que o governo tinha as dele sujas de sangue, não teve dúvidas: tacou-lhe dois caramelos por entre os dedos, o que fez todo mundo rir e acabar o discurso.
D. Eloá a tudo assistia, meio aturdida e espremida nos pequenos palanques. Ficava bem atrás do marido. Quando ele se voltava para ela, esticando o braço, trazendo-a para perto do microfone e abraçando-a, os jornalistas já sabiam: era hora de deixar o local a qualquer custo e risco, encontrar um táxi ou um motorista entusiasmado em transportar para o aeroporto aquela gente que ficava tão próxima do candidato. Porque eram as palavras finais, que duravam pouco. Depois delas, Jânio seguia direto para o DC-3. Quem já estivesse a bordo continuava a viagem, quem não estivesse ficava, porque ele não esperava ninguém. Certa feita, José Aparecido de Oliveira, secretário particular, foi deixado em Cascavel, no Paraná, só conseguindo alcançar a comitiva dois dias depois, no interior do Rio Grande do Sul.
- "Minha esposa me pediu que dirigisse as última palavras á mulher brasileira, a verdadeira dona da vassoura, aquela que jamais se dobrou às agruras da vida e trabalha, duro, todos os dias, construindo a grandeza do país..."

Era a senha, que os jornalistas ouviam já ao longe, rezando para que o motorista fosse bom e não se deixasse ultrapassar pelo carro de Jânio, logo a seguir desembalado. Só no último comício de cada dia, noite alta, não precisavam correr para o aeroporto. Nem por isso conseguiam ficar na praça ou chegar a algum bar ou restaurante.
Era hora de outra correria, então para o posto telefônico, onde companheiros da mesma jornada de trabalho se tornavam inimigos, cada um querendo precedência para falar com as sedes de seus jornais, para a transmissão dos acontecimentos do dia. Não chegara o tempo dos satélites, do telex, dos computadores e de toda a parafernália eletrônica que hoje torna amenas as atividades de comunicação. Nem microondas havia. As ligações demoravam 5, 6 ou mais horas, conectadas do fim do mundo para o Rio ou São Paulo. Não havia furos, cada jornalista ficava sabendo da matéria do outro, mesmo se estivesse na calçada do posto telefônico.
Perigos? De vez em quando. Voando de Cuiabá para Rondonópolis, o DC-3 ficou perdido. Voava há duas horas, todos apreensivos, o combustível ia acabar. Fernando Correia da Costa, candidato a Governador do Mato Grosso, vai para a cabine ajudar os pilotos, enquanto Jânio, branco feito uma cera, tenta levantar o ânimo dos jornalistas e comenta: "Estamos perdidinhos, meus amigos, perdidinhos". Correia da Costa manda seguir um rio, lá em baixo, guia-se por uma cadeia de montanhas ao longe e, no fim, surge a cidade. Quando o avião desce, uma surpresa: não havia um só correligionário esperando. Vem o vigia do aeroporto e explica, tomando um susto ao ver Jânio: "Aqui não é Rondonópolis. É a cidade de Mineiros, em Goiás..."
Sobrevoando Salvador, num Convair da Real Aerovias, o trem de aterrissagem baixava mas não fixava. Todos a bordo ouviam o bater surdo das rodas voltando ao compartimento de onde deveriam sair, enquanto o piloto gastava combustível para descer de barriga. Lá embaixo, na pista, ambulâncias e carros de bombeiros. O avião desceu, em manobra arriscada, onde o trem de aterrissagem foi fixado pelo atrito com o chão. Jânio, outra vez, quis levantar o moral: "Meus amigos, não foi nada".
Atrás dele, pela primeira vez, outra voz tornou-se mais aguda e irritada, tendo o todo-poderoso candidato que se curvar a ela, entre sorrisos amarelos. Era D. Eloá botando para fora tudo o que trazia na garganta, por conta do sofrimento de tantos meses. Como todos os maridos, mais cedo ou mais tarde, Jânio recebeu sua quota de desaforos e agüentou calado.
Outra passagem engraçada foi com o candidato à vice-presidência, Milton Campos que ouviu da aeromoça a pergunta se estava com falta de ar e respondeu: "Falta de ar, propriamente não, minha filha. Estou mesmo com falta de terra..."
Alagoas, conturbada com Arnon de Mello (pai de Fernando Collor), Governador jurado de morte por adversários políticos de Palmeira dos Índios, onde Jânio chegou para um comício. O prefeito local, Robson Mendes, prometera: "Nem Jânio, nem Arnon falam da minha cidade. Dissolvo o comício à bala". Na hora, meio dia, um sol de matar, tropas do 20º Batalhão de Caçadores cercam a praça principal e o palanque. O candidato fala, o prefeito some.
O mês de setembro de 1960 foi uma loucura. Dormia-se no avião, que viajava à noite, para ganhar tempo. Uma viagem entre Recife e o Rio levava seis ou sete horas. Para diminuir a irritação de que toda a comitiva ia sendo tomada, desse ritmo intenso, Jânio levantava um pouco a disciplina a bordo. Mandava servir bissextas doses de uísques aos jornalistas e até se divertia com as "eleições" que faziam em trajetos longos. Ganhou quando eles votaram para Presidente. Só não gostou quando os repórteres elegeram o mais grosso da comitiva: ele mesmo.
Nos últimos dias de campanha, ninguém tinha mais dúvidas de que estava eleito. Não se apresentava mais como candidato, mas dizia em praça pública: "Quem lhes fala já é o futuro Presidente da República".
Era mesmo. Ou foi, até que renunciou, sete meses depois da posse...



Poucos contatos para se conhecer o "outro lado" de Jânio.
Ao longo da vida pública de Jânio, inúmeros jornalistas tentaram entrevistá-lo e descrevê-lo. Eis o político:


CHAPLIN & LINCOLN

Dizem que suas fontes de sabedoria jorraram em Cristo, Chaplin, Shakespeare e Lincoln. Quarteto heterogêneo mas com predominante denominador incomum – conteúdo humano. Não se pode negar que soube escolher seus exemplos. Falavam também que pediu emprestado a Lenine algumas de suas táticas políticas (não ideológicas), mas não sei até onde iam suas intimidades com o líder russo. Seu bigode, meio sobre a escova desanimada, seria um empréstimo solicitado a Nietzsche. Estranha salada da qual resultou uma das mais estranhas personalidades desta república.
Um líder.


ASCENÇÃO & CARREIRA

Vocês sabem quase tudo que sei sobre Jânio Quadros. Assim, vejamos como Jânio conseguiu subir nas árvores quase sempre flexíveis do poder. Árvores esguias às vezes, às vezes amplas de tronco, quebradiças, espinhosas de raízes ávidas ou de fartas raízes: vereador em novembro de 1947 com 1.707 votos. Deputado Estadual em 1950 com 17.840 votos. Governador do Estado de São Paulo em outubro de 1954 com 660.264 votos. Deputado Federal pelo Paraná em outubro de 1958 com 78.810 votos.
Como será sua conta de chegada em 3 de outubro? Jânio obteve 5.636.523 votos em 1960 para Presidente da República.


LATIM & POESIA

Nasceu em janeiro, 25. Ano: 1917. Observem a coincidência: a 25 de janeiro comemora-se a fundação de São Paulo. Ouviu o galo cantar pela primeira vez em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Engatinhou em Curitiba. Em 1930 a família mudou-se para São Paulo. Depois, Lorena, Bauru, Garça, Cândido Mota. Novamente cidade de São Paulo. Jânio foi guri levado, cabeçudo, finca-pé. Não sei se os padres do Colégio Arquidiocesano chegaram a puxar-lhe as orelhas, mas os castigos se sucediam: decorar latim. Quousque tanden abutere. Virgílio. Horácio. Sabia poemas inteiros de cor. Talvez salteados. Daí as sementes de seus próprios versos. Fez poemas. Não sei se os recitava. Mas falava como quem.


XADREZ & CARNAVAL

Em 1935, estava na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Fez política acadêmica. Foi primeiro-secretário "Alvarez de Azevedo" e do "XI de Agosto". Havia três mulheres em sua vida: mãe, esposa e filha. Conheceu D. Eloá aos 21 anos. Ela, então brotinho de 15 anos, achou-o feio, mas alegaria mais tarde: quem vê cara, não vê coração. Casaram-se em 1942. São felizes ao que sei, e se entendem bem. O Jânio de então, decifrava palavras cruzadas, jogava xadrez, lia histórias policiais e freqüentava (sem dançar) bailes de carnaval. Num desses bailes, um frasco de lança perfume explodiu perto dele. Vem daí o pequeno defeito que tinha numa das vistas.
Mas que não o impedia de enxergar longe.


NAVALHA & PENTE

Por motivos que ainda não descobri, era inimigo da navalha e do pente. Parece que a barba o protegia do frio, da garoa paulista, dos inimigos, de si mesmo. Dizem que barba é amiga de meditações profundas. Acariciá-la eqüivale a aprimorar idéias. Cofiar um bom cavanhaque, confessou-me certa vez um amigo do sul, o deixava afiado nos positivistas de sua cabeceira. O Jânio mudou ou foi mudado. Era barbudo, está escanhoado. Era pálido, está rosado. Era triste, está quase alegre. Era encurvado, está ereto. Era desconfiado, está mis ainda. Apresentava-se sempre bem barbeado, bem penteado, bem escovado, bem passado. Único senão à sua linha: usava suspensórios. Era quase elegante. Quase, eu disse. E as mulheres, principalmente suas eleitoras, já o consideravam quase bonito.
Quase, eu disse.


HONESTIDADE & TRABALHO

Observe-se que estou analisando seu lado humano, e não seu lado político. Brinca-se com um homem, mas não se brinca com suas idéias. O cidadão Jânio Quadros, por ser incomum, admitia considerações incomuns. Com o político Jânio Quadros não me meto. Ou não me meto nesta seção. Ele afirmava que iria salvar o Brasil, que definiria nossas estações, porquanto vivemos em permanente inverno que considerava longo e tenebroso. Diz que quando ingressou na política foi com a intenção de demonstrar que o regime democrático exige apenas honestidade e trabalho. Sempre se preocupou com os problemas brasileiros, sempre amou a pátria embora não seja personagem de hino. Em 1939, seu colega Nelson Coutinho escreveu artigo que dizia assim: "Nele tudo é patriotismo, é nacionalismo exaltado, é vibração cívica..."
Nunca dormiu em berço esplêndido.


CARISMA & DESTINO

Ficou em moda ligar o substantivo carisma à personalidade de Jânio Quadros. Quem não o entendia, e o temia por não entendê-lo, ia logo dizendo de boca meio adernada: "Sei lá, ele é meio carismático". Nesse carismático vai um pouco de desconfiança, um pouco de intranqüilidade, um pouco de velada admiração. Jânio era um político que usava armas inusitadas. Sempre procurou fugir ao lugar-comum administrativo. Seus bilhetinhos ficaram famosos em São Paulo. Sua administração sacudiu o funcionalismo público. Muita gente teve medo dele e muita gente o admirava fundo. Também o chamavam de "messiânico". Já foi imaginado que túnica branca e ampla, cabelos derramados pelos ombros, pregando às margens do rio Ipiranga.
Daria um bom apóstolo.


NERVOS & AUTORIDADE

Comia mal, bebia muito bem, dormia tarde, acordava cedo, era extremamente nervoso, mas não se considerava explosivo. Ou melhor: controlava as explosões, porque as temia. "A explosão, dizia ele, exclui melhor decisão, melhor certeza, melhor juízo". Se era pai autoritário? Não se julgava. Se era marido exigente? Pensava que não. Diz que dava á filha e à esposa liberdade de gosto e preferência. Era condescendente com os namorados de Tutu. Não a trancava em círculos de ferro. Procurava compreendê-la e ser compreendido. Gostava muito de viajar. Teve a preocupação de correr mundo para aprender. Esperança de importar alguma coisa para nossa terra e nossa gente. Bisbilhotou o Japão, a Índia, a Rússia.


GURI & TOTÓ

Considerava-se homem de formação clássica. Foi professor de português, geografia e história. Tinha uma gramática expositiva concluída. Em economia dizia-se acadêmico. Gostava de ler biografias de homens fortes: Bolívar, Lincoln, Bismarck.
Detestava fazer compras ou ver vitrinas. Gostava de cães. Tinha alguns em casa: Guri e Totó, por exemplo. Nomes bem brasileiros. Ainda bem: "Sempre desconfiei de cachorro com nome sofisticado. Cachorro nacional tem que se chamar mesmo Joli, Sultão Jagunço, Toco. Minha vizinha tem uma cadela chamada Blue Gardênia. Não confio nesse bicho. Conheço uma cadela chamada Sonata. Confio menos ainda" - parafraseou Jânio.
Os Quadros souberam batizar seus mastins. Bom sinal. Note-se: mesmo com bichos Jânio era intransigente – quis despedir os cães da Polícia Militar, quando Governador de São Paulo, porque fracassaram na busca de criança perdida.



ÍNDIOS & VARGAS

Sentia-se atraído pelo oeste, pelos ocasos, pelas auroras, pelo céu, pelas nuvens livres do oeste. Entendia-se com índios. Era amigo de Cláudio e Orlando Villas Boas. Gostava de caçar em Mato Grosso. Atirava bem. A noite de 3 de abril de 1955 foi a mais dramática de sua vida. Seria ou não candidato à Presidência da República? No último instante renunciou em favor de Juarez Távora. Licenciou-se do governo para fazer a campanha com o general. Perderam. Serviu o treino. Era amigo de Getúlio Vargas e isso lhe valeu expulsão do PDC (que depois reconsiderou a medida).
Dizia o padre Arruda Câmara que ele não foi expulso, mas convidado a sair do partido.


CONFIANÇA & MEDO

Tinha a mais absoluta confiança no julgamento popular. Não acreditava que desta vez o povo se equivocasse. Seja qual for o resultado das urnas, porém, sentia-se inteiramente realizado como político. Aos 43 anos, fez o que muito político profissional não faria aos 80. Lutou, foi atacado, atacou, voou (tinha medo de avião), usou caminhão, jipe, trem, vapor, talvez até bicicleta. Usaria patins se preciso fosse. Ou patinete, porque gostava muito de crianças. No fundo, foi um lírico. Na forma, um prático. Por quê? Porque tem sabido bitolar seus prováveis sonhos de grandeza numa realidade palpável. Quer dizer: quis ser vereador, foi; quis ser Deputado, foi; quis ser Governador, foi. Quer agora varrer a nação.
Varrerá? Sim. Foi Presidente da República e renunciou. Em 1985 seu último mandato foi como Prefeito da cidade de São Paulo.

PERSONAGEM & POLÍTICO

Assim é (mais ou menos), ou assim me parece ser o cidadão Jânio da Silva Quadros. O personagem é meu. O político pertenceu e pertencerá eternamente à história do Brasil.




















Os famosos “bilhetinhos e os memorandos”

Memº JQ 461/86 de 31.3.86

Dr. Jair Carvalho Monteiro
Presidente da Companhia Municipal de Transportes Coletivos

1. Ouço possibilidade de greve na Companhia; se ocorrer, processe e dispense por causa justa, todos que dela participem.
2. As medidas econômico-financeiras adotadas pelo Governo Federal não são nossas e já fizemos gestões em Brasília;
3. Se a greve ocorrer nas empresas particulares, procure ocupá- las, ficando desde logo cassadas as concessões.
Prazo: imediato

JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito



Memº JQ. 463/86, de 31.386
Dr. João Mellão Netto
Assessoria Especial do Prefeito

1. Leia V.Exa., diariamente as notícias de queixas publicadas pelo “Diário Popular” e “Popular da Tarde”;
2. Distribua-se a seguir, para as várias Secretarias, em duas vias, remetendo uma delas para o meu Gabinete;
3. Assine prazo, sempre que possível.
Prazo: Imediato
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito





Memº JQ 469/86 de 31.3.86
Dr. Fiore Vita – SSO

1. Continuo insatisfeito com a limpeza pública. Sugiro a V.Exa. dar um giro pela Cidade, pelas Praças, pelos Jardins e Parques.
2. Não gostaria de insistir nesse particular. Tome V.Exa. providências. Quero “lutocars” e cestos de lixo por toda parte;
3. Faça cumprir com rigor.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito



Memº JQ 470/86
Dr. João Carlos Camargo – SGM

1. Previna, outra vez, todo o Secretariado, e órgãos subordinados, de que o prazo para as licitações das novas obras públicas esgota-se logo;
2. Não tolerarei qualquer atraso. É preciso tapar a boca de alguns imbecis.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito



DOC SPJQ 1223/86 – Ref, irregularidades no Hospital TIDE SETUBAL. Despacho: Publique-se no DOM.2.4.86 . JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito.
Senhor Prefeito:

O “Serviço Reservado” deste Gabinete cumprindo determinação nossa, esteve no HOSPITAL TIDE SETUBAL, tendo constato que:

1 - cerca de 60 pacientes esperava na Sala de Pediatria, por atendimento médico.
2 – apenas a médica DRA.THÁCIA LEIMIG estava trabalhando ( uma hora da manhã-plantão noturno).
3 - o Dr. Diógenes Nunes de Melo encontra-se em gozo de férias regulamentares: o médico Antonio Targino Moreira encontra-se em licença médica.
4 - o médico PAULO ROBERTO DA CUNHA estava dormindo, com aviso pregado na porta para que só o chamassem às 6,30 horas (aviso em anexo). É médico contratado.
5 - os médicos efetivos, a seguir citados, estavam também descansando: DR. ALDO FRANCISCO BÁRCIA ALVES, DRA. CELIA REGINA SEKURCINSKI MARQUES, DRA. MARIA SILVIA FURQUIM LEITE DE ALMEIDA.
6 - o médico FRANCISCO MINAN DE MEDEIROS NETO, anestesista, que nada tinha com a estória, chamou a atenção dos nossos companheiros do Serviço Reservado, dizendo ser aquela investigação uma “palhaçada”.
Todas as informações aqui relatadas tiveram a presença de testemunhas, que aplaudiram o nome de Vossa Excelência.
Quanto à firma que faz a limpeza do Hospital,BRASANITA,será objeto de outro relatório, uma vez que estamos colhendo dados necessários.
Atenciosamente,
ROBERTO ABRAHÃO, Secretário Particular do Prefeito









Memº JQ 506/86 de 2.4.86
Dr. Ricardo Veronesi:
Secretaria de Higiene e Saúde

1) Elogie a Servidora Dra. Thácia Leimig, pela sua conduta funcional, fazendo constar o elogio em sua folha de serviços:
2) Suspenda os Médicos, Drs. Aldo Francisco Bárcia Alves; Cecília Regina S.Marques; Maria Silvia Furquim Leite de Almeida, por 3 (três) dias;
3) Suspenda o Médico, Dr. Francisco M. de Medeiros Neto, por 10 (dez) dias;
4) Demita o Médico, Dr. Paulo Ribeiro da Cunha. Demissão imediata. Agora, poderá dormir.
5) Advirta o Diretor do Hospital de que, na próxima fiscalização, farei submeter os faltosos, todos do Hospital “Tide Setúbal”, à inquérito administrativo.
6) Advirta a firma que faz limpeza do Hospital, enquanto considero penalidade mais grave.
7) Cumpra-se imediatamente.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito




Memº JQ 500/86, de 2/4/86
Dr.Welson Gonçalves Brabosa
Secretário das Administrações Regionais

1. Ouvi que, algumas Administrações Regionais, há refeitórios para trabalhadores.
Ouvi, também, que alguns são imundos
2. Sugiro a V.Exa. visitá -los, antes que eu o faça.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito



Memº JQ 499/86, de 2.4.86
Dr. Fiore W.G.Vita
Secretário de Serviços e Obras

Fui almoçar, hoje, no refeitório dos trabalhadores da Limpeza Pública.
Anote bem:

- Porta da cozinha imunda;
- Trabalhadores vestindo andrajos;
- Instalações sanitárias com azulejos e teto imundos;
- Páteo interno sujo;
- Máquinas e motores desativados, que devem ser, pelo menos, vendidos como ferro velho;
- Lixo por toda a parte, fétido, insuportável;
- Maquinaria precisando de uma demão de pintura;
- Bancos nos sanitários sujos e sujas as paredes;
Mas é sobretudo na alimentação, que tenho algo a dizer:
1. O arroz deve ter sido feito sem gordura e não se serviu como sobremesa nem uma banana;
Não gostei da comida e aposto que V.Exa. não gostaria também;
3. Sugiro que uma vez por mês, V.Exa. almoce em um desses refeitórios;
4. Dou 30 dias, prazo improrrogável, para que todas essas falhas greves, sejam corrigidas.
Voltarei a visitar esse e outros refeitórios.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito




Memº JQ 507/8 de 2.4.86
Dr. Roberto Salvador Scaringella
Secretário Municipal de Transportes

1 – Solicito de V.Exa. enviar-me, todos os meses, até o dia 5, relação dos carros multados por:

a) estacionarem sobre passeios;
b) desrespeitarem a faixa de pedestres;
2 – Cumpra com rigor.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito


Memº JQ. 182/86
SJ
Desafio a quem quer que seja a intervir no Município de São Paulo.
O “IPTU” seria, se tanto, um problema para a Justiça.
Nesta Prefeitura não haverá mais nepotismo, nem caos, filho da incompetência.
1. JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito




Memº JQ. 183/86
Dr. Welson Barbosa
Secretário das Administrações Regionais

Determine que os Administradores Regionais, durante o Expediente, atendam ao telefone ou designem alguém categorizado para atendê - lo.
Toda e qualquer reunião dos Administradores, independente de sua natureza, só poderá ocorrer depois do Expediente.
Exijo que sejam atentos ao povo
PRAZO: imediato
São Paulo 06 de fevereiro de 1986
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito



Memº JQ. 186/86
Dr. Fiore Vita
Secretário de Serviços e Obras

1. A Cidade continua imunda. Percorra V.Exa. os chamados “corredores de tráfego”, o Centro e as Praças de periferia. Não vou tolerar isso;
2. Envie-me a relação das empresas contratantes de limpeza pública com a descrição das respectivas áreas;
3. Quero, também, a relação da área ou áreas nas quais a limpeza é feita pela própria Prefeitura;
4. Advirta às contratantes de que na renovarei os respectivos contratos, exceto se promoverem limpeza satisfatória no decorrer dos próximos 60 (sessenta) dias, a contar desta data;
5. Advirta aos responsáveis na Prefeitura pela limpeza direta. Os servidores dessa limpeza estão mal uniformizados e os veículos sujos. Uniformize-os com decência e mande repintar esses veículos.
PRAZO IMPRORROGÁVEL: 20 (vinte) dias.
6.2.86. JÃNIO DSILVA QUADROS, Prefeito




DESPACHOS DO PREFEITO

Telegrama recebido da Chancelaria da Arquidiocese de São Paulo.
ENCONTRANDO SE EMINETISSIMO SENHOR CARDEAL DOM PAULO PAULO EVARISTO ARNS EM VISITA AD LIMINA EM ROMA VG ACUSO RECEBIMENTO TELEGRAMA VOSSENCIA SOBRE PROVAVEL EXIBIÇÃO FILME JE VOUS SALUE MARIE NO BRASIL VG POSSO AFIRMAR A VOSSENCIA QUE CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS BRASIL VVG ORGÃO REPRESENTATIVO TODO EPISCOPADO NACIONAL JÁ SE PRONUNCIOU CONTRARIAMENTE AA LIBERAÇÃO MENCIONADO FILME VGAGRADECENDO INFORMAMOS TELEGRAMA VOSSENCIA CHEGARA MAOS SENHOR CARDEAL VG ASSIM QUE RETORNE-CONEGO ANTONIO TRIVINHO CHANCELER.
Telegrama enviado à sua Eminência, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro.
ESSE FILME DE GOGARD “ JE VOUS SALUE MARIE”, EH UMA OFENSA DESPUDORADA A FEH CRISTA QUE SE ENCONTRA SOB A PROTEÇAO DA VIRGEM APARECIDA.
CRIAREI AS MAIORES DIFICULDADES, SE LIBERADO, PARA A SUA EXIBIÇAO EM SÃO PAULO.
O CINEMA QUE O PROJETAR SERAH OBJETO DE VISTORIAS SEVERAS POR PARTE DPREFEITURA, PODENDO TER SEU ALVARAH SUSPENSO OU CANCELADO, CONSOANTE A GRAVIDADE DAS EVENTUAIS FALHAS COM REFERENCIA AA HIGIENE E A SEGURANÇA.
APELO A VOSSA EMINENCIA PARA QUE INTERFIRA JUNTO AA CENSURA, DE SORTE A NÃO PERMITIR ESSE ULTRAJE AOS SENTIMENTOS RELIGIOSODA ESMAGADORA MAIORIA DOS PAULISTAS E BRASILEIROS, PARTICULARMENTE DESTA CIDADE, QUE TEM COMO PATRONO O APOSTOLO PAULO.
IDENTIFICO TELEGRAMA ESTOU ENVIANDO A SUA EXCELENCIA O PRESIDENTE DA REPUBLICA.
J.Quadros, Prefeito do Município de São Paulo.



Memº JQ 271/86 de 25.02.86
Dr. Fiore Vita
Secr. Dos Serviços e Obras

1. Encontrei, ontem, a Cidade suja. Especialmente na Av. dos Bandeirantes, as sacolas de lixo nem sequer tinham sido recolhidas;
2. Determino que a limpeza ocorra inclusive aos domingos e feriados, e desejo os carrinhos para a coleta de lixo pela manhã, à tarde e à noite;
3. Envie-me o Contrato da firma encarregada daquela Avenida. Vou puni-la.
4. Advirta as empresas contratantes de que não terão seus contratos renovados e a situação financeira melhorada se essa limpeza não for considerada excelente;
5. quero esses carrinhos, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, nas ruas e praças da Capital.
Qual é o problema?
Vamos pagar o relaxamento presente?
JÂNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito



Memº JQ 275/86 de 25.02.86
Dr. Jair de Carvalho Monteiro
C.M.T.C.

1. Ouvi dizer que os desordeiros, no Sapopemba, furaram 100 (cem) pneus de ônibus da “CMTC”.
Esses criminosos mal sabem que a Empresa acaba de ocupar linha mal servida por outra, particular.
Se isso se repetir, sem que o Povo honrado no bairro reaja, V.Exa. não substituirá os ônibus. Se for preciso retire de circulação todos os que forma danificados, mesmo que o bairro fique sem transporte.
3. Exerça sua autoridade e responsabilidade, de forma impiedosa, os culpados.
JÂNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito




DESPACHOS DO PREFEITO

TRANSCRIÇÃO DO OF.SPP. 16/86 encaminhado pelo Senhor Prefeito ao Dr. ROBERTO MARINHO, Presidente de “O GLOBO” – Empresa Jornalística Brasileira Ltda.
Senhor Presidente,

A Cidade achou o seu Teatro Municipal arrasado, isto é, com obras fundamentais onerosas e demoradas, até porque a Prefeitura encontra dificuldades para o seu custeio.
O orçamento deste exercício prevê “déficit” que oscila entre 4 e 5 trilhões de cruzeiros.
Conhecendo, e tendo louvado , antes, a obra excepcional da “Fundação Roberto Marinho”, consultaria V.Exa. sobre a possibilidade de pagar esses custos, - cerca de um bilhão de cruzeiros - , ou, pelo menos, parte substancial deles, estabelecidos com o rigor que caracteriza esta Administração.
Receba o Ilustre Brasileiro as expressões de minha admiração e estima pessoal.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito

TRANSCRIÇÃO DA CARTA enviada ao Prefeito Jânio da Silva Quadros, pelo Dr. ROBERTO MARINHO, Presidente da Rede Globo.

São Paulo, 28 de janeiro de 1986
Senhor Prefeito,

Tomo conhecimento do lamentável estado em que se encontra o Teatro Municipal, assim como do natural empenho de V.Exa. por sua restauração.
Pode V.Exa. contar com a Fundação Roberto Marinho para essa obra, dentro das bases estabelecidas na sua carta.
Peço que o ilustre Prefeito aceite expressões da minha velha estima e apreço pessoal.
ROBERTO MARINHO



Memº JQ 543/86, de 7/4/86
Ver. João Aparecido de Paula
Secretário da Habitação e Desenvolvimento Urbano

1. Ouvi que determinada Empresa, interditada por V.Exa. atreveu-se a funcionar, posteriormente, alegando gozar de “liminar” expedida pela Justiça;
2. Verifique-o, ainda hoje, com o Secretário do Negócios Jurídicos ( Prof. Lembo).
Se “Liminar” inexiste, lacre a Empresa em apreço, em todas as suas portas;
3. Cumpra a Lei, com rigor.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito




Memº JQ. 549/86 de 7.4.86
Diretor Técnico do Autódromo Municipal “ José Carlos Pacce”

1. Determino a adoção, por Vossa Senhoria, de imediatas providências tendentes a atualizar a taxa de treinamento cobrada por esse Autódromo, que é, no momento, irrisória.
2. Deverá Vossa Senhoria, ainda, verificar a situação desse Autódromo à noite, que, segundo denúncias por mim recebidas, tem o seu uso desvirtuado, transformando-se em verdadeiro “drive in”.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito



Memº JQ 556/86, de 8/4/86
Dr. Wilson Pereira
Secretaria Municipal de Administração

1. Peço a V.Exa. entender-se com a Imprensa Oficial do Estado, no sentido de reduzir os preços das publicações no Diário Oficial do Município (DOM);
2. Se essa redução for impossível, tentaremos publicar o nosso próprio Diário Oficial, sem embargo das gentilezas que temos recebidos do Diretor.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito

Memº JQ 559/86, de 8/4/86
Dr. Cláudio Lembo
Secretaria dos Negócios Jurídicos

1. Mande examinar a chamada “ Fazenda da Juta”, perto do Conjunto “Mascarenhas de Moraes”, para fins de desapropriação;
2. O proprietário da vasta gleba não tem permitido instalar nela Serviços Públicos e, mais: incorpora as construções ao seu patrimônio particular;
3. Prazo : 45 dias para o Decreto de Desapropriação.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito




Memº JQ 561/86, de 8/4/86
Dr. Jorge Yunes
Secretário Municipal de Cultura

1. Indefiro a petição da Secretaria Municipal de Defesa Social. O Corpo de Vigilantes que desejo, como o de Cemitérios por exemplo, tem atribuição inteiramente distinta. A Guarda Civil Metropolitana irá policiar os logradouros e as vias públicas, o que é atribuição da Prefeitura, e servirá como Corpo Auxiliar da Polícia Estadual, subordinando-se indiretamente a Sua Excelência, a qualquer momento;
2. Determino a V.Exa. – o que já fiz anteriormente – constituir a Guarda Municipal de Teatros e Bibliotecas, composta por 260 elementos;
3. A Secretaria \municipal de Defesa Social apenas fornecerá os homens e mulheres, considerados aptos após a realização dos exames, em obediência à ordem numérica dos examinados, excluídos evidentemente os elementos que constituirão a Guarda Metropolitana;
4. No mais, uniformizados em cáqui e armados, esses guardas servirão subordinados a V.Exa.,ou a setor dessa Secretaria indicado pelo Titular;
5. Determino que a seleção e o sumário treinamento desses guardas com o aproveitamento feminino, se faça no prazo impreterível de 45 (quarenta e cinco) dias;
6. Dado o incêndio criminoso de que foi vítima uma Biblioteca, os furtos e os danos que tenham ocorrido, que nessas, que nos Teatros Municipais, a guarda em apreço aliviará a presença do Estado, com manifestas vantagens para a Sociedade.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito



Memº JQ. 2106/87, de 5.1.87
Dr. Welson Barbosa –SEGESP
Dr. Fiore Vita – SSO

1. Multar as contratadas de limpeza pública de Vila Clementino e Campo Limpo;
2. Advirta,por escrito, os Administradores Regionais. À próxima vez, demito-os.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ. 2107/87, de 5.1.87
Dr. Roberto Salvador Scaringella
Secretaria Municipal de Transportes
1. Verifico que a área de embarque e desembarque de alunos , na Rua Gumercindo Saraiva, não tem sido atendidas. Por que ? – Manifestamente por deficiência dessa Secretaria;
2. V.Exa. é o Secretário dos Transportes; ponha um guarda e um guincho no local. Não me obrigue a manifestar meu desagrado, de forma radical.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ 2114/87, de 5.1.87
Dr. Altamiro Dias da Motta
Superintendente do Serviço Funerário

1. Os muros dos nossos cemitérios são constantemente pichados, assim como os de muitos locais particulares.
2. Naturalmente, esse ato de vandalismo é difícil coibição;
3. Estude uma maneira de plantar, ao redor dos muros de nossos cemitérios, plantas do tipo “trepadeiras”, como por exemplo hibisco.
4. Isso tirará a possibilidade de ação desse tipo de malfeitores contra o bem público, nessa área.
J.Quadros, Prefeito



Memº JQ 2116/87, de 5.1.87
Jornalista Roberto Abrahão
Assessoria de Imprensa

1. É simplesmente escandaloso o número de servidores postos à disposição dessa Assessoria. Faria inveja a Reagan ou à rainha Elizabeth. Em conseqüência , determino, no prazo de 48 (quarenta e oito horas):
a) reduzir esse número de 68 (sessenta e oito), para 20 (vinte), a serem selecionados por V.Exa.;
b) por à disposição da SEHAB 10 servidores, solicitados ainda hoje, para o Centro Esportivo de Vila Brasilândia, a ser inaugurado;
c) redistribuir os demais pelas várias Secretarias, sobretudos servidores SEGESP,CMTC,Educação,SMC,SHS, IPREM e CET (Transportes), que deverão retornar às suas origens;
2. Apenas 2 (dois) funcionários farão o serviço de Rádio Escuta, 2( dois) para o de repórter-redator e ainda 2 dois) apenas, para o serviço de fotógrafo e o de teletipista;
3. Cumpra-se, no prazo acima estipulado.
J.QUADROS, Prefeito





Memº JQ 2119/87, de 5.1.87
Dr. Walter Bodini
Secretaria de Vias Públicas

1. Desejo a relação das grandes obras viárias a serem postas em concorrência neste mês ou no próximo fevereiro;
2. Essas obras incluirão túneis, viadutos ou anéis para o trânsito;
3. Urgência.
J.QUADROS,Prefeito




Memº JQ 2500/87 de 5.3.87
Dr. Fiore Vita – SSO

1. determino o alargamento e a melhoria da pista de “Cooper”, no Ibirapuera. O início dos trabalhos deve ser imediato;
2. Sua Exa. O Governador Orestes Quércia gosta de fazer exercício nesse Parque.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ 2317/87, de 03.02.87
D.Kalime Gadia
Chefe de Gabinete do Prefeito

Queira marcar em minha agenda as segundas-feiras, das 8,00 às 10,00 horas da manhã, para receber Suas Excelências os Vereadores.
Essa audiência se sobrepõe a Partidos políticos, até porque se constitui em direito, senão dever de Suas Excelências.
J.QUADROS, Prefeito


Memº JQ. 2300/87, de 02.02.87.
Dr. Welson Barbosa –SEGESP
Dr. Renato Tuma –SEMDES
Dr. Carlos Alberto M.Barreto – SF
Dr. Cláudio Lembo –SJ

Detrmino a V.Exas. cassar a licença de todas as casas comerciais, que mantêm ativo o jogo de azar chamado “vídeo pôquer”.
Se a justiça conceder liminar a esses delinqüentes, lutaremos em Juízo, porque, ainda, “há Juízes em Berlim”.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ. 2140/87, de 08.1.87
Dr. Altamiro Dias da Motta
Superintendente do Serviço Funerário


1. Ao invés de dar entrevistas, sugiro a V.Exa. trabalho mais intenso;
2. Vou visitar o Cemitério de Vila Nova Cachoeirinha;
Veja como o encontrarei;
3. Quero saber como vão as obras dos velórios.
Se necessário, programe outras;
4. Atenção para o Memorando que determina revestir sos muros das necrópoles com hera, de sorte a evitar-se inscrições
5. Atenção
J.QUADROS, Prefeito

Memº JQ 2139/87, de 08/01/87
Dr. Jair Carvalho Monteiro
Secretário do Governo Municipal

1. Envie circular a todas as Secretarias e Órgãos Subordinados para que as respostas aos meus Memorandos não venham com capa;
2. Isso é dinheiro jogado fora.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ. 4160/88, de 7.3.88
Dr. Renato Ferrari
Secretário Municipal de Cultura

1. Os corpos estáveis de música ou canto, dessa Secretaria, não poderão ultrapassar os limites do Município, sob pena de responsabilidade;
2. Rigor absoluto.
J.QUADROS, Prefeito




Memº JQ. 4165/88, de 7.3.88
Dr. Paulo Roberto Vieira da Silva
SMT

1. Já determinei multar todos os motociclistas, que não usem capacete, equipamento indispensável;
2. Multar também os que esgueiram entre automóveis, fazendo o que se chama “costura”;
3. Aprender as cartas dos que trafegam sobre a calçada. Serão encaminhados, por mim, ao digno Diretor do DETRAN.
4. Recomendações estritas a todo o policiamento.
J.QUADROS, Prefeito







DIA INTERNACIONAL DA MULHER



Ao ensejo da passagem do “ Dia Universal da Mulher”, associo-me, prazerosamente, às comemorações da grata efeméride.
Como salientei em outra oportunidade, todos nós estamos conscientes de quanto devemos à Mulher , esposa e, particularmente, mãe, responsáveis pela nossa existência e pelo nosso caráter.
Há que se ressaltar, também, a importância do papel por ela desempenhado na sociedade onde, de maneira suave mas, ao mesmo tempo, firme e equilibrada, tem sabido procurar soluções justas, impeditivas da violência na comunidade, na política ou na religião.
A atual administração tem dado especial atenção à Mulher , bastando lembrar, como exemplos, a criação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e a institucionalização do Dia Internacional da Mulher na rede municipal de Ensino, sem falar nas creches, escolas e novos hospitais, onde também pontifica o trabalho da Mulher.
Sinto-me, pois, perfeitamente à vontade para festejar a data de 8 de março e estou certo de que o próximo Congresso da Confederação de Mulheres do Brasil, na qual o Conselho Municipal vem desempenhando importante papel, contará com o apoio e a participação de todas que, como nós, sonham com um Brasil, mais responsável, mais justo e mais humano.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ. 3910/88, de 15/1/88
Dr. Cláudio Lembo –SJ

Determinado Vereador, leviano e irresponsável, que me acusa de manter conta sigilosa na Suíça, e não o comprova, e que cedeu veículo do patrimônio municipal sem autorização para ir ao Paraná , ocasionando u’a morte, afirma na “ Folha de São Paulo”, edição de 24 de dezembro passado, que me procurou, sem encontrar-me, em Boston.
“Sequer Jânio e sua esposa passaram por Boston”, afirma o caluniador, isso, segundo ele, depois de percorrer “Hospitais e Hotéis”.
Safado! Aí vai a conta do “ Black Bay Hilton”, o melhor Hotel de Boston, e os “tickets” e passagens aéreas. Estivemos no Hospital “Dana-Fabewr Câncer Institute”, cujo Diretor, Prof. Canellos, famoso especialista da Universidade de Harvard, recebeu Eloá. Basta! Parece que determinado jornal tem o “rabo preso” na mentira.
Bastava telefonar ao Consul brasileiro em Nova York, que nos aguardou no Aeroporto para o traslado a Boston.
Entrementes, minha esposa aguarda desaparecer a ameaça de pneumonia para submeter-se a nova cirurgia nesta Cidade como deseja, com a concordância daquele médico americano.
Após a publicação deste Memorando, V.Exa tomará as providências judiciais cabíveis.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ.4228/88, de 15.3.88
Dr. João Mellão Netto
Secr. Municipal de Administração

1) Desejo que V.Exa. relacione os Vereadores que votaram contra o aumento do funcionalismo;
2) O máximo cuidado na relação, que deve ser remetida a meu Gabinete.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ. 5248/88, de 30/11/88
Dr. Victor David
Secr. Administrações Regionais

Excelência:
1. Há uma feira de artesanato à qual se juntam vendedores de várias bebidas, doces e salgados de origem desconhecida em péssima condições de higiene. Parece ter sido autorizado por mim ou SEMAB. Fica cassada a autorização. Imediatamente.
Se necessário, convoque SEMDES e a Polícia Militar para impedí –la.
2. À Praça da Sé , autorizei a instalação de outra, a pedido do padre da Catedral.Dou 48 horas para que as barracas montadas nesse logradouro desapareçam.
Fica revogada, pois, a minha autorização anterior.
Tornou-se um valhacouto de marreteiros e marginais, oferecendo, ainda,a pior impressão que a Cidade possa oferecer.
A partir de sábado, não quero ver traços dela;
3. Cumpra-se com o máximo rigor, pedindo auxílio que julgar conviniente ou necessário.
J.QUADROS, Prefeito



Nota dirigida à Secretaria Municipal de Transportes

Um Vereador diligente e honrado – já condenado pela Justiça Pública por duas vezes – apresentou projeto propondo a “extinção dos veículos oficiais de representação e de Gabinete”.
Magnífico! Não poderá emprestar o seu carro da Câmara Municipal para matar um inocente no Estado do Paraná, quando não podia nem deixá - lo fora dos limites do Município.
Os paranaenses estão de parabéns, se aprovada a Lei: é seguro de vida.
São Paulo, 30 de novembro de 1988
J.QUADROS, Prefeito





Memº JQ. 4198/88 de 10.3.88
Prof. Cláudio S.Lembo
Secretário dos Negócios Jurídicos


Um vereador irresponsável, nojento, que responde a vários processos criminais, vem tentando, com insistência, auxiliado por determinada Imprensa, alcançar-me na honra. Não poupa nem mesmo a minha esposa, que o povo conhece como uma santa, inteiramente entregue, ao longo da vida, a obras de benemerência.
Tudo obedece ao plano dos radicais: desmoralizar-me e a todos os homens públicos. O propósito é mergulhar o Município, o Estado e o País na desmoralização, que precede o caos.
Ajudado por inimigos, ostensivos ou ocultos, prossegue em sua faina criminosa: responderá em juízo.
Não tenho a vida privada irregular, nem já matei alguém no uso indevido de propriedade pública. Anda rondando os serviços municipais, procurando invadí-los , sem autoridade para isso, pequeno, físico e moralmente.
Inventou uma suposta conta na Suíça e se preocupa com a pensão em dólares, quantias ínfimas que remeti, através dos Órgãos Federais, para minha filha, então nos Estados Unidos. Tratava-se de pensão que eu continuava mandando, quando no Exterior, regularmente e do meu próprio bolso.
Forjou - e não diz onde – alguns rabiscos que um notável perito afirma não serem de D.Eloá, enquanto o laudo da Polícia Técnica afirma o oposto. Ninguém falsifica, a não ser com o propósito dessa semelhança ou afinidade.
Em vão declarado que a suposta conta inexiste e, a menos que me engane, cabe ao acusador a prova, exceto neste País, no qual as normas do Direito Penal parecem subvertidas pelos delinqüentes.
Determinada Imprensa agasalha as declarações desse Vereador e lhes dá ênfase de escândalo. É vereador que, até hoje, nada construiu. Possivelmente o mais desacreditado e comprometido da Câmara Municipal. Em homenagem a minha esposa é que nego a existência da conta em apreço e o desafio de prová-la . Claro que remeti, no passado, de Londres, Genebra ou Nova York pequenas quantias para a manutenção dessa filha única, então adoentada no Exterior.
Aí recorri ao Governo Federal. E, ao longo dos anos, sempre obtive essa licença em nosso País. Dinheiro de subsistência no valor de l.000, 1.500, 2.000 dólares mensais, para que a mesma filha pudesse viver, com o mínimo de dignidade, no Estrangeiro, quase sempre na casa de parentes, cujas despesas lhe cumpria ajudar.
Desejo, em conseqüência, que SJ
- Leia o noticiário da “Folha de São Paulo”, edição de hoje, e processe criminalmente o pulha que acode , na sua vida tortuosa, privada ou pública, pelo nome de Walter Feldmann.
Sobre isso, telefonei a Sua Excelência o Presidente da República, para o rápido desfecho de qualquer processo, quer nessa Polícia, quer junto das autoridades do Imposto de Renda.
J.QUADROS, Prefeito


Memº JQ. 5222/88, de 21.11.88
Dr, Victor David – SAR

1) Examine esta conta. É de munícipe cujo carro caiu em uma boca de lobo sem tampa;
2) Cumpre pagar a conta dos reparos. Pague-a . A Prefeitura pagará a metade e a outra metade o Administrador regional pagará, inclusive com o ordenado deste mês;
3) Isso vale para todos os Administradores. Tenho recomendado vigilância acerca desse equipamento, mas não sou ouvido. Verifique quantas bocas de lobo há nessas condições. Vai encontrar dezenas;
4) Quero uma solução em 48 horas.
J.QUADROS, Prefeito


Memº JQ.4208/88, de 11.3.88
Jorge Ferreira
Assessor Chefe de Imprensa
Assunto: IPTU – 31 x 6

Peço informar aos comunicadores:
O Egrégio 1º Tribunal de Alçada Cível julgou mais quinze casos de IPTU.
A Prefeitura venceu: trinta e um votos contra seis. Os contribuintes necessitam conhecer esse julgamento.
J.QUADROS, Prefeito


Memº JQ. 4204/88, de 10.0.88
Dr. Victor David
Secr. Administrações Regionais

Doravante, os 05 (cinco) Coordenadores das Administrações Regionais serão invariavelmente, indicados por V.Exa.
J.QUADROS, Prefeito









Memº JQ. 4202/88, de 10.3.88
Dra. Suely P.Fagundes
Ass. Chefe da ATL

1) O novo projeto, que admitirá cadeiras nas calçadas à frente de bares e restaurantes, delimita área para os pedestres, com a colocação floreiras, impeditivas do abuso;
2)A Lei revogada era de autoria do Vereador Marcos Mendonça. Promulguei-a com agrado, até que essas mesas e cadeiras passaram a ocupar toda a calçada, com graves danos para a locomoção dos pedestres;
3) Corrigida, agora, mencione, V.Exa. o fato na Exposição de Motivos, de que a idéia se deve àquele Vereador.
J.QUADROS, Prefeito



Memº JQ.4226/88, de 15.3.88
Cel. Geraldo Arruda Penteado – SMT
1 - Determinei, à semana passada, policiamento de trânsito à frente dos estádios, dos grandes clubes, restaurantes e boates, onde se reúnem, aos domingos, dezenas, centenas ou milhares de pessoas;
2 - Contudo, visitei as adjacências do “Paineiras”, no Morumbi. Não encontrei policial nenhum e precisei, em pessoa, multar vários carros sobre a calçada;
3 – Monte V.Exa. um esquema permanente para todos os domingos e feriados. Puna os infratores de forma impiedosa. Não podem escarnecer da fiscalização nesses dias, entendendo-a ineficaz, ausente;
4 – Rigor, sem complacência;
5 – Antes da posse de V.Exa., multei o meu próprio carro,porque estacionou sobre a faixa de segurança para pedestres. A multa foi paga.
6 – Aguardo providências ora determinadas.
J.QUADROS, Prefeito






JÂNIO É UM LOUCO QUE SE JULGA JÂNIO

Lecionava Português e Geografia no Colégio Dante Alighieri. Bom professor, mas exigente: os cadernos dos alunos tinham de estar sempre em dia e bem cuidados. Certa vez, um estudante apresentou um caderno rabiscado e rasurado. O professor perdeu a paciência: - Retire-se. O aluno embaraçado fez menção de sair pela porta. O professor atalhou-o, ríspido: - Pela janela. O senhor não é digno de cruzar essa porta.











NOVA FUNÇÃO

Presidente, Jânio Quadros vai ao Rio abrir uma exposição de pintores argentinos no Museu de Arte Moderna. Compromissos em Brasília, porém, fizeram com que Jânio atrasasse sua chegada. Duas horas depois do previsto, o Presidente chega ao museu.
Cerimônia concluída, na saída do Museu um funcionário consegue driblar a segurança e se aproxima de Jânio. Humildemente, cumprimenta o Presidente, pede um autógrafo e emenda a explicação para o gesto:
- Presidente, preciso do autógrafo para me justificar em casa. O senhor atrasou muito e passei da hora do almoço em casa. A patroa não vai acreditar que eu estava trabalhando. Ela anda muito desconfiada. Só o senhor pode me ajudar.
Jânio deu uma gargalhada, autografou uma folha de caderno e, novamente, com o semblante sério, fez a brincadeira:
- Tudo bem, compreendo seu desespero. Concordo que é preciso tratar bem as mulheres. Mas é a primeira vez na vida que sirvo de relógio de ponto.





JÂNIO E AS UVAS


A Festa da Uva, tradição da cidade gaúcha de Caxias do Sul, começou na capital do Estado, quando o Viscount presidencial ali aterrissou, conduzindo Jânio Quadros, D. Eloá e sua comitiva. O percurso para Caxias foi feito por estrada de rodagem. Trabalhadores e camponeses, enfileirados nos dois lados da rodovia, saudaram o Presidente da República com tão entusiásticos vivas e palmas que quase lhe arrancaram lágrimas de emoção. O encontro entre Jânio Quadros e Leonel Brizola resultou mais proveitoso e cordial do que imaginavam os políticos de todos os partidos. D. Eloá, descendente de gaúchos, percorreu demoradamente a exposição e recebeu as homenagens das moças que enfeitavam os stands.
- A presença de Vossa Excelência nesta solenidade restabelece a tradição do comparecimento do Presidente da República à celebração da Festa da Uva de Caxias do Sul.
Com estas palavras, o governador Leonel Brizola saudou o presidente Jânio Quadros no momento em que era inaugurada a Exposição Agro-Industrial daquela cidade. As importantes conversações políticas, horas depois mantidas entre o presidente e o governador, desenrolaram-se à margem de uma das festas populares mais bonitas do Brasil. Na semana da Festa da Uva, as grandes colinas cobertas de vinhedos que rodeavam a cidade pareciam ser transplantadas para o Centro de caxias. Toneladas de uvas faziam o cenário de fundo para louras moças que, no recinto da exposição, enfeitavam os stands dos vinicultores. Estes eram os industriais mais orgulhosos do brasil. Seus produtos adquiriram um importante papel na economia do País e estavam sendo exportados. Um capítulo à parte das alegres comemorações era a eleição da Rainha da festa. Helena Luiza Robinson, no momento em que era coroada, ouviu a piada de Jânio: - É uma uva!





Gentileza

Pouco antes do início de uma das reuniões ministeriais foi servido o clássico cafezinho. Jânio Quadros estava sentado à cabeceira da grande mesa, enquanto alguns ministros, ainda de pé, trocavam idéias.
O ministro do Exterior, senador Afonso Arinos, deixou, sem o querer, cair do pires a colherinha do cafezinho.
Jânio Quadros não se dando por achado, levantou-se e, numa atitude elegante, apanhou do chão a colher, devolvendo-a ao ministro.
O ministro Afonso Arinos, perturbado com a gentileza do Presidente, agradeceu, dizendo:
- Vossa Excelência embaraçou-me. Fez-me lembrar aquela história do poderoso imperador, que estava sentado retratado pelo pintor. Este, inadvertidamente, deixou escapar das mãos o pincel. O imperador, imediatamente, levantou-se de onde estava e ergueu, pressurosamente, o pincel do artista.
Jânio Quadros então, redargüiu :
- Foi uma honra para o imperador...















Cego
Além de presentear Jânio com uma carabina automática de alta precisão, a delegação russa também lhe deu um litro de vodka genuinamente russa, o que levou o presidente a fazer o seguinte comentário:
- A vodka foi inventada pelos comunistas, mas por outro lado não deixa bafo, mas deixa cego...


GALOS COMBATENTES

A Sociedade Criadora de Galos Combatentes de Governador Valadares, no Estado de Minas Gerais, enviou representação ao presidente Jânio Quadros, através da qual pleiteava a revogação ao decreto que proibiu, em todo o território nacional, as rinhas de galo.
Diante do ofício da entidade de "galos combatentes", que sublinha tratar-se as rinhas de "esporte dos reis", o chefe do governo exarou o seguinte despacho:
¬- Indeferido. Exatamente o que o Governo deseja é que não haja galo combatente. 24.07.61 (a) J.Quadros.







Luzes

Como era habitual, faltou energia elétrica no Palácio do Planalto. O Gabinete de Jânio Quadros ficou às escuras.
Imediatamente, o primeiro subchefe do Gabinete Civil, deputado Araripe Serpa e o segundo subchefe, prof. Ademar Martins, apareceram munidos de lampiões e faroletes, o que fez Jânio Quadros comentar:
- Eu sempre disse que este governo era um governo de muitas luzes...


Ameaça

Quando se preparava para uma das suas visitas a São Paulo, Jânio Quadros recebeu uma série de telegramas denunciando o preparo de atentados contra sua pessoa. Depois de tomar conhecimento das denúncias, o Presidente chamou um oficial do seu gabinete e deu a seguinte instrução:
- Procure o General, Chefe da casa Militar, e diga-lhe para que providencie o adiamento da execução.


Presente

Durante uma reunião, o padre Palhano, prefeito do município cearense de Sobral, ofereceu a Jânio Quadros dois presentes: uma rapadura e uma garrafa de cachaça. O secretário particular, José Aparecido de Oliveira, disse gostar de uma ou outra coisa ganha pelo presidente:
- Tome a cachaça, Zé - disse Jânio Quadros. A rapadura, porém, eu não entrego...


Promovido

Um dos motores do Viscount presidencial enguiçou na hora da partida de Jânio Quadros em Congonhas, com destino ao Rio de Janeiro. O presidente não escondeu sua inquietação ao seu piloto, o tenente-coronel Agenor de Figueiredo. Meia hora depois, o avião levantou vôo em condições normais. Quando chegou no Rio de Janeiro, o presidente desceu as escadas e, dirigindo-se ao tenente-coronel, fez questão de cumprimentá-lo e dele despedir-se, mostrando que não esquecera o imprevisto de Congonhas:
- Muito bem. Muito obrigado, brigadeiro.





Bigode

Tomando conhecimento pelos jornais do Brasil, das notícias de que havia raspado o bigode, o presidente Jânio Quadros enviou, do hospital em que se achava internado, operado que fora da vista, o seguinte telegrama ao Chico Quintanilha:
"Bigodes intactos. Possivelmente à custa cabelos arrancados
adversários. Não há Dalila que os possa aparar."



Numa das várias visitas que fez a Jânio Quadros, D. Helder Câmara, teve a ocasião de trocar idéias sobre as relações do Brasil com os países da cortina de ferro. O cordial debate prosseguiu até a análise das vantagens e desvantagens, por exemplo, do comércio do café com aquela parte do mundo. O que levou a Jânio Quadros, com humor, indagar ao cardeal:
¬- Mas, Eminência, o Vaticano compra café?



Funcionamento

Decepcionado com o não funcionamento do hospital IPASE, em São Luiz (Maranhão), quando de sua visita ali, Jânio Quadros enviou ao presidente da autarquia o seguinte bilhetinho:
" Determino o funcionamento imediato do Hospital São Luiz. Caso não esteja funcionando, em 48 horas, tenho notícias a dar ao presidente do Instituto."


Rumores

Sobre rumores de crise ministerial, face a demissão do ministro Clemente Mariani, da Fazenda, Jânio Quadros dirigiu um bilhete ao seu secretário particular José Aparecido de Oliveira:
"Aparecido:
Leio num jornal que o Ministério está em crise...
Veja se localiza para mim.
Leio, também, que recebi, da Fazenda, um bilhete enérgico.
Desminta. O Ministro é educado bastante, para não o escrever ao Presidente.
E o Presidente não é educado bastante, para recebê-lo...
Assinado – Jânio Quadros
09/08/1961"
Faca gaúcha

Acompanhada de carta, Jânio Quadros recebeu, do Sul, de Duílio Giacomazzi, uma faca bem gaúcha de presente. O presidente agradeceu com o seguinte bilhete:
Prezado Sr. Duílio:
Abraços
Obrigado pela faca, bem gaúcha, que me enviou.
Asseguro que irei usá-la, até o cabo, para não anular a minha vantagem
Em uma eventual briga...
Assinado – Jânio Quadros em 23/02/1961"


Cartas

A "eficiência" do Correio Nacional até mesmo em Brasília, provocou do Presidente o seguinte bilhete ao diretor daquele Departamento:
"Senhor Diretor Geral:
Tenho notícias de que carta ou cartas a mim dirigidas foram restituídas à
Origem por não conhecerem, os Agentes do Correio, o meu endereço. Fico sabendo agora, que o mesmo sucedeu com o Sr. Oscar Niemeyer. Admito que os servidores ignorem quem somos e onde moramos, mas sugiro a Vossa Excelência recomendar, nesses casos semelhantes, interesse maior dos serviços, na identificação e localização dos destinatários.
(a) Jânio Quadros"


O relógio

O presidente Jânio Quadros era sempre o primeiro a chegar ao Palácio Itamaraty: às 6 da manhã já estava esperando pelos governadores junto ao lago do jardim. O presidente aprovava as reivindicações com um lápis vermelho e vetava com um lápis preto. Na sua frente, haviam 5 lápis vermelhos e apenas 2 pretos...
Na sessão de encerramento, o governador Celso Peçanha chegou 20 minutos atrasado. Sentou-se a mesa e, depois, reparando que não falara com ninguém, levantou-se e foi cumprimentar o Presidente. Jânio esticou a mão direita e com a esquerda puxou o relógio do bolso, não dizendo absolutamente nada.


Milagre

No discurso que pronunciou perante os delegados regionais do Imposto de Renda, reunidos no Palácio do Planalto, Jânio Quadros declarou que esperava "um verdadeiro milagre" desse setor fazendário. E quando terminou a cerimônia, disse ao professor Antônio Calderelli, diretor do Imposto de Renda de São Paulo:
- Aí está, meu amigo. Referi-me a você, milagreiro.



Paz

Um grupo de silvícolas Xavantes, maltrapilhos, procurou o Presidente para dizer da incompreensão geral para com eles, nas cidades, especialmente pela Polícia. Pediram, em conseqüência, um salvo conduto para poder exercer o direito constitucional de ir e vir.
E o bilhete saiu "para quem interessar possa":
"Os índios Xavantes, de Mato Grosso, estiveram em meu Gabinete.
Agradeço as atenções que recebam, de quaisquer autoridades.
São assim civilizados que nada pedem, a não ser que os brancos os deixem em paz.
23.03.61 (a) J. Quadros"


Apostas
Não foram poucas as críticas sofridas por Jânio Quadros pelo fato de disciplinar as corridas de cavalos. Mas, também recebeu aplausos, inclusive de juizes dos nossos tribunais, através de telegrama.
- O Brasil carece de mais escolas e menos cavalos... – comentou Jânio Quadros e, acrescentou – há onagros que apostam nos cavalos.
Obs.: onagros = sinônimo de burro.


Políticos astronautas

José Le Senechal, inventor, convidou Jânio Quadros a integrar a tripulação do primeiro disco voador concebido pelo seu engenho e arte. Num atencioso bilhetinho, o Presidente agradeceu a distinção que lhe fora conferida e disse ao inventor, entre outras coisas mais ou menos siderais, o seguinte:
- Já me imagino voando para outros mundos e tenho a convicção de que eles não poderão ser piores do que este em que vivemos.
Acrescentou que uma tal viagem daria prazer não só a ele como a muitos políticos...
São José

Respondendo à sra. Albertina Krumel Maciel, de São José, Santa Catarina, que lhe pedira a contribuição de um tijolo para o Hospital de Santo Antônio, cuja construção patrocina, em pagamento de promessa que fizera ao Santo pela vitória de seu candidato, Jânio Quadros enviou-lhe a importância de Cr$ 500,00 com o seguinte bilhetinho:
"Sra. Albertina:
Saudações
Agradeço sua carta e os votos que fez pela minha eleição. O fardo é tão pesado que hesitei, não sabendo, por alguns minutos, se deveria agradecer ou zangar-me.
Junto quinhentos cruzeiros para o Hospital de Santo Antônio.
Não sou mais rico do que o grande padroeiro o foi.
Do,
(a) J. Quadros"






Pinel e cadeia
O candidato, Adhemar de Barros, sempre marcava seus comícios numa cidade antes de Jânio Quadros. Certa feita, os dois grupos se encontraram em Moji-Guacú – SP. Meu pai era escrivão de polícia nesta cidade e ademarista roxo e como de costume também fazia discurso em favor do velho Adhemar e contra o candidato Jânio Quadros.
Os janistas da cidade foram ver o comício de Adhemar. O candidato com os punhos fechados, adjetivos enfáticos, gestos agressivos começou a discursar:
- Entre as várias obras que fiz em São Paulo está o Pinel, hospital de loucos.Infelizmente, não foi possível internar todos. Um desses loucos havia escapado e fará comício nesta mesma praça amanhã.
Para delírio do povo (ademarista) a gargalhada era geral.
No dia seguinte, Jânio Quadros é recepcionado na cidade com banda e a famosa música “ Varre ,varre , vassourinha” e as normalistas da cidade empunhavam a vassoura que iria varrer a corrupção numa evolução jamais vista e impressionante. O Cel.Jayme dos Santos relatou tal acontecimento das táticas do candidato Adhemar , após ouvir seguiu para a Praça e dirigindo ao palanque que estava instalado no centro da Praça. Após alguns segundos de silêncio e com calma faz um relato do velho mundo, conta algumas histórias sobre o período republicano e dá o troco:
- Quando fui governador de São Paulo, construí várias penitenciárias, mas não foi possível trancafiar todos os ladrões. Um escapou e fez um comício aqui mesmo nesta praça ontem.
A gargalhada ultrapassou as cidades circunvizinhas da nossa querida hinterlândia.








Intimidades
O Prefeito Jânio Quadros, em 1987, dava entrevistas para os jornalistas sobre a sua administração ( sobre a polêmica dos homossexuais do Teatro Municipal ), quando uma jovem jornalista de um determinado jornal de primeira linha o interrompeu:
- Você é contra os homossexuais? Você vai exonerá-los?
O ex-presidente não gostou de ser tratado de “você” e deu o troco:
- Intimidade gera aborrecimentos e filhos. Com a Senhora não quero ter aborrecimentos e, muito menos filhos. Portanto, exijo que me respeite.

Animais

A sra. Carmem, que dirigira apelo ao chefe do governo em favor das sociedades protetoras de animais, sugerindo a criação de um departamento de defesa dos irracionais, o presidente Jânio Quadros enviou o seguinte bilhete:
"Minha amiga:
Seu apelo, em favor dos irracionais, encontra-me às voltas com terríveis problemas de amparo e proteção a outra raça tão digna, entre nós, de cuidado, a dos racionais."


Adão

O agricultor Antenor Vieira Borges, residente em Santa Catarina e que mandou ao Presidente Jânio Quadros um maça de 850 gramas, colhida em sua plantação, recebeu o seguinte bilhete do Presidente da República:
"Prezado Antenor:
Abraços. Recebia maçã de 850 gramas, que você enviou, produto da técnica e das terras catarinenses. Um colosso! Não há Adão que resista a essa fruta."


Justiça

Luiz Mazzuchelli, de Matão, São Paulo, aos 14 de maio de 1961, enviou a Jânio Quadros uma sentida carta em que apelava para os bons ofícios do Presidente, dada as suas parcas posses, no sentido de obter a sua naturalização. Sendo italiano, com 62 anos de idade, viveu toda a sua vida no Brasil, pois veio para cá desde o primeiro ano de idade.
O bilhetinho urgente, saiu para o ministro Pedroso Horta:
"MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Excelência
1) Estudar este caso. É humano e de justiça.
2) Urgência no estudo. Trata-se de cidadão de idade avançada, que deseja morrer com a honra de ser brasileiro legalmente, porque, de fato, ele já o é.
(a) J. Quadros"


Língua inglesa

De Saul J. Marcus, Jânio Quadros recebeu a seguinte carta:
"Permita-me tomar um minuto do seu precioso tempo, a fim de oferecer-lhe os meus serviços como professor de inglês. Sou norte-americano nato, resido há 7 meses em Brasília e tive a satisfação de ter o primeiro curso de inglês no Plano Piloto. Entre os meus alunos conta-se o Sr. Deputado André Franco Montoro, que me falou no seu possível interesse pela língua inglesa.
À inteira disposição de V. Exa., no endereço abaixo, firmo-me atenciosamente,
(a) Saul J. Marcus"
O Presidente respondeu nos seguintes termos:
"Prezado Sr. Saul J. Marcus
Saudações
Agradeço os serviços que me oferece na condição de professor da língua inglesa. Não preciso, contudo, dessas aulas, até porque todos me entendem quando me expresso em inglês.
Minhas dificuldades são outras: nem todos me entendem na língua portuguesa, o que leva muita gente às interpretações mais extravagantes e desabusadas do que digo ou escrevo, e, aí, o Sr. não poderá ajudar..."

Bang

Depois de comunicar ao Presidente ser ele sócio honorário do Club Estern de Cinema, de Salvador – Bahia, os diretores da entidade - prof. Adroaldo Ribeiro Costa, Bel. Luiz Eugênio Tarquinho, Bel. Ary Guimarães, Dr. José Berbet de Castro e Bel. Rômulo de Almeida - informaram "que nesse negócio de cinema parece que há mais bandidos que artistas!" E explicam a odisséia do clube: começaram bem, exibindo os filmes de "mocinho", com os seus tradicionais "bang-bangs", mas de uns tempos para cá uma entidade denominada Associação Brasileira de Cinematografia, dirigida por Harry Stone, proibiu - ao que dizem - o aluguel das películas, apesar dos apelos que lhe foram dirigidos pelos interessados.
O presidente Jânio Quadros, ante o documento, exarou o seguinte despacho ao seu secretário particular:
- Aparecido: veja quem é o bandido nesta história, e BANG!


Noticiário
Este bilhete provocou uma das mais sérias reações contra o Governo Federal. Foi através dele que a Rádio Jornal do Brasil se viu suspensa por três dias. Pela primeira vez se punha em prática antigo preceito legal que figurava como letra morta no papel:
"MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Excelência:
1) No noticiário das 7:55h no dia 3 do mês corrente, a Rádio Jornal do Brasil transmitiu notícia inverídica, com dois aspectos gravíssimos:
a) envolvendo as relações entre o nosso País e outro Estado Americano;
b) podendo provocar intranqüilidade nas Forças Armadas.

2) Em conseqüência, adote Vossa Excelência as providências necessárias para suspender aquela Emissora por três (03) dias.
(a) J. Quadros - 05.06.1961"


Tito

Tinha o Presidente da República conferenciado com o Embaixador da Iugoslávia. Minutos depois, na sala ao lado, percebeu ele que, pelo telefone, alguém se anunciava a um seu oficial de gabinete como Tito.
- Tito? Que Tito? - perguntou o Presidente.
- Já está aí?
Tito era um fotógrafo que conversava com o auxiliar do Presidente.




Homenagem

O Maestro Archando Manzo, de São Paulo, enviou ao Presidente, uma música de sua autoria, como homenagem. Recebeu de Jânio Quadros o seguinte bilhete:
"Maestro:
Recebi o seu "Dobrado", com o meu nome. Muito obrigado. Constituiu para mim, creia, motivo de satisfação.
Não entendo de notas musicais. Meu conserto é outro. Com "S". E ainda que aprecie imensamente os com "C", o "S" dos meus consertos, na maior das vezes, depende de traços verticais em seu centro...
Vou enviar o dobrado "Jânio Quadros", de sua autoria, a uma das nossas gloriosas corporações musicais militares. Observo que o "Jânio Quadros", afinal, não é assim tão barulhento.
...
Felicidades, meu amigo. E muito obrigado uma vez mais.
(a) J. Quadros"

Beleza

Ao passar pelo Maranhão, ouviu a crítica segundo a qual era muito feio para ser Presidente da República. Jânio Quadros explicou à eleitora:
- Mas minha senhora, nós não estamos num concurso de beleza.

Imperador
Jânio Quadros caminhava pelos corredores do Palácio do Planalto quando foi abordado por um auxiliar, dos mais bajuladores.
O funcionário começou a fazer comentários sobre Napoleão Bonaparte, tentando criar uma semelhança entre o imperador francês e o Presidente.
Incomodado, Jânio deu logo o corte: - Por falar em Napoleão, onde será que deixei meu cavalo branco?


Em posição de sentido

O telex do gabinete do Presidente transmitiu:
"Uma mensagem para o Exmo. Sr. Presidente. Posso passar?"
Resposta de JQ: "Pode"
Mensagem:
"Sensibilizado, agradeço a V.Exa, as felicitações pela passagem do meu aniversário. Respeitosas saudações. General Nilo Guerreiro, Comandante da Segunda Região Militar."
E perguntou o operador do telex:
"Quem recebeu? Foi transmitido pelo sargento Gonçalves."
JQ, então respondeu pelo telex:
"Obrigado, sargento. É o próprio Presidente. Jânio Quadros."
E o telex, mais que depressa:
"Muito grato, Excelência. Estou em posição de sentido!" ...





Colega

O próprio presidente Jânio Quadros, às vezes transmitia seus bilhetinhos para os ministros por meio do aparelho de Telex que mandou instalar em seu gabinete, ligado diretamente com os Ministérios em Brasília e no Rio de Janeiro. Ele mesmo datilografava os "memorandos".
Transmitiu ele um bilhete para um ministro e na mesma hora recebeu a seguinte resposta, pelo telex:
"Prezado colega. Não há mais ninguém aqui."
Ao que o presidente respondeu:
"Obrigado, colega. Jânio Quadros."
Do outro lado do fio, porém, o outro não se perturbou:
"De nada. Às ordens, John Kennedy..."







RENÚNCIA, SEMPRE A RENÚNCIA

Na intimidade, Jânio suportava conversar sobre a renúncia, assunto explosivo se provocado em público ou em ambiente com muitas pessoas. Um dia, aos próprios amigos, que insistiam em fazê-lo confessar algo mais do que a explicação que dava, respondeu com surpreendente calma:
- A verdade sobre a renúncia vocês já sabem. Se quiserem ingressar na ficção, conversem com o Vladimir Toledo Piza, que tem mais de dezoito versões. Escolham uma delas.






FRASES

"De que importam as legendas neste país? O que significam elas? Têm conteúdo programático, ideológico ou filosófico?"
Jânio, sobre os partidos, em 01/11/1981


"O trabalhador que me elegeu, humilde e sofredor, não me sujeita a qualquer partido, a qualquer indivíduo. Sujeita-me tão só e exclusivamente ao bem comum."
Sobre sua relação com os partidos, em 1954


"Senhor presidente. Se a providência na sua misericórdia houver por bem dar alento, saúde, aqui estarei no final do mandato para transmitir, ao sucessor que o povo m der, os símbolos da autoridade."
Ao receber a faixa presidencial das mãos de Juscelino Kubitschek, em 31/01/1961


"A conspiração está em marcha, mas eu não vergo."
Sobre a elaboração de um manifesto contra sua política externa, em 25/08/1961


"Falei em forças terríveis, porque ocultas não foram."
Em entrevista ao Pasquim, em 1979

"Disse aos que me cercavam: não nasci presidente, nasci livre e com consciência. E fui para casa."
Sobre a renúncia, em 25/08/1976

"Eu fui presidente do Brasil e falhei."
Em entrevista ao "O Globo" em 09/08/1968
Se eu tivesse repartido o governo, teria ficado não cinco, mas dez anos na Presidência da República."
Sobre a Renúncia, em 08/08/1980


"Minhas memórias não virão tão cedo pelo menos enquanto alguns cavalheiros estiverem vivos."
Em 29/03/1983

"Vivo um desquite permanente com o poder."
Em 02/09/1987
"Quero me livrar disso logo."
Sobre a política, em 02/09/1987


"Estou pronto a colaborar se a nação reencontrar-se a si mesma."
Após desistir de concorrer à Presidência, em 05/06/1989


"Não mudo minhas decisões jamais. Nem se Deus me pedisse pessoalmente."
Em 16/11/1988


"Já prestei todas as declarações possíveis sobre isso. Quem afirmar que eu tenho depósitos fora pode ficar com eles. Faço uma declaração de doação."
Sobre a denúncia de que teria contas no exterior, em 18/08/1989


"Não tenho nada a ver com esse rapaz."
Sobre o candidato Fernando Collor de Mello, em 05/06/1989


"Sobre mim inventaram de tudo, até que atravessei o Mar Egeu nadando."
Em 06/04/1989


"Não tenho nada a ver com a opinião pública. Não tenho nenhuma satisfação a dar."
Em Nova York, sobre sua ausência da Prefeitura, em 25/11/1988


"Se a democracia correr perigo, saio candidato."
Sobre a possibilidade de disputar a Presidência, em 22/11/1989


"Dos meus concorrentes, o único que tem programa é o Silvio Santos."
Em 11/03/1989


"Eu não posso impedir que velhinho nenhum, apoiado em bengala, seja candidato."
Sobre a candidatura de Ulysses Guimarães à Presidência, em 25/01/1988


"Apoio Ulysses Guimarães para presidente mesmo que tenha que sair das sepulturas."
Em 14/11/1988


JÂNIO E A RENÚNCIA - VÁRIAS EXPLICAÇÕES

"No documento (da renúncia), acusei as "forças terríveis" que me pressionaram. Lembro-o porque as "forças ocultas", que me foi atribuída, corre por conta dos interesses dos grupos que castiguei, procurando rasgar outros rumos, locais e cristãos, para a nossa pátria. Essas forças, às vezes, poderiam aparecer mascaradas, mas ocultas não o eram. Não quis, no meu benefício, rasgar a Constituição – embora anacrônica – dissolver o Congresso – embora deformado pela lei eleitoral e quase inoperante – lançando nosso povo à inevitável guerra civil. Sacrifiquei-me sem hesitações."
Carta ao General Castelo Branco, em 1964


"Há quem diga que eu estava embriagado (quando renunciou). Eu passei sete meses em Brasília tomando ocasionalmente cerveja e vinho nacional no almoço."
Agosto de 1976


"Porque, ó Deus do Céu, todos os lobos saíram do covil para me morder na planície (sic) e eu já não estava lá em cima."
Sobre as infâmias que sofreu depois da renúncia


"Governar, então, no regime que me elegeu, dando-me, na vice-presidência, ao mesmo tempo, um adversário que era inimigo, era jogar nos dados a honra da República e de seus filhos."
Novembro de 1978


"Se houve golpe, eu não o comuniquei a nenhum militar. A Presidência da República não me deu nada. Pelo contrário: andou me tirando. Lá furtaram-me um terno, uma camisa e um par de sapatos."
Fevereiro de 1978


"Deixei o governo porque não podia ser presidente. Como podia governar com o embaixador americano ameaçando-me em meu gabinete, pedindo uma brigada para invadir Cuba."
Universidade Mackenzie, em agosto de 1982
"Renunciei porque não gostava da comida do Palácio."
Disse J. Quadros aos berros, em setembro de 1982


"Por alguns segundos pensei em fechar o Congresso. E ter-me-iam bastado um cabo e dois soldados."
Agosto de 1985

"Eu só tomei conhecimento disso (que a Câmara ia transformar-se em Tribunal Regional de Inquérito) quando cheguei ao Palácio, cerca das sete horas da manhã. Então tinha duas hipóteses: 1) fechava o Congresso, o que seria fácil, mas teria conseqüências imprevisíveis. 2) renunciava ao poder, já que tinha tido a minha autoridade alcançada. Cair à frente do Congresso Nacional de joelhos eu nunca faria, porque significava abrir o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal à voracidade da politicalha que (ele, Jânio da Silva Quadros) vencerá nas eleições."
Agosto de 1985

"Renunciei porque entendi que não podia cumprir meu dever. De maneira que foi o mais nobre e altruísta gesto da minha vida, que irá me consagrar como um êmulo de Deodoro da Fonseca e de Rui Barbosa."
Agosto de 1986


















Epidemia

Prefeito de São Paulo, 1986, Jânio Quadros notou que o Departamento Médico estava concedendo licença a granel. Irritado, Jânio publicou o seguinte bilhete no Diário Oficial do Município:
"Sr. Secretário:
Verifique se há alguma epidemia que acomete o
funcionalismo público municipal.
(a) J. Quadros"




Opinião importante

Jânio Quadros em uma de suas viagens a Londres, para um turismo de observação (projetos especiais para a cidade de São Paulo, ex.: ônibus, obras e garagens). Retorna ao Brasil com a barba crescida semelhante a usada pelo presidente norte-americano Abraham Lincoln, a quem sempre admirou.
O jornalista da Folha de São Paulo, Paulo Cerciari, elogiou Jânio Quadros:
- Presidente, o senhor fica bem de barba!
Jânio deu alguns passos, parou, pensou e disse:
- O senhor acha? Eloá também gostou. E continuou a caminhar. Não satisfeito, para e complementa:
- Só que a opinião de Eloá é mais importante do que a do senhor.
Boas gargalhadas foram dadas pelos jornalistas que ali estavam a espera do ex-presidente Jânio Quadros.



Banana

Na eleição para a Prefeitura de São Paulo em 1985, contra o hoje presidente Fernando Henrique Cardoso, Jânio Quadros usou quase todos os truques que aprendeu em sua vida política.
Janista histórico, o ex-vereador Aurelino de Andrade convidou Jânio para ir ao populoso bairro de são Miguel Paulista, na zona leste da cidade.
A visita começou com uma feijoada acompanhada de caipirinha na casa da irmã de Andrade. No final, Jânio não resistiu e pediu uma cama para cochilar. Jânio acordou, já atrasado, às 18 horas. Levantou, vestiu o terno amarrotado e, para surpresa de todos, pediu uma banana, que colocou no bolso.
No início do comício, Jânio Quadros falou:
- Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu não. Desde as 7 horas da manhã estou caminhando por este bairro e até agora não comi nada. Então, com licença.
Jânio tirou a banana do bolso e a devorou, sob ovação da massa.





SEM EXCEÇÕES

Uma das entrevistas de Jânio Quadros à Rádio Bandeirantes de São Paulo, comentando sobre sua vida política pós-renúncia.
O jornalista José Paulo de Andrade teceu comentários a respeito de seu desafeto, Sr. Carlos Lacerda, no episódio em que Jânio teria colocado a bagagem do então governador da Guanabara na rua, Jânio confirma, descreve e argumenta:
- Vejamos, abrir uma exceção ao governador em questão, abriria também para outros governadores, prefeitos de cada capital e seus vereadores, deputados estaduais e deputados federais, prefeitos de todos os municípios brasileiros como também os vereadores. Tenho a nítida impressão que o Palácio seria uma grande estalagem ou um grande hotel, por isso coloquei seus objetos pessoais na porta do palácio, pois abriria uma perigosa exceção como se lá fosse a Meca brasileira.






DEPOIMENTOS:

-”Jânio foi importante para a história do Brasil, pela carreira política sempre fortalecido no voto popular. Dos presidentes que conheci, foi de longe o mais inteligente e o mais estadista, embora em cultura geral e em amor pela coisa pública.”
Saulo Ramos (ex-ministro da Justiça e amigo pessoal de Jânio Quadros).



-”Jânio foi o protagonista de um dos mais importantes episódios da história política do País; a chamada revolução pelo voto. Ele havia sido um bom governador de São Paulo. Quando foi eleito, o sentimento de mudança era profundo. Sua renúncia frustrou todo esse sentimento.”
Mário Covas (ex-governador do Estado de São Paulo)

-”Foi uma personagem que preencheu, num dado momento, um vácuo a partir da política de São Paulo. Não mais que isto. Preencheu um vazio na vida brasileira que se gerou com a morte de Vargas. Mas teve uma experiência fugaz. Aqueles sete meses foram muito passageiros.”
Leonel Brizola (ex-governador do Rio de Janeiro)

-”Jânio Quadros foi o precursor da modernidade no Brasil. Ele foi o primeiro a falar em equilíbrio orçamentário, austeridade, rigor nas contratações do serviço público, nos gastos públicos, bandeiras até hoje usadas. Os discursos de hoje são repetições do que Jânio falava há 30 anos: reforma administrativa, redução do déficit público e defesa da desestatização.”
Gastone Righi (deputado federal/PTB-SP)

-”Jânio refez a linguagem política. Ao invés da palavra e do argumento, agora manejava símbolos e emoções... (sic) Pena que essa capacidade tenha sido pouco utilizada em benefício do povo, que ele soube manipular como ninguém.”
Fernando Henrique Cardoso (presidente da República/PSDB-SP)


-”Presidente dinâmico e honesto, que sabia trabalhar de igual para igual. Um dos donos do mundo, recusando ostensivamente, se necessário, suas pretensões políticas e econômicas.”
Oscar Niemeyer (arquiteto)


-”É aquele que poderia ter sido e não foi.”
Darcy Ribeiro (antropólogo e senador)




-”Ele inaugurou um novo tempo. Na política, na linguagem e na comunicação. Ele lutou para colocar o Brasil no primeiro plano mundial. Jânio se elegeu derrotando não só os partidos dominantes, mas a maioria dos deputados e senadores. É o único na história contemporânea que só foi mandatário do povo”.
José Aparecido de Oliveira (ex-governador do Distrito Federal e ex-secretário particular de Jânio)


-”O presidente Jânio Quadros teve duas marcas: a força de uma liderança carismática sem paralelo no País com o poder mágico de comunicação com a massa e a pobreza de estadista que o levou à renúncia.”
Cláudio Lembo (vice-governador de São Paulo) é o único político que conhece com profundidade a história das ”cartas-renúncia” da capital da República; desde Jânio Quadros, Auro de Moura Andrade e João Belchior Marques Goulart.

- ”Analisar Jânio é tentar verificar o que estava verdadeiramente por trás de palavras, gestos e entonações. Sempre soube dominar de maneira inteligente os recursos comunicacionais de que dispunha. Um verdadeiro artista.”
Geraldo Alckmin ( Governador do Estado de São Paulo)









CAFÉ NÃO SE TROCA!
Saulo Ramos era jornalista em Santos, mas jornalista verdadeiramente militante em "A Tribuna", o jornal de maior circulação na cidade. Fazia de tudo, reportagens, noticiário geral, polícia, cais do porto, crônicas sociais, política, comentários econômicos, era uma espécie de coringa que a secretaria do jornal usava para qualquer assunto.
Jânio era prefeito de São Paulo e freqüentava o Guarujá, onde o velho Gabriel, seu pai, tinha uma casa de praia.
Jânio e Saulo se conheceram porque, no Guarujá e nas manhãs de Sábado, ambos costumavam tomar caipirinha no bar do posto de gasolina do Viola, não tanto pela qualidade da bebida, mas pelos irresistíveis quibes caseiros feitos pela mãe do Viola, dono do posto e bom de papo na hora do aperitivo de praia.
Firmou-se a amizade pelos anos que se seguira, mas a fama de Jânio afastou-o do bar do Viola. Os encontros entre Jânio e Saulo passaram para as respectivas residências, já que a intimidade o permitida.
Eleito governador de São Paulo, Jânio lembrou-se de uma das facetas de Saulo, um estudioso da economia cafeeira, na época a maior fonte de divisas e de riquezas do País. Basta lembrar que o Brasil exportava anualmente 4 bilhões de dólares, dos quais 2 bilhões e 800 milhões eram gerados pelo café.
Saulo conhecia os problemas do setor; desde a produção – pois nascera no interior e vivera intensamente as questões ligadas à lavoura de café (seu pai era cafeicultor) – até a comercialização no Porto de Santos, o maior exportador do produto, pois o jornalista de "A Tribuna" teve que aprender tudo sobre a atividade econômica em torno do produto para escreve com segurança seus comentários no maior jornal de Santos.
São Paulo, na época o maior estado produtos de café, tinha grande influência sobre o governo federal e impunha as diretrizes econômicas da política cafeeira. Difícil era conciliar os interesses conflitantes entre lavoura, comércio e exportação.
Saulo tinha noção segura sobre a forma de harmonizar os conflitos dos setores. Jânio sabia disto. Convidou Saulo, que não aceitou, a participar do governo estadual como assessor para assuntos do café. O jornalista estava se formando em Direito, não pretendia envolver-se em política. Mas ficou à disposição do amigo para debater, sempre que necessário, as questões ligadas à economia cafeeira.
Carvalho Pinto era secretário da Fazenda e promoveu uma reunião com as lideranças da lavoura, comércio e exportação, na presença do governador, a fim de colher elementos para definir as reivindicações do governo de São Paulo perante o governo federal.
Jânio ouviu atentamente todos os setores. Recolheu atentamente as exposições de cada setor, todas escritas, enfiou-as numa pasta e disse ao professor Carvalho Pinto, diante do olhar admirado das lideranças cafeeiras: - Eu mesmo estudo isto.
Duas horas mais tarde a pasta estava sobre a mesa de Saulo Ramos, em Santos. E alguns dias depois Jânio reconvocou os líderes e fez longa exposição sobre qual seria a posição de São Paulo, criticando os exageros das reivindicações dos cafeicultores, a falta de objetividade das sugestões dos exportadores e frisando que todos os problemas do café somente poderiam ser resolvidos através de uma reforma cambial com a eliminação gradativa do confisco.
Sucesso total, que deixou o professor Carvalho Pinto emudecido diante dos conhecimentos de Jânio à respeito daqueles problemas, que os políticos em geral achavam complicadíssimos.
Eleito Presidente da República, Jânio chamou Saulo ao apartamento de Abreu Sodré, em São Vicente e disse:
- Agora você vai comigo para Brasília, assessorar-me na política do café. Não desejo mais ser boneco de ventríloquo.
Saulo aceitou, sob condições: liberdade para escolher o Presidente do IBC, total liberdade para o planejamento da economia cafeeira, sem interferências dos ministros da Fazenda e da Indústria e Comércio, e reforma cambial para a eliminação do confisco.
O Presidente eleito concordou, pois ainda não havia convidado os ministros mencionados e, quando o fez, Clemente Mariani para a Fazenda, Arthur Bernardes para Indústria e Comércio, declarou que a política do café seria conduzida pessoalmente pelo Presidente da República. Os ministros aceitaram, até com certo alívio. Mariani, banqueiro baiano, não desejava participar daquela verdadeira guerra de paulistas, paranaenses e mineiros. Bernardes, como bom mineiro, desejava ser ministro da Indústria e Comércio, sem as complicações intrincadas do café.
Saulo escolheu o ministro (do Itamaraty) Sérgio Armando Frazão para Presidente do IBC, rompendo a velha tradição de entregar autarquia ora a um fazendeiro de café, ora a um representante dos comerciantes ou exportadores. Inaugurou a experiência bem sucedida de considerar o café como assunto de política externa, conduzida com a participação de diplomata.
Com a reforma cambial pela resolução 204 da Sumoc, Jânio cumpriu a promessa: autorizou a edição da resolução 205, também da Sumoc, redigida por Saulo, Frazão e Octávio Bulhões, então presidente da Superintendência d Moeda e do Crédito.
Foi assim, extinto o confisco cambial sobre as exportações do café e criada a quota de contribuição, destinada a ser gradualmente eliminada, embora seus rendimentos fossem exclusivamente investidos na economia cafeeira. Com a renúncia de Jânio, a eliminação gradual da quota de contribuição foi abandonada pelos governos que se seguiram e transformou-se, ela própria, em novo confisco cambial.
Embora o Brasil, em 1961, estivesse com perigosa superprodução de café (40 milhões de sacas), a dupla Saulo-Frazão conduziu uma política que deu excelentes resultados, mas exigiu um trabalho indescritível.
Com a execução desta política, de defesa do preço, pressionado para baixo pelo excesso do produto, o governo de Jânio conseguiu exportar cerca de 18 milhões de sacas e aumentar sensivelmente a receita de divisas com a exportação de café. Nos sete meses de governo Jânio o PIB cresceu 9,2%, graças aos recursos irrigados internamente pelo café exportado.
Um belo dia surgiu, no Planalto, um deputado paulista da então UDN propondo a Jânio um negócio fabuloso para o País... A Espanha pretendia trocar alguns milhões de sacos de café por navios, de fabricação espanhola, destinados à navegação de cabotagem nas costas marítimas brasileiras, oferta que fascinou os governadores do Nordeste.
Pressionado e também fascinado pela mirabolagem da operação, Jânio pediu a Saulo parecer sobre a proposta. O parecer foi contrário.
Jânio chamou Saulo ao seu gabinete e o bate-boca foi histórico:
- Desencalhamos milhões de sacos de café de nossos custosos estoques, recebemos navios de que necessitamos demais e você diz que não pode! Por acaso você pegou o vírus dos burocratas? - disse Jânio aos gritos.
- A Espanha consome duzentas mil sacas de café por ano. Não vamos esperar que ela seja boazinha de estocar, por nós, alguns milhões de sacas para consumir ao longo dos próximos anos, mesmo porque a estocagem é cara e o café perecível, envelhece, perde qualidade com o tempo. Logo a Espanha vai revender o café que receber e com o abatimento do preço, o abatimento que faria se comprássemos os navios a dinheiro. O resultado será catastrófico, porque o abatimento no preço do café provocará uma queda no mercado internacional e atingirá, por óbvio, toda a nossa exportação. Café não se troca; vende-se.

Jânio não se conformou. Disse que faria a operação, que obrigaria os espanhóis a assumirem o compromisso de não revenderem e, se acaso o fizessem, os preços teriam de obedecer às cotações internacionais. Desfilou uma série de ingenuidades que os intermediários do negócio haviam enfiado em sua cabeça. E disse que autorizaria a operação, a despeito do parecer contrário.
- Se Vossa Excelência autorizar a operação, terá que deferir o meu pedido de exoneração no mesmo dia ¬- disse Saulo.
- Pois defiro-o antes. Apresente o pedido a Chico Quintanilha e peça-lhe para despachar comigo tão logo eu voltar da reunião de governadores do Nordeste, para onde vou hoje. Passe bem.

Saulo saiu do gabinete presidencial e redigiu o pedido de demissão. Jânio foi para o Nordeste para uma de suas célebres reuniões com governadores, às quais levava o ministério, deslocava a sede do governo, fazia espetaculares movimentações. E na pauta desta reunião estava a reivindicação dos governadores nordestinos interessados na operação espanhola que lhes daria os cobiçados navios de cabotagem.
Saulo entregou o pedido de demissão ao chefe da Casa Civil, Francisco Quintanilha, que sorriu e comentou:
- Até parece que você não conhece o Jânio. Pode levar de volta este pedido, antes que algum jornalista tome conhecimento. Espere o homem voltar do Nordeste.

No dia seguinte, Saulo encontrou sobre sua mesa um bilhete de Quintanilha (era o governo dos bilhetinhos) com o exemplar de um jornal do Nordeste, que estampava na manchete: "JÂNIO: CAFÉ NÃO SE TROCA!"
No texto da notícia vinha toda a observação do parecer de Saulo, com enérgicas advertências do presidente contra o perigo de operações desastrosas para a economia geral do País.
Ao voltar do Nordeste, dia seguinte cedo, Jânio saiu do elevador, no Planalto, e, contrariando o costumeiro rumo, tomou a direção da esquerda. Dirigiu-se para a sala de Saulo. Abriu a porta e o amigo, que estava estudando alguns processos, levantou-se:
- Saulo, meu bem, leu os jornais do Nordeste?
- Li.
- Gostou?
- Claro.
- Que gente maluca! O deputado, aquele 1, voltou no meu avião inconformado, metendo o pau em você. Creio que ele deixou de ganhar uma gorda corretagem. Se era pelo café, amargou; se era pelos navios, naufragou. Essa gente não tem o menor espírito público. Venha ao meu gabinete. Vamos trabalhar.

Obs.:*1- O deputado era Herbert Levy, da UDN de São Paulo, e que, a partir de então, passou a odiar Jânio e Saulo.


TROCADILHOS DE GOSTO DUVIDOSO

Governador de São Paulo, Jânio foi a Santos, cidade em que tivera péssima votação para aquele cargo. Desejando prestigiar um dos seus líderes locais, fez uma visita à residência do deputado Athiê Jorge Coury. Mostrando-se admirado pelo bom gosto das pelas da casa, Jânio dirigiu-se a Athiê, que havia sido goleiro do Santos Futebol Clube.
- Athiê, meu bem. Que casa linda! Diga-me, sinceramente, você a ganhou pelas bolas que defendeu ou pelas que deixou entrar?
Algumas risadas, que não conseguiram quebrar o mal estar. Quando saiu, convidou seu amigo Saulo Ramos para ir com ele no carro oficial.
- Que brincadeira infeliz - disse Saulo, que nunca transigiu com o mal gosto e cultivava uma dura sinceridade. Jânio, por isto, costumava chamá-lo de "o irreverente", e admitiu:
¬- É verdade, meu caro irreverente. Você tem razão. Pobre do Athiê, um bom homem e honesto. Foi bola fora. Ainda bem que ele não deu bola.


Algemas

Jânio, Presidente da República, telefonou, ele próprio, para o Coronel Salema, na época Comandante da Base Aérea de Santos e aos berros ordenou:
- O Saulo Ramos está aí, em Santos. Emendou o fim de semana. Deve estar em alguma praia. E aqui, Em Brasília, todos nós precisando dele, o Governo e o País. Temos problemas a serem debatidos e precisamos da cabeça desse irreverente. Prenda-o, Coronel, e traga-o imediatamente para a capital da República. Se preciso, algeme-o. Ponha seu avião na pista e traga-o. É uma ordem!
O Coronel Salema, hoje Brigadeiro reformado, amigo de Saulo há muitos anos, entrou em pânico. Foi à casa de Saulo e o encontrou, comunicando a ordem do Presidente.
- Calma, Coronel - disse Saulo – amanhã irei para Brasília, hoje não. Volte para a base e diga que me deu o recado. Aproveite para informar ao Presidente que a Aeronáutica não tem verba nem para algemas.
No dia seguinte, Saulo entrou no gabinete de Jânio e ouviu:
- Não se respeita o Presidente da República neste país? Queria você aqui, ontem!
- Mas a reunião é hoje!
- Não importa. Tínhamos que conversar antes, com calma. E que história é esta sobre as verbas da Aeronáutica, que nem algemas pode comprar?
- Veja, Jânio, se a Aeronáutica não tem verbas sequer para algemas, o que pensar sobre a manutenção de seus aviõezinhos. Você voaria em um deles?
- Fez bem de vir hoje.


Competência

Em 1961, o Presidente da República tinha uma certa competência legislativa exercida através de Decretos, graças à Constituição de 1946. Saulo Ramos incentivou muito Jânio a usar de tal competência, inclusive cometendo algumas inconstitucionalidades, até hoje não contestadas. Não era difícil provocar o entusiasmo de Jânio que, excessivamente inteligente, captava rapidamente idéias novas, sobretudo se fosse de interesse público.
Assim, Jânio e Saulo, numa conversa a sós, sem palpiteiros, discutiram longamente um decreto em defesa da ecologia e do meio ambiente, assunto desconhecido e misterioso, inclusive no exterior. Os dois, porém e atrevidamente, soltaram a imaginação e o pensamento criativo, concluindo que era preciso regulamentar a defesa do meio ambiente.
- Redija hoje, que eu assino amanhã! Hoje, sem falta, mas inclua tudo o que discutimos
- Mas hoje é sábado e amanhã é domingo. É preciso colher a assinatura do Ministro da Agricultura para referendar o decreto. E talvez de outros Ministros.
- Não interessa. Quero o decreto amanhã. Talvez seja o domingo o dia em que os brasileiros menos estragam a natureza. Um bom dia para assiná-lo.
Claro que somente recebeu a minuta na segunda-feira e ele próprio, com estremo entusiasmo, redigiu muitos dispositivos. Editou-se o Decreto n° 50.877, em 29 de julho de 1961, um dos primeiros atos normativos, em favor do meio ambiente, editados no mundo! Para se ter a idéia do pioneirismo, a lei de proteção às águas, na Itália, foi editada muito depois, é de 1976. No Canadá, a norma equivalente é de 1970 e na Suécia, é de 1969.
Na Bélgica e Holanda, o direito positivo passa a editar normas ambientais, sobretudo relativas à defesa das águas, na década de 1980, embora a Holanda tenha tratado, em lei, da poluição das águas em 1969 e a Bélgica em 1971.
A França, que costuma se antecipar às legislações européias, surgiu com o regramento ambiental somente em 1971 – Lei 76-633, de 19 de julho.
Na Alemanha, a lei federal, que apenas sugere precauções para evitar efeitos prejudiciais ao ambiente, é datada de 15 de março de 1974, aperfeiçoada pela lei de proteção às águas em 1976. No Japão, a disciplina legal para a punição dos crimes "relativos à poluição ambiental com efeitos adversos sobre a saúde das pessoas" é de 1970.
Nos Estados Unidos, as normas de proteção às águas datam de 1972 e, na Suiça, de 1971.
Na Argélia, a legislação ambiental é de 1983, quando a lei 83-03, cuida da poluição das águas, proibindo o "lançamento de substâncias sólidas, líquidas ou gasosas, agentes patogênicos, em quantidade e em concentração de toxidade suscetível de causar agressão à saúde pública, à fauna e à flora ou prejudicar o desenvolvimento econômico" (art. 99). Como se vê, o texto reproduz, vinte e dois anos depois, a norma brasileira, editada por Jânio quadros em 1961.
Na Inglaterra, centro de tantos movimentos ecologistas, a lei de Controle da Poluição surgiu somente em 1974 e cuida, sobretudo, de descarga e efluentes industriais nos esgotos públicos (art. 43), embora passe pela poluição atmosférica (art. 75) e pela poluição acústica (art. 57 a 74).
Impõe-se registrar, pela importância e pela larga previsão, o Decreto n° 50.877, de 29 de julho de 1961, do Presidente Jânio Quadros, dispondo sobre o lançamento de resíduos tóxicos ou oleosos nas águas interiores ou litorâneas.
O ato normativo de Jânio Quadros proibiu terminantemente a limpeza de motores de navios no mar territorial brasileiro e foi mais longe: regulou o lançamento "às águas de resíduos líquidos, sólidos ou gasosos, domiciliares ou industriais, in natura ou depois de tratados", permitindo-os somente quando "essa operação não implique na POLUIÇÃO das águas receptoras".
Neste decreto, a palavra "poluição" ingressou no direito positivo brasileiro com o sentido que tem hoje, diverso ou mais ampliado daquele adotado pelo verbo "poluir" do nosso Código Penal. Está definida pela própria norma em seu artigo 3°, verbis:
"Para os efeitos deste Decreto, considera-se poluição qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas das águas, que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações e ainda comprometer a sua utilização para fins agrícolas, industriais, comerciais, recreativos e, principalmente, a existência normal da fauna aquática."

Ironia do destino: quase trinta anos depois, Jânio Quadros era prefeito de São Paulo e Saulo Ramos Ministro da Justiça. Um dia Saulo visitou o ex-presidente. Entre muitos assuntos, lembraram do decreto ecológico. E lamentaram: se aquele decreto houvesse sido respeitado e aplicado, São Paulo não teria perdido os rios Pinheiro e Tietê.








O COMUNISTA

Governador do Estado de São Paulo, numa entrevista concedida à televisão, Jânio disse, referindo-se aos comunistas:
- Defendo-lhes os direitos; não lhes tolero os abusos.
Jânio não considera o problema comunista, como muitos, como um "caso de polícia". Não acha que os comunistas devam ser escorraçados, mortos, presos, perseguidos, sem direitos de espécie alguma. Por isso o chamavam de "comunista".





MORALIZANDO A POLÍCIA

Um preso foi espancado ferozmente na polícia e recolhido, em estado grave, ao Hospital das Clínicas.
Os jornais noticiaram o escândalo em manchetes sensacionais. No dia seguinte, o governador Jânio Quadros suspendia por 30 dias o delegado de polícia responsável pela repartição em que se dera o fato, abria sindicância e inquérito para apurar os responsáveis e, para dar exemplo, foi visitar pessoalmente o preso torturado pela polícia paulista.
Os jornalistas encontraram o governador à saída do hospital. Com os olhos marejados de lágrimas, punhos cerrados, falando com os lábios comprimidos, Jânio disse:
- Chorei de vergonha! Moralizarei esta polícia, custe o que custar!
Jânio Quadros mandou fazer um expurgo de todos os maus elementos dos quadros da polícia.


ENGOLINDO CONFETE

Num carnaval, Jânio foi à cidade de Santos. Como qualquer cidadão – fevereiro de 1955 – passou a noite num dos bailes carnavalescos, juntamente com a família. Uma dada hora, alguém pretendeu-lhe jogar confete. Mais tarde, Jânio fica sabendo teria dito que iria fazer "o governador engolir confete". Foi o bastante. Há uma discussão entre o folião e o governador. Tratava-se de um médico, funcionário do Estado. De volta à Capital, o governador do Estado demite o funcionário folião, pois que ele era interino. Os jornais fizeram um verdadeiro alarido sobre o caso. Jânio foi atacado acerbamente e o caso empolgou a opinião pública.
Numa entrevista concedida à televisão, fizeram uma pergunta ao governador Jânio Quadros a respeito do caso. Ele esclareceu o que houvera e afirmou:
- O folião quis alcançar a autoridade do governador do Estado, não o cidadão Jânio Quadros.
Posteriormente, o referido servidor recorreu da sua demissão, explicando o ocorrido e solicitando a sua volta ao cargo público. Jânio não teve dúvida em nomeá-lo novamente, despachando ao seu Secretário a ordem, acrescentando:
- Esse já pagou caro o erro.
O fato se deu com o médico Eugênio Sadocco, no Club XV de Santos.



SOLUÇÃO MORALIZADORA

Jânio Quadros, governador de São Paulo, mandou expurgar 12.000 motoristas de praça da Capital.
Todos os motoristas de praça que tinham maus antecedentes tiveram suas cartas de habilitação cassadas sumariamente. E, foram milhares de cartas de habilitação postas fora de uso, tal o número de indivíduos incompatíveis com as funções de servir à população, encontrados entre a classe.


SHANGAI

Numa ocasião de festividades públicas (desfile), o responsável pela referida festa, naturalmente, exigiu de todos os presentes traje de gala.
Jânio é avesso aos trajes de elite e foi com o seu sobretudo costumeiro, contrastando, evidentemente, com os outros convidados.
Daí a razão pela qual o cronista social Ibrahim Sued ter dito que o governador do Estado de São Paulo era "shangai".




ACERTANDO AS CONTAS

Loureiro Júnior (deputado federal do Partido Republicano Popular, genro de Plínio Salgado, ex-integralista) que foi ex-secretário da Justiça e que deixou algumas contas da sua administração para as quais o governador do estado solicitou a atenção do seu secretário, no sentido de responsabilizar o referido senhor. Este respondeu pela imprensa, ofensivamente à Jânio Quadros. O governador do Estado, pelo menos dessa vez, não perdeu a calma e, declarou, em resposta:
- Insultos não pagam dívidas e não regularizam contas.
E tornou a insistir no assunto com o seu secretário, a fim de que Loureiro Júnior prestasse contas dos gastos efetuados e que não estavam claramente comprovados.



RECORRENDO À IMUNIDADES

Com a falta de água na capital paulista, o senador-prefeito Lino de Mattos comprou briga com o governador do Estado, então afastado do cargo, para acompanhar o general Juarez Távora em sua campanha para presidência da República, obrigando Jânio a reassumir o seu posto no Palácio Campos Elíseos, a fim de reagir à altura contra a provocação, mas Jânio não o fez.
A reação de Jânio quase levou o prefeito Lino de Mattos para a cadeia, tendo que recorrer a um mandato de segurança para evitar sua detenção e, posteriormente, necessitou mesmo abandonar Prefeitura de São Paulo, renunciando ao mandato e voltar ao senado da República, onde suas imunidades o garantiriam de qualquer ação policial.









JÂNIO É UM LOUCO QUE SE JULGA JÂNIO

Lecionava Português e Geografia n Colégio Dante Alighieri. Bom professor, mas exigente: os cadernos dos alunos tinham de estar sempre em dia e bem cuidados. Certa vez, um estudante apresentou um caderno rabiscado e rasurado. O professor perdeu a paciência: - Retire-se. O aluno embaraçado fez menção de sair pela porta. O professor atalhou-o, ríspido: - Pela janela. O senhor não é digno de cruzar essa porta.


FRASE
do Deputado Silva Prado (PTN de São Paulo):

- Se com um olho Jânio já via longe, imagine-se agora com dois.


Título

Jânio Quadros, em Londres, para o Deputado José Henrique Turner:
- Meu caro Turner, já escolhi os dias de despacho com meus ministros em Brasília: sábado e domingo.


MISTÉRIO DO MINISTÉRIO

Especulação sobre o possível Ministério de Jânio; um de seus auxiliares mais próximos indagou:
- Presidente Jânio, como pôde escolher o senhor inimigos políticos entre amigos
Jânio reflete e diz:
- Para uma boa horta ou um belo jardim, há necessidade de um bom esterco.


COMENTÁRIO
de Jânio Quadros em Florianópolis:

- As filiais do PSP são boas. O que não presta é a matriz




BEBIDA E MORALIDADE

Durante a campanha ao governo do Estado de São Paulo, Jânio vai para Ribeirão Preto para solidificar sua candidatura naquela região, considerada de vital importância.
Ademar de Barros, também candidato, solicita a um repórter que vá lá com um único propósito: fazer uma só pergunta.
Jânio passeis pela cidade, discursa e atende os populares.
Depois é a vez da imprensa local, atende-os em todas as perguntas. Em determinado momento, o repórter encomendado por Ademar, parte para o ataque:
- O senhor sabe que a família interiorana é moralista e conservadora. Gostaria de lhe perguntar: por que o senhor bebe
Jânio parecia saber da indagação, e responde sem perder o bom humor:
¬Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.
Risos ecoaram pela cidade de Ribeirão Preto e o repórter, é claro, foi mandado embora.


DE JÃNIO E DE LOUCO TODOS NÓS TEMOS UM POUCO

Um dia é da caça, outro do caçador... (diz o dito popular).
Leon Eliachar fantasiado de caçador e Jânio a caça.
- Fui armado com nada menos de 37 telefones. Jânio não era encontrado em nenhum Mas estava em todas as tevês: milagres a videoteipes. Nunca seu tempo foi tão curto como nesta campanha. Quando nos encontramos de madrugada, chegou com hora e meia de atraso - comenta Leon.
- Desculpe ter chegado adiantado - Leon justifica-se buscando uma resposta atravessada do controvertido político Jânio.
A conversa foi rápida: toma lá, dá cá.
LE: - O senhor tem senso de humor
JQ: - Todos os homens supõem possuí-lo no mais alto grau e da melhor qualidade. Não faço exceção à regra. Devo reconhecer, entretanto, que um cigarro mofado me infelicita!
LE: - Se eleito Presidente da República, não acha mais conveniente trocar a "vassoura" por um "aspirador de pó"
JQ: - Aspirador de pó falha, às vezes. Tem direito a curto-circuito. Carece de personalidade. É provido de um receptáculo de proporções diminutas. O aspirador de pó não passa de um demagogo da limpeza. Não cumpre o que promete e faz e promete demais. Prefiro mesmo a minha vassoura velha, mas provavelmente fiel.
LE: - Se o senhor ganhar as eleições, que bilhetinhos mandará aos candidatos derrotados
JQ: - Vou ganhar as eleições. Não enviarei bilhetes a ninguém. O que espero é não enfrentar a continência de recebê-los, após o pleito.
LE: - Já pensou em distribuir os seus imitadores na televisão, para fazerem a sua campanha por todo o Brasil
JQ: - Não. Temo que me aliciem, que me subtraiam o eleitorado, colocando-me, afinal, na situação inconfortável de precisar discutir com as minhas próprias caricaturas. Se não aprecio o espelho, pela imagem melancolicamente insatisfatória que me devolve, imagine as dificuldades com que vejo meus imitadores.
LE: - A "Voz do Brasil" devia ser patrocinada pela Petrobrás
JQ: - A Petrobrás é uma coisa séria. A "Voz do Brasil" parece-me enfadonha. Às vezes, mostra-se útil, mas é raro. Como conceber que um programa docemente estático receba o patrocínio da empresa que desejamos sempre mais dinâmica
LE: - Do jeito que as coisas vão, não acha que ganharemos com o suor do nosso rosto o pão nosso de cada dois dias
JQ: - Infelizmente, não divido com seu otimismo. Do jeito que as coisas vão, acabaremos por não ganhar qualquer pão, preservado o nosso direito de suar à vontade.
LE: - Men insano in corpore SAM é o lema da juventude brasileira
JQ: - Aqui, não participo do seu pessimismo, nem leio pela sua gramática latina. Acredito na juventude, particularmente na brasileira. Descresse dela, a minha atividade restaria sem sentido, objetivo, inane e estulta. Convido-o a não impor lemas ao futuro na expectativa de que ele se revele generoso, à hora de compor os nossos epitáfios.
LE: - Só ESSO dá ao seu carro o máximo
JQ: - Não entendi pergunta. Pressinto-a sutil como o próprio interpelante. Resta-me pois, neste instante de perplexidade, o recurso à passagem de volta: só ISSO dá ao seu cargo o máximo
LE: ¬- Qual a sua bebida predileta: cuba-libre
JQ: ¬- Não gosto de bebidas doces, são traiçoeiras.
LE: - Leva muito tempo para despentear o seu cabelo
JQ: - Meu cabelo tem vida própria, economia própria, hábitos e caprichos que não discuto mais. Faz-me oposição intransigente, constante, comprometedora. Admite água e sabão. É, todavia, um rebelado contra o reacionarismo do pente, ao qual alude como a uma abominável força colonizadora.
LE: - Se eleito, colocará os pronomes nos seus devidos lugares
JQ: - Os pronomes não aguardam a minha eleição para que se coloquem nos seus lugares. Estão sempre neles. A boêmia dos verbos é que mutilam a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar. Não se desgrudam da idéia de movimento.
LE: - De Jânio e de louco todos nós temos um pouco
JQ: ¬- O prenome, tenho-o todo. De louco chamavam-me os que descriam dos programas que anunciei para a Prefeitura de São Paulo e para o Governo do Estado bandeirante. Cumpri os dois programas. Se duvidar, confira suas incertezas, colhendo o depoimento do povo. Um pouco Por que um pouco
LE: - Seu programa de governo será patrocinado
JQ: - Sim, e pelo povo brasileiro.
LE: - Por falar em Cuba: cada povo tem o açúcar que merece
JQ: - Não. Há os confinados ao açúcar amargo das rações insuficientes e há os que não dispõem de qualquer açúcar.
LE: - Opa, ia esquecendo: que acha da OPA
JQ: - Vou realizá-la.
LE: - Acha que a revolução de Cuba foi uma barbada
JQ: - Morreu tanta gente na revolução cubana, iluminada pela esperança de melhores dias para a Pátria a que todos tanto estremecem, que o movimento ainda hoje me emociona.
LE: - Dizem que o senhor é bom ator: será por isso que se interessa tanto pela classe teatral
JQ: - Se exprimo, persuasivamente, em tons de sinceridade, as idéias nas quais acredito e que almejo transmitir aos outros, aceito e agradeço que me inclua entre os bons atores. Interessa-me a classe teatral, pelas mesmas razões que me vinculam aos artistas, aos intelectuais e até ao repórter. Deixo a seu cargo, e não deixo muito a pesquisa do motivo.
LE: - Se quem tem boca vai à Roma, quem tem bigode vai à Rússia
JQ: - Nem a boca leva à Roma, nem o bigode conduz à Rússia, pelo menos, recorri a um "Mig".
LE: - O grupo do café anda querendo fazer média com o senhor
JQ: - Grupo, comigo, jamais funcionou. Quando estudante, saturei-me de médias. Como indivíduo e como político, não sei prescindir de café.
LE: ¬- Mais vale um helicóptero na terra do que dois voando
JQ: ¬- Sem dúvida.
LE: - O senhor tem esperança de chegar a JQ
JQ: - Já cheguei.
LE: - Qual será o seu slogan: 50 anos em 5 ou 5 anos em 60
LQ: - 5 anos em 5, mais o pagamento dos atrasados.
LE: ¬- Se o que faltava ao Brasil era capital, depois de Brasília o que falta
JQ: - Falta Brasília, para não falar do resto.
LE: - Há diferença entre nacionalismo, entreguismo e janismo
JQ: - Há. Nacionalismo é profissão de fé. Entreguismo é traição à Pátria. Janismo é o fenômeno de transformação de um homem, obviamente inferior ao seu destino, no símbolo da renovação que o povo há de obter.
LE: - Os Presidentes da República gostam de se deixar fotografar ao lado de índios para provarem que o Brasil está de tanga
JQ: - E a prova, acaso, alguém a reclama
LE: ¬- Não acharia mais justo trocar o "Ordem e Progresso" da bandeira por "O índio é nosso"
JQ: ¬- Não acho, não.
LE: - Acha que a indústria de automóvel é uma autopromoção
JQ: ¬- Acho que é promoção alheia.
LE: - Com quantas metas se faz um bom governo
JQ: - Metas não fazem um bom governo. Um bom governo realizará as que se proponha, ou as que os antecessores lhe deixem como acervo, como espólio, talvez com fadário.
LE: - Para ser Presidente é preciso muita divisa
JQ: ¬- Sou a demonstração de que basta ser reservista de terceira categoria.
LE: - O oval da ESSO é oval ou é aval
JQ: - Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. O Brasil é tão mencionado no seu questionário, quanto a ESSO.
Bolas, ele podia dormir sem ESSA. O tiro saiu pela culatra. Era o dia da caça.





O PRESIDENTE E A PROFESSORA

A velhinha octogenária olhou de relance a multidão à sua volta, baixou os olhos marejados de lágrimas e, emocionada, mal pode falar:
- Obrigada... Presidente Jânio!
Naquela manhã fria do Domingo curitibano, a professora Maria Estrela Carvalho recebia do chefe da Nação a Comenda da Ordem Nacional do Mérito.
Em 1925, na mesma escola onde agora se realizava a cerimônia – o Grupo Escolar Conselheiro Zacarias, na capital paranaense - ela ensinava o bê-a-bá a Jânio Quadros. Depois de trinta e seis anos (a mestra aposentada e o ex-aluno feito Presidente da República) os dois voltaram a se encontrar.
Foi a parte sentimental do roteiro de Jânio em sua visita ao Paraná onde inaugurou a Universidade Volante do Estado. Como fazia quando menino, Jânio foi até o grupo a pé. A professora mineira, na época com 79 anos de idade, evocava:
- Se não me engano, ele sempre vinha à escola acompanhado pela irmã.
Nascida em Volta Grande, no Estado de Minas Gerais e diplomada em Juiz de Fora, o casamento transferiu D. Maria Estrela para o Paraná, no ano de 1917.
- Jânio foi meu aluno em 1925 – conta ela acariciando a medalha. Lembro-me de que naquele tempo a família Quadros morava na rua 13 de Maio, no Centro de Curitiba.
A velhinha ajeitou cuidadosamente o chapéu e prosseguiu:
- O eu o caracterizava era uma atitude reservada e ponderada. Talvez por isto, entre tantos alunos que ensinei, me ficasse gravada a sua figura.
Depois de um ano, o Dr. Gabriel Quadros transferiu-se com a família para São Paulo e a professora Maria Estrela não teve mais notícias do antigo aluno. Um dia deteve-se examinando num jornal a fotografia do governador paulista e o reconheceu. Só em 1961, porém, tornaram a encontrar-se. Nem por isso D. Maria Estrela alterou seus sentimentos:
- Considerei sempre meus alunos como verdadeiros filhos, Jânio ainda é um deles.
No final da cerimônia, a professora voltou ao presente e dando conta de que ao seu lado não estava mais o menino de 1925, indagou:
- E a Tutu, como vaiI
O Presidente, sorrindo, informou:
- Vai bem! Já tem uma Tutuzinha!



CRISE REPUBLICANA

Golpe de 1891
Prometendo convocar novas eleições e fazer uma revisão na Constituição, Deodoro da Fonseca fecha o Congresso em 3 de novembro de 1891. Pressionado pela oposição é obrigado a renunciar vinte dias depois.

Guerra de Canudos
O líder messiânico Antônio Conselheiro funda no interior da Bahia o arraial de Canudos e defende a volta da monarquia. Depois de quatro expedições oficiais, a última delas enviada pelo Presidente Prudente de Moraes, em 1897, o governo consegue arrasar a cidade e matar Antônio Conselheiro.

Revolta tenentista
Na década de 20 explodem revoltas de militares insatisfeitos com as oligarquias da República Velha. Um de seus líderes é Luiz Carlos Prestes. Em 1924, os tenentistas tomam a cidade de São Paulo, mas são rechaçados por tropas do governo Arthur Bernardes.

Revolução de 1930
Nas eleições para a sucessão do Presidente Washington Luiz, Getúlio Vargas perde para o candidato governista, Júlio Prestes. Alegando fraude na votação, os getulistas promovem rebeliões em vários Estados até tomar o poder.

Suicídio de Vargas
No dia 5 de agosto de 1954, pistoleiros tentam assassinar o jornalista Carlos Lacerda, líder da oposição. Acusado de ter ordenado o atentado e pressionado por pedidos de renúncia, Getúlio Vargas suicida-se, no dia 24 de agosto (forças ocultas).

Renúncia de Jânio
Jânio Quadros assume a Presidência em janeiro de 1961. Condecora Che Guevara com a Grã-Cruz do Cruzeiro do Sul e, sem maioria no Congresso, enfrenta dura oposição a seu governo e às principais reformas. Renuncia em 25 de agosto (forças terríveis).

Revolução de 1964
Os militares depõem o presidente João Goulart em março de 1964. Em 1968, o Ato Institucional n° 5 fecha o Congresso e cassa o mandato de vários Deputados.

A morte de Tancredo
Tancredo Neves ganha a eleição para Presidente no Colégio Eleitoral, derrotando seu principal oponente, Paulo Maluf e em 1985. Morre antes de tomar posse e quem assume o governo é o vice, José Sarney.

Impeachment de Collor
Sem maioria no Congresso Nacional, isolado, Fernando Collor, envolvido em uma campanha de desmoralização, como aconteceu com Getúlio Vargas e Jânio Quadros, leva Fernando Collor a renunciar diante das "forças daltônicas" à Presidência da República. O Congresso Nacional recusa sua renúncia, porque havia um processo de impeachment contra o presidente Fernando Collor de Mello, o vice, Itamar Franco assume.


O LADO CARICATO DOS PRESIDENTES

O vaidoso
Campos Salles demonstrava preocupação excessiva com as roupas e a aparência pessoal. Seus inimigos o chamavam de "pavão" e baiacu" (um peixe quando tocado incha).

O dorminhoco
A conhecida sonolência de Rodrigues Alves desde que ele foi ministro da Fazenda de Prudente de Moraes, divertindo os caricaturistas que o retratavam de gorro e camisolão.

O azarado
Hermes da Fonseca tinha a fama de não ter sorte: "pé frio". Certa vez depositou o dinheiro de um empréstimo oficial num banco russo que foi encampado pela revolução socialista e nunca honrou o depósito.

O nepotista
O cearense José Linhares, que assumiu em substituição à Getúlio Vargas, em 1945, gostava de empregar a família no governo. Em três meses de mandato, nomeou tantos parentes que o povo dizia: "Os Linhares são milhares".

O dançarino
Juscelino Kubitschek merecia o apelido "pé-de-valsa". Adorava serestas e não era difícil que embalasse a noite toda, dançando até as 5 da manhã.

Domador de Massas
Ninguém na história deste País arrebatou multidões tão apaixonadas, mão levantadas em aplausos e tão plenas de esperanças quanto ele. Tudo era ao vivo. Suas maneiras de convencimento eram devastadoras. O comício era o grande cenário; ele, o próprio espetáculo. Ele foi o nosso primeiro e grande comunicador político a utilizar técnicas não convencionais. Carregava nos tons da voz, que levantava no exato instante os temas da paixão. Despertava o ódio, açulava a revolta, levando multidões ao delírio. Em seguida, suavemente dizia o que todos queriam ouvir: a mensagem salvadora. A multidão, aquele mar agitado, parava para escutá-lo, subjugada. Assim era Jânio da Silva Quadros.

O esportista
Fernando Collor de Mello andou de jet ski, comandou um avião de caça, pilotou uma Ferrari a 200km por hora. Também apareceu em público jogando futebol, vôlei, tênis e correndo.
O forreta
Fernando Henrique admite que é pão-duro. Antes das eleições de 1994, contou que não tinha óculos reservas, simplesmente, porque não gostava de abrir a carteira para pagá-los.


A atuação das esposas dos Presidentes revela a trajetória da mulher na sociedade brasileira. Eis algumas delas:

Ana Gabriela de Campos Salles – mulher de Campos Sales (1898-1902), sua preocupação eram os afazeres domésticos do Palácio do Catete.

Nair de Teffé – casada com Hermes da Fonseca (1910-1914), era avançada para o seu tempo. Jovem e elegante, estudou na França, tocava violão, freqüentava bares, foi a primeira mulher a trabalhar como caricaturista na imprensa brasileira, gostava de teatro e música popular, promovia saraus no palácio.

Darcy Vargas – desempenhou papel social importante no governo de Getúlio Vargas (1930-1945- e 1951-1954), criando instituições assistenciais como a LBA – Legião Brasileira de Assistência.

Sara Kubitschek – apesar de manter as aparências protocolares, enfrentou brigas com Juscelino Kubitschek (1956-1961). Companheira leal, mulher de pulso forte, jamais perdoou as aventuras amorosas de JK.

Eloá do Valle Quadros – esposa e companheira de Jânio da Silva Quadros, ela o incentivou a ingressar na política. Foi Presidente atuante da LBA – Legião Brasileira de Assistência. Acompanhou a vida política de seu marido de vereador a Presidente e, mesmo doente, esteve presente em seu último mandato como Prefeito de São Paulo.
Segundo Jânio Quadros, foi D. Eloá quem o impeliu para a política. Ela foi sempre sua grande incentivadora. Jânio deve à D. Eloá e à sua mãe a vida pública. Ambas pareciam pensar pela mesma cabeça, pois, a concordância entre elas era absoluta. Sua mãe foi excelente e inesquecível.
Jânio gostava de contar como conheceu D. Eloá:
- "Meu pai era médico e há muitos anos foi atender uma menina que estava com crupe. Crupe era então, uma moléstia fatal. Os anos rolaram depois disso, eu não conhecia a menina em apreço. Certa vez, eu me encontrava na sacada de nossa casa, no alto do Cambuci, quando a menina, já mocinha, 16 ou 17 anos, entrou com os pais. Iam todos fazer uma visita aos meus. Estava uniformizada com o cordão roxo que marcava as quintanistas de ginásio. Eu me virei para um amigo que estava na minha companhia e lhe disse apenas: vou casar com esta moça. Desci, conheci-a, nosso namoro foi rápido, o noivado mais rápido ainda, cinco meses e casamos. Já nem sei há quanto tempo tenho estado casado. Porque me parece que já nasci casado. Eloá foi sempre muito bonitinha, mas muito bonitinha mesmo e conservou os traços de beleza até o fim da vida, embora os cabelos inteiramente brancos. Não envelheceu no rosto, só nos cabelos. Eloá foi sempre disciplinada, ordenada, uma excelente dona-de-casa. Ela sabia bordar, tecer e tocava piano muito bem, além de ter uma excelente conversa."
Jânio lecionava no Colégio Dante Aleghieri, um dos melhores e mais caros de São Paulo. Os alunos desejavam que ele participasse das eleições a vereador, e D. Eloá passou a empurrá-lo para que ingressasse na política, afinal ele foi eleito, mais adiante, antes que terminasse o mandato, ele foi eleito Deputado, depois prefeito da capital, candidato a Governador, eleito Deputado do Estado do Paraná e depois eleito Presidente da República.
Quando Jânio renunciou à Presidência da República, não deu explicações à D. Eloá. Ele ligou para o Palácio, pediu para que ela arrumasse as coisas pois ele já não era Presidente e que o encontrasse no aeroporto. Ela não fez nenhuma observação. De certo porque acreditava no marido e porque sabia que sem a perda da dignidade, da honra Jânio não poderia continuar.
Se Jânio permanecesse na Presidência, iria se prostituir e seria mais um Presidente. Não um ex-Presidente. Seria mais um.

Maria Tereza Goulart – mais jovem e mais charmosa primeira-dama da História do Brasil; chegou ao poder aos 23 anos – era comparada com Jacqueline Kennedy. Pouco afeita à política, subiu apenas uma vez num palanque com o marido. Foi num comício em março de 1964, antes do golpe que derrubou João Goulart (1961-1964).

Yolanda Costa e Silva – religiosa, mulher de Costa e Silva(1967-1969) apoiou com entusiasmo a campanha de setores tradicionalistas contra uma suposta infiltração comunista nos meios católicos. Adorava moda e promoveu desfiles no palácio do governo.

Rosane Malta Collor – mulher de Fernando Collor de Mello (1990-1992) era forte, influente, muito elegante e moderna.

Ruth Cardoso – professora de antropologia, mulher de Fernando Henrique Cardoso (1995- ) sempre zelou pela privacidade familiar e pessoal. Investe seu tempo no Comunidade Solidária, um programa social que beneficia os municípios mais pobres do país.

ECONOMIA

1890 – Encilhamento
Na tentativa de diversificar a economia, restrita até então à agricultura, Rui Barbosa, ministro da Fazenda do governo Deodoro da Fonseca, promoveu uma reforma financeira, com estímulo ao crédito e à emissão de dinheiro, que ficou conhecida como "encilhamento". O efeito é negativo: ocorre uma febre de especulação na bolsa e uma onda de falências empresariais.

1898 – Saneamento de Campos Salles
Para sanear as finanças da República, abaladas com os gastos efetuados para conter as revoltas ocorridas no interior do país, Campos Salles negocia um empréstimo externo de 10 milhões de libras. A austera política consegue equilibrar as contas do Tesouro, mas mergulha o País na recessão. Ao deixar o governo, o Presidente é vaiado pelo povo.

1930 – Crise do Café
A produção de café no Brasil sobe a 28 milhões de sacas anuais, o dobro do que comporta o mercado externo. Para manter o preço do produto, o governo Vargas compra o excedente da produção e queima os estoques.

1961 – FMI apertando o nó
Jânio manteve-se silencioso durante os três meses entre a sua eleição e a posse. Viajou para a Europa afastando-se da especulação sobre seus compromissos e programas.
Seus partidários reclamaram a prolongada ausência, achando que deveriam planejar um ataque ao caos econômico que as medidas adotadas por Juscelino, já no fim do governo.
O afastamento do Presidente eleito era típico do estilo político.
A situação financeira foi descrita como "terrível" – 2 bilhões de dólares de dívidas externas a serem pagas no seu período presidencial das quais mais de 600 milhões a serem saldados dentro de um ano. J. Quadros lamentou: "todo este montante esbanjado em tanta publicidade e que nós temos agora, que levantar pacientemente, dólar por dólar e cruzeiro por cruzeiro. Temos gasto, confiando no futuro, mais do que a imaginação ousa contemplar". Atacou a administração Kubitschek em seu "favoritismo e nepotismo administrativo" e criticou seu predecessor pelo enorme déficit federal previsto para 1961.
O governo Quadros lançou imediatamente um programa antinflacionário, mais completo, tentado desde 1945-55. Em março, Jânio Quadros anunciou uma reforma do sistema cambial, simplificando as múltiplas taxas e desvalorizando o cruzeiro em cem por cento. Verificou-se uma drástica redução de subsídios para importações, tais como trigo e gasolina, tendo dobrado o preço do pão, aumentado o preço do ônibus e outros transportes. O Presidente fez novos investimentos no setor exportador a fim de ajudar a superar a "insuficiência crônica das exportações" brasileiras. Essas reformas ajudaram para a aprovação do FMI, dando ao Presidente a renegociação das dívidas, coisa que Kubitschek não conseguira.
O novo Presidente começava então, a desenvolver o que pregara em sua campanha: uma restrição financeira dolorosa a fim de estabelecer as bases de um novo desenvolvimento. Embora a restrição de crédito, salários congelados e corte de subsídios de importação estivessem destinados a se tornar medidas impopulares, esse risco parecia possível dentro da euforia que cercava a área de Jânio no início de 1961.

1973 – Crise do Petróleo
Os países árabes produtores de petróleo, reunidos na OPEP quadruplicam o preço do barril. Os preços dos combustíveis disparam. O governo Ernesto Geisel investe no programa Pro-álcool.
1994 – Hiperinflação
Depois de 30 anos de inflação, o ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, lança o Plano Real. As medida surtem efeito. Quatro anos depois, a previsão de inflação anual é de apenas 2%.

1998 – Crise Financeira
Seguindo-se ao estouro da Ásia, o colapso da Rússia provoca pânico nos mercados financeiros mundiais. Contra os ataques especulativos, o governo Fernando Henrique Cardoso eleva os juros a 50% ao ano, mas os dólares continuam fugindo do país.


RETROSPECTIVA

Na década de 40. A Segunda Guerra Mundial marcou toda a geração. A derrota do nazi-fascismo em 1945, após a explosão de bombas atômicas no Japão, acelerou no Brasil a queda da ditadura de Getúlio Vargas. Tem início a Guerra Fria entre os EUA e a URSS.
No Brasil é instituído o salário mínimo (1940). Em 1946, criação do FMI (Fundo Monetário Internacional). A Índia conquista a independência em 1947. Criação do Estado de Israel em 1948. Em 1949, Revolução Comunista na China.

Na década de 50. A invasão da Coréia do Sul pelos comunistas do Norte dá início à Guerra da Coréia (1950-1953), primeiro desdobramento da Guerra Fria. Nos EUA, começa o marcanthismo, ofensiva anticomunista. No Brasil, o nacionalismo getulista cede lugar ao desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek. Getúlio Vargas se suicida (1954); Juscelino Kubitschek é eleito presidente (1955) e governa tendo como slogan "50 anos em 5". Fidel Castro toma o poder em Cuba (1959).

Na década de 60. Renúncia de Jânio da Silva Quadros (1961). Os militares derrubam João Goulart (1964) e iniciam um regime de "força" no país, contra uma possível ditadura comunista no Brasil e na América Latina. Em 13 de dezembro de 1968, o presidente Costa e Silva, através do Conselho de Segurança Nacional, edita o AI-5, que fecha o Congresso e suspende direitos políticos. Fracassa a invasão da baía dos Porcos, pelos EUA (1961). Assassinato de Kennedy, presidente dos EUA (1963). Morte de Ernesto Che Guevara (1967).

Na década de 70. O país começa com a década sob o lema "Brasil, ame-o ou deixe-o" e termina com a volta dos exilados. Geisel inicia a abertura política (1974). EUA saem do Vietnã. Nixon renuncia após o Watergate.

Na década de 80. Os militares transferem o poder para os civis em 1985. Movimento pelas Diretas-já. Eleição de Tancredo Neves (1985). Jânio da Silva Quadros é eleito pela segunda vez em São Paulo à Prefeitura da Capital (1985). Eleição de Fernando Collor (1989). A queda do muro de Berlim. Fracasso do Plano Cruzado (1986) e o Brasil enfrenta sua maior recessão.

Na década de 90. Fernando Collor toma posse e sofre impeachment em 1992. Eleição de Fernando Henrique Cardoso (1994). Na economia, o Plano Collor (1990) a poupança dos brasileiros. FHC – Plano Real (1994) controla a inflação. O presidente Fernando Henrique Cardoso, consegue colocar o país nos trilhos do desenvolvimento e da comunicação. Sua diplomacia, suprimiu as barreiras comerciais e consolidou o processo de globalização na economia internacional. Em 1998, Fernando Henrique Cardoso é reeleito por voto direto. Luiz Ignácio Lula da Silva é eleito Presidente da República.




"O português de Jânio Quadros"
Deonísio da Silva
"Autorizado por meus superiores aqui no Jornal do Brasil, obtive recreio, sinônimo de intervalo. E a coluna de hoje vai ocupar-se de Jânio Quadros. Fui aluno de Guilhermino César, em Porto Alegre, na mesma turma do atual vice-governador do Rio Grande do Sul, Antônio Hohlfeldt. Pois Guilhermino César, que omitia o da Silva de seu sobrenome, jamais nos liberava para o intervalo, mas para o recreio.
Ora, intervalo veio do latim intervallum, designando espaço entre um valo e outro. Como tantas outras palavras, veio das lides militares, guerreiras. Os soldados construíam valos e paliçadas - alguns dicionários autorizam também a grafia antiga, palissada - para organizar a defesa nos campos de batalha. ‘Intervalo’ foi, pois, na origem, o espaço entre os valos ou entre as estacas. Já ‘recreio’ tem origem mais bonita. Você interrompe o que está fazendo e vai fazer outra coisa. Recreio procede de recrear, que em latim é recreare, cujo significado é fazer brotar de novo, tendo também o sentido de reanimar.
Para nós, seus alunos, era melhor ainda quando o mestre continuava o recreio na volta à sala de aula. E vice-versa. Era um encanto ouvi-lo. E assim registro que professores como Guilhermino César são lembrados a vida inteira. Vamos ao recreio e a Jânio Quadros.
Político dos mais controvertidos que o Brasil já teve, Jânio era professor de Português e de Geografia. E respeitava a norma culta de nossa língua em declarações, bilhetes, cartas, documentos, em tudo o que dizia e escrevia. Muitas de suas tiradas ficaram célebres.
Candidato a governador de São Paulo, enfrentou em Ribeirão Preto uma autêntica armadilha que lhe fora preparada por seu notório adversário, Adhemar de Barros. Também candidato, Adhemar paga um repórter para que vá à entrevista coletiva de Jânio, pedindo ao jornalista que faça uma única pergunta:
- O senhor sabe que a família interiorana é moralista e conservadora. Gostaria de lhe perguntar: por que o senhor bebe?
A resposta veio bem ao estilo de Jânio:
- Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.
O flagrante revela um cuidado específico que Jânio Quadros tinha na colocação dos pronomes, um drama para jejunos em português. ‘Comê-lo-ia’ equivale a ‘o comeria’. A síntese, desjeitosa para a fala, que prefere ‘comeria ele’, soa pernóstica. Não em Jânio apenas, aliás.
Em outra ocasião, o humorista Leon Eliachar lhe pergunta:
- Se eleito, colocará os pronomes nos seus devidos lugares?
Sua resposta:
- Os pronomes não aguardam a minha eleição para que se coloquem nos seus lugares. Estão sempre neles. A boêmia dos verbos é que mutila a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar. Não se desgrudam da idéia de movimento. (Atualmente, é mais usual boemia, sem acento.)
E provocando o candidato, Leon alude a famoso comercial:
- Só ESSO dá ao seu carro o máximo?
Jânio:
- Não entendi a pergunta. Pressinto-a sutil como o próprio interpelante. Resta-me, pois, neste instante de perplexidade, o recurso à passagem de volta: só isso dá ao seu cargo o máximo?
Para terminar o recreio, que voltará na próxima coluna, vejamos o final da mesma entrevista. Leon Eliachar faz a última pergunta:
- O oval da ESSO é oval ou aval?
Jânio tira de letra:
- Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. O Brasil é tão mencionado no seu questionário, quanto a ESSO.
Nelson Valente, autor do livro Luz... Câmera... Jânio Quadros em Ação (o avesso da comunicação), de onde foram extraídos os trechos aqui citados, conclui piedosamente: ‘Ele podia dormir sem essa.’
Bom domingo a todos e até de repente!"




Um pouco de história...

Uma bela piada circulou durante anos, situada no contexto da campanha eleitoral de 1960, com versões variadas, tendo como protagonista, algumas vezes, o candidato a vice-Presidente, Milton Campos, em outras, o próprio candidato a Presidente, Jânio Quadros. Por ser mais saborosa, ficamos com a última versão.
A campanha se desenvolvia com sucesso pelo Brasil afora. Em face do pouco tempo disponível e das distâncias a serem percorridas, Jânio e comitiva, incluindo sua esposa Eloá e sua filha Dirce, mais Milton Campos e outros proeminentes líderes dos partidos que lhes davam sustentação, utilizavam um avião Douglas DC-3, que já devia ter sido aposentado por tempo de serviço, mais que insistia em manter-se no trabalho.
Numa dessas viagens, a meio caminho do destino, pára um dos motores. Consultada a torre de controle, o comandante é aconselhado a manter o vôo por mais algum tempo, para queimar combustível, antes de tentar uma aterrissagem forçada. O clima no avião já era preocupante quando o segundo motor começou a engasgar, aumentando a tensão dos passageiros.
Jânio, cujo pavor pelas viagens aéreas era bem conhecido, estava lívido e apertava fortemente a mão da esposa. Foi quando uma comissária, prestativa, se aproximou e lhe perguntou:
"Presidente, o senhor está sentindo falta de ar?" A resposta veio pronta: "Não, minha senhora, o que eu estou sentindo é falta de terra!"
Este suposto acontecimento serve de pretexto para nos introduzir naquilo que, talvez, tenha sido o epicentro dos problemas que levaram o governo Jânio Quadros à derrocada. Sonhou alto, planejou com consistência, mas faltou-lhe sempre terra aos pés para atingir seus objetivos. Como bom estadista que era – ninguém lhe nega as qualidades – procurou concretizar seus planos de governo firmado no forte apoio popular que tivera, representado por quase 60 por cento dos votos válidos depositados nas urnas a seu favor, naquela que poderia ser considerada a segunda revolução branca. (A primeira foi sua eleição à Prefeitura paulistana, em 1953, desmontando a forte máquina eleitoral que lhe fazia oposição).
Por melhores e mais bem intencionados que sejam os propósitos, por mais reais que sejam as possibilidades de sua execução, numa democracia nenhum presidente da República consegue governar sem uma razoável base política no Congresso Nacional. E Jânio contava com uma base de apoio inferior a 30% da Câmara, número insuficiente para aprovar qualquer projeto.
Em um regime presidencialista, o Presidente dispõe de uma soma enorme de poderes, mas lhe falta um, essencial: não pode dissolver o Congresso e convocar novas eleições. Ao tomar posse, Jânio Quadros encontrou um Congresso eleito em 1958, que não representava a nova realidade política, mas cujo mandato só se venceria dali a dois anos.
Nesse longo período, era mister recompor suas bases parlamentares, cozinhando os projetos a fogo brando até que novas eleições lhe dessem maioria efetiva, com a qual pudesse realizar seus propósitos. Seriam dois anos cuidando de problemas menores ou de consenso, sobrando os três últimos anos para atacar questões mais graves e polêmicas, já com a Câmara totalmente renovada e com o Senado parcialmente modificado. Não quis esperar, intrigou-se com a oposição e, pior ainda, conseguiu indispor-se até com alguns de seus próprios correligionários, acrescentando novos adversários ao governo, como se ainda estivesse precisando de mais inimigos.
Jânio esteve no poder por exatos 206 dias. Nunca se conseguiu precisar as causas de sua renúncia. É um quebra-cabeças no qual sempre ficam faltando peças. Qualquer explicação que se dê é insatisfatória. Mas a falta de base parlamentar – ele mesmo o reconheceu trinta anos depois – foi um motivo forte para obstar-lhe os passos, impedindo-o de governar.
Confetes e serpentinas
Dia de mudança é dia de festa. O resto fica para o dia seguinte, ou para a semana seguinte, quando os novos moradores da casa já estão habituados com a localização dos cômodos e com a disposição dos móveis.
Jânio Quadros tinha assimilado bem essa tradição, pelo menos é o que parecia. Ao receber a faixa presidencial das mãos de Juscelino Kubitschek, fez um discurso que era uma mistura de Adocil com Sucaril. Primeiro, elogiou JK: "O governo de v. exa., que ora se finda, terá marcada na História a sua passagem, principalmente porque, através de sua meta política, logrou consolidar, em termos definitivos, no país, os princípios do regime democrático."
Depois, fez uma profissão de fé: "Creio, senhor presidente, no regime democrático. Creio no povo, humilde e laborioso. Creio na tradição de nossa liberdade. E porque creio na democracia, porque creio no povo, porque creio na liberdade, creio também no futuro da pátria, que só pode ser a soma do que somos, a colheita do que plantamos, a morada tranqüila que construímos para nós e para a posteridade."
E terminou, no mesmo tom ameno: "Se a Divina Providência, na sua misericórdia, houver por bem me dar alento e saúde, aqui estarei certamente, no final deste mandato, para transmitir, em cerimônia idêntica, ao sucessor que o povo me der, os símbolos da autoridade. Transitórios somos nós, os seus governantes. Transitórias e efêmeras, as nossas pobres divergências. Mas eternos hão de ser, na comunhão da pátria, o povo e a liberdade."
Metralhadora giratória
Não era este o discurso que o novo presidente tinha preparado para a posse. O outro, o verdadeiro, só não foi lido naquele instante porque Juscelino lhe mandara o recado de que qualquer ataque seria respondido no ato, e diante da multidão que assistia a cerimônia na praça dos Três Poderes.
À noite, quando o ex-presidente se encontrava no avião com destino a Paris, Jânio ocupa uma cadeia de rádios (a televisão na época só tinha transmissão local). Aí vem a verdadeira mensagem de transmissão de cargo, aquela que os amigos o aconselharam a não pronunciar na passagem da faixa. Após um preâmbulo de pura retórica, o novo presidente passa à análise do governo anterior.
Fala da emissão desenfreada de moeda, informando que, durante o governo JK o meio circulante passou de 57 para 296 bilhões de cruzeiros, uma alta inflacionária de 420 por cento. Menciona nossa dívida externa, que aumentou 60 por cento, atingindo a cifra de 3,802 bilhões de dólares, dos quais mais da metade teria de ser resgatada pelo atual governo.
O BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento), entre empréstimos e avais concedidos a governos e estatais, devia ao exterior cerca de 33,6 bilhões de cruzeiros o que, com o dólar a 200 cruzeiros no câmbio livre, correspondia a 168 milhões de dólares.
O déficit orçamentário na posse de JK era de 29 bilhões de cruzeiros; na transmissão do cargo havia subido para 193 bilhões de cruzeiros (965 milhões de dólares). E Jânio segue em seus ataques:
"Em novembro último, não dispúnhamos de 47 milhões e 700 mil dólares para cobrir os ajustes com o Fundo Monetário Internacional. Faltaram, igualmente, recursos para quitar duas obrigações do Eximbank (...) Tomou-se apenas a providência de descarregar as faturas vencidas sobre a administração que ora se instala. Devo pagar, entre 1961 e 1965, 1 bilhão, 853 milhões e 650 mil dólares de prestações, o que significa, fazendo a conversão do dólar à taxa do câmbio livre, na base de 200 cruzeiros o dólar, 370 bilhões e 730 milhões de cruzeiros."
O pior é que esses números não eram fabricados. Esta era a outra face do nacional-desenvolvimentismo do governo Kubitschek, a contra-partida dos "50 anos em 5". Grande parte da conta ficava em aberto e era transferida aos governos seguintes.
Essa foi a primeira bomba. Horas depois de terminado o discurso, durante a recepção, criava-se um incidente diplomático, envolvendo Brasil e Portugal.
Um certo capitão Galvão
No capítulo anterior, comentando o cenário internacional por ocasião da posse de Jânio, fizemos referência à ditadura de Antônio de Oliveira Salazar em Portugal, firme ainda, mas contestada por alguns grupos descontentes, inclusive nos meios castrenses.
Na passagem de ano, alguns militares, sob o comando de um certo capitão Galvão, se rebelaram e iniciaram um movimento sedicioso para derrubar o primeiro-Ministro português. Não obtendo sucesso, seqüestraram um navio e puseram-se a navegar por águas internacionais, aparentemente sem rumo definido e sem qualquer plano para retomar a ofensiva.
Assim, Portugal contava com o tempo a seu favor. Mais dia, menos dia, os revolucionários se convenceriam da inutilidade de seus esforços e se entregariam, sendo, então presos e julgados pelo ato de rebeldia.
Não foi bem assim que aconteceu. No decorrer de janeiro de 1961, o navio seguiu em direção ao Brasil, permanecendo em águas internacionais, mas próximo dos limites das águas brasileiras, na época fixados em 12 milhas marítimas (cerca de 18 quilômetros).
Na noite da posse, durante a recepção, o novo Presidente recebe uma mensagem transmitida do navio, em que os revoltosos pedem asilo político ao Brasil. No seu estilo característico, Jânio anuncia publicamente a concessão do asilo solicitado e o fato é transmitido, em edição extraordinária, pelas estações de rádio brasileiras, enquanto que as agências telegráficas se encarregam de enviá-la ao mundo e, é claro, a Portugal, o outro envolvido no assunto.
Como se não bastasse, o capitão Galvão, ao pôr os pés em terra, fez uma declaração política aos repórteres que o esperavam, afirmando que o governo Salazar se achava fraco e que, em poucas semanas a ditadura seria varrida de Portugal.
A concessão de asilo sem negociação prévia com um país amigo constitui uma falta de cortesia. E as normas internacionais sobre asilo político deixam claro que o asilado não deve fazer pronunciamentos nem prosseguir em sua atividade política e, em assim fazendo, perde o direito que lhe foi concedido.
Foi a primeira dor-de-cabeça do novo chanceler, Afonso Arinos. Graças à sua habilidade, e firmado no longo relacionamento de amizade entre Brasil e Portugal, o incidente diplomático foi encerrado sem maiores conseqüências. Mas esses atos de personalismo e, por vezes, de destempero, próprios da personalidade de Jânio, ainda causariam muita instabilidade em seu governo.
O Ministério
Na formação de seu ministério, Jânio Quadros procurou contemplar os partidos que o apoiaram, mas não teve dúvidas em buscar nomes em outros setores de liderança. Alguns já haviam colaborado com ele no governo do Estado de São Paulo. Um outro, Clemente Mariani, tinha sua filha casada com o filho de Carlos Lacerda. Alguns tinham entre si divergências irreconciliáveis. O resultado final foi um verdadeiro balaio de gatos, como se vê a seguir:
Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco (UDN); Justiça, Oscar Pedroso Horta, advogado criminalista; Fazenda, Clemente Mariani Ribeiro Bittencourt (UDN); Saúde, Edward Catete Pinheiro; Agricultura, Romero Cabral da Costa, usineiro; Educação e Cultura, Brígido Fernandes Tinoco; Trabalho e Previdência Social, Francisco Carlos de Castro Neves, advogado trabalhista; Viação e Obras Públicas, Clóvis Pestana (PSD); Minas e Energia, João Agripino Vasconcelos Maia (UDN); Indústria e Comércio, Artur da Silveira Bernardes Filho (PR); Guerra, Marechal Odilio Denys; Marinha, almirante Sílvio Heck; Aeronáutica, Brigadeiro Grum Moss; Chefe da Casa Civil, Francisco de Paula Quintanilha Ribeiro; Chefe da Casa Militar, general Pedro Geraldo de Almeida; Secretário Particular, José Aparecido de Oliveira.
Nem bem a lista foi divulgada e logo começaram os comentários desfavoráveis, mesmo pelos setores que apoiavam o governo. Mas as críticas mais contundentes, como era de se esperar, vieram da oposição. O deputado trabalhista Wilson Vargas subiu à tribuna da Câmara para fazer a análise dos nomes, descartando-os um a um. De Clemente Mariani, insinuou que seu nome foi imposto por Carlos Lacerda. O Ministro da Agricultura era um usineiro do nordeste, e assim por diante.
O maior bombardeio foi sobre a composição dos ministérios militares e, diga-se a verdade, essas criticas tinham bem razão de ser. De um lado, nomeou-se ministro da Guerra o marechal Odílio Denys que, juntamente com Lott, garantiu a posse de Juscelino, depondo o presidente Carlos Luz; de outro lado, nomeou ministro da Marinha o almirante Silvio Heck, justamente o comandante do cruzador Tamandaré, que dava abrigo ao presidente deposto. Como conciliar duas figuras antagônicas em um mesmo ministério, ambas representando as Forças Armadas?
Para piorar, o ministro da Aeronáutica era o brigadeiro Grüm Moss que o deputado descreve como "um dos agitadores, um dos baderneiros de Jacareacanga e de Aragarças". Para quem não se lembra, essas foram as duas "revoltas dos escoteiros", promovidas na Aeronáutica objetivando a deposição de JK. A primeira deu-se em 1956, duas semanas após iniciado o governo de Juscelino; e a outra, em 1959, tendo como pretexto a segunda renúncia de Jânio à sua candidatura. Nessas condições, colocar Silvio Heck e Grüm Moss junto com Odilio Denys era quase um ato de provocação.
Outro deputado, Ari Pitombo também faz suas críticas, afirmando que "dois participantes do Ministério do sr. Jânio Quadros pertencem à Esso e, ainda mais, o sr. Romero Cabral da Costa, em declaração ao jornal Última Hora do dia 31 de janeiro, declarou: ‘Não sou político, intelectual, nem técnico.’ Que diabo, então, o sr. Romero Cabral da Costa vem fazer no Ministério do sr. Jânio Quadros?", conclui o irritado parlamentar.
Um fato é visível na composição do Ministério: falta povo. A pasta do Trabalho, que mais deveria representar as massas, passa a ser ocupada por Castro Neves, dono de um escritório de advocacia que prestava serviços ao setor patronal. A nomeação de um usineiro para a Agricultura deixa claro que não se pretende iniciar uma reforma agrária, nem ao menos uma reforma agrícola, reformulando os setores produtivos para assentar, com dignidade, o homem do campo.
O novo governo nasce com defeitos congênitos que lhe impedem o desenvolvimento e que, não tratados a tempo, o levarão a morte prematura.
Um banho de marketing
Após uma campanha eleitoral que trazia como tema principal a renovação de costumes, o Presidente recém empossado sentiu-se na necessidade de mostrar a que veio e, já no segundo dia de governo, instaurou cinco comissões para fazer sindicância no IBGE, na COFAP (órgão controlador de preços) e em três outras instituições. Nas semanas que se seguiram, foram criadas outras 28 comissões de sindicância, uma autentica banda de música, que tocou bonito mas sem chegar a um resultado mais concreto.
Em atos seguintes, mandou recolher revistas para adultos, proibiu corridas de cavalos em dias úteis, o funcionamento de rinhas para "brigas de galos", o uso de maiôs cavados em concursos, os espetáculos de hipnotismo, o uso de lança-perfumes no Carnaval, a propaganda em salas de cinema, regulamentou a participação de menores em programas de rádio e televisão, extinguiu funções de adidos militares em representações diplomáticas, etc.
Todas essas medidas, embora aplaudidas pelo povo, tinham apenas função publicitária, criando imagem de moralização de costumes no país e na administração pública. Elas impressionavam bem, mas escamoteavam a verdadeira realidade brasileira, que era a inflação galopante, a péssima distribuição de renda, o estado de semi-escravidão em que viviam as populações rurais e outros problemas até então intocados.
Mas essa perfumaria toda também gerou desgastes ao governo, como no caso da regulamentação do horário do funcionalismo, que passou a ser integral de oito horas, com obrigatoriedade de marcação de ponto, medida recebida com entusiasmo pelos trabalhadores de empresas privadas que, em toda vida, tiveram de cumprir essa jornada.
Acontece que o aumento de horas de trabalho, por si só, não significa aumento de produtividade, pelo contrário, com repartições atulhadas de funcionários sem ter o que fazer, a produção acaba até diminuindo. Uma reforma administrativa, lenta e maturada, passando pelo Congresso, traria melhores resultados, mas o efeito de propaganda não seria tão grande.
Muitos dos funcionários de meio período completavam seu salário com um segundo emprego. Vários deles trabalhavam nas redações de jornais, pela manhã ou à noite, as quais se viram desfalcadas repentinamente de sua mão-de-obra. Mesmo sem uma segunda atividade, a maioria não tinha como se adaptar de chofre à nova realidade. Ao almoço, bares e restaurantes ficavam repletos de novos fregueses e, para diminuir o movimento, aumentavam o preço das refeições.
Não tardou que o governo tivesse de atenuar a medida, abrindo uma exceção para estudantes, para funcionários com dificuldades de alimentação e de transporte e para mães com filhos menores de 16 anos.
Foi um balde de água fria no trabalhador comum. Mantida a comparação, o operariado não tinha nenhuma dessas regalias: comia de marmita, estudava sabe Deus como e as mães trabalhadoras deixavam suas crianças com parentes, vizinhos ou largadas ao próprio destino.
Não havia passado ainda essa decepção com Jânio e este já baixava o decreto nº51.166, que revogava as medidas anteriores, voltando o funcionalismo ao horário normal de meio período, igual ao praticado nos governos anteriores. O eleitorado não poupou críticas a essa precipitada, extemporânea e inútil cruzada contra os funcionários públicos.
Enfrentando a realidade
Não dava para seguir o governo apenas com medidas de fachada, destinadas a propaganda. Era preciso agir. Agir rápido e com habilidade, para restaurar a situação financeira do país, sem o que ficava descartada qualquer possibilidade de desenvolvimento.
Contatos feitos com o exterior, com a finalidade de rolar a dívida e conseguir empréstimos novos, resultaram em fracasso. Adolfo Berler, embaixador dos Estados Unidos no Brasil acenou com um crédito de emergência que mais agravava do que auxiliava a resolver os problemas. Não foi aceito. O Brasil precisava com urgência de pelo menos um bilhão de dólares e isso os países ricos não estavam dispostos a fornecer, a menos que fossem tomadas medidas de contenção interna.
Em 13 de março ocorreu a primeira reforma cambial com o que o cruzeiro foi desvalorizado em mais de 100 por cento, unificando-se as taxas de câmbio com a extinção do dólar subsidiado para produtos essenciais, além de outras medidas, necessárias mas impopulares. O governo finalmente caiu na realidade e a população também. Não há almoço de graça e o preço começava a ser pago, como sempre, pelos mais humildes.
Com a extinção dos subsídios, dobrou o preço do pão, subiu a tarifa dos transportes coletivos e, num efeito dominó, o custo de vida em geral foi aumentado, sem a devida contra-partida nos salários. O papel de jornal também tinha sua importação subsidiada e seu preço dobrou, aumentando a fúria dos donos de jornais, formadores da opinião pública.
Exultaram, sim, os exportadores, pois com o dólar valorizado, sua mercadoria passou a ter mais competitividade no mercado externo e melhor retorno em lucros, quando os dólares eram convertidos em cruzeiros. Lucraram, também, os bancos internacionais, que faziam empréstimos em dólares e viram seus créditos aumentarem com uma simples penada. Perderam, é claro, as empresas que, incentivadas pelo governo anterior, fizeram vultosos empréstimos em dólares e, do dia para a noite, passaram a dever o dobro.
Uma onda de descontentamento varreu o país e Jânio Quadros começou a descarregar sua fúria sobre o ministro da Fazenda, Clemente Mariani que, como sabemos, tinha relações de parentesco com o jornalista e dono de jornal Carlos Lacerda. Aliás, era o próprio genro do ministro, o jovem Sérgio Lacerda que estava dirigindo a Tribuna de Imprensa e lhe regulava o tom dos ataques. Essa mudança na direção do jornal se deu porque Carlos Lacerda, eleito governador no novo Estado da Guanabara, teve de se afastar do cargo. Começava-se a formar a teia na qual Jânio ia se embaraçando, cada vez mais.
O encaminhamento da crise
Se as medidas tomadas a partir de março prejudicaram a popularidade do novo Presidente, pelo menos serviram para atenuar a oposição que os meios financeiros internacionais vinham fazendo ao Brasil. Afinal, a maior parte dos empréstimos requeridos visava a dívida já contraída, que precisava ser rolada, para não colocar o país em estado pré-falimentar. Com as medidas de saneamento que o governo começara a tomar, surgia, finalmente, uma luz no fim do túnel.
Uma equipe de técnicos foi posta a campo para manter contatos com os países do primeiro mundo, donos do dinheiro. Lá se foram Walter Moreira Sales, Roberto Campos, Miguel Osório e João Dantas, visitando Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Holanda, Suiça e Suécia. Todos esses países se beneficiaram com os "50 anos em 5" de Juscelino Kubitschek e se achavam no dever de ajudar o Brasil, se não por razões de ordem moral, pelo menos para preservar os investimentos feitos no país.
A soma dos empréstimos obtidos, superior ao bilhão de dólares pretendidos inicialmente, atenuou a crise iminente mas muito pouco resultou em dinheiro novo. O Fundo Monetário Internacional, assim como banqueiros europeus e até o Japão acenaram com créditos "stand-by" (à disposição para retirada quando necessário) em torno de 200 milhões de dólares.
Afinal, respirava-se um pouco de ar fresco, o suficiente para permitir ao governo atacar outros problemas que iam se acumulando e exigiam solução. Entre eles, o descontentamento nos meios políticos pela falta de verbas, o que paralisava a administração pública em vários Estados.
O governo itinerante
Jânio Quadros tinha uma aversão profunda pela classe política e, embora em desvantagem no Congresso, sobretudo na Câmara Federal, nada fez para melhorar sua base de apoio. Ao contrário, ao invés de negociar com parlamentares, trazendo-os para o seu redil, como fazia JK, preferiu tratar de assuntos administrativos diretamente com os governadores de Estado, criando um governo itinerante, à semelhança do que já tivera quando prefeito da capital paulista e, depois, como governador do Estado de São Paulo.
A primeira reunião se deu em Florianópolis, reunindo os governadores de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, respectivamente Celso Ramos, Leonel Brizola e Nei Braga. De importante, resultaram verbas para acelerar a construção das BR-14, BR-35 e BR-87, bem como a construção de novas estradas vicinais para o escoamento da safra do café. Foram nomeadas comissões para a criação do Instituto Nacional do Pinho, do Conselho de Desenvolvimento Regional, do Banco Regional de Desenvolvimento e de uma empresa mista para geração de energia elétrica.
Veio nova reunião, desta vez em Campo Grande, com os governadores Fernando Correia da Costa, de Mato Grosso; Mauro Borges, de Goiás; Abelardo de Alvarenga Mafra, de Rondônia e José Altino Machado, do Acre. Discursando, Jânio disse que precisamos "dirigir a pátria de costas para o mar. No interior estão nossas esperanças; no interior reside nosso futuro. Esperanças de bem-estar, de abundância, de tranqüilidade social". Cuidou-se da criação de escolas e da realização de obras que possibilitem o desenvolvimento integrado da região.
Dentro da mesma linha, e sempre com resultados positivos no que tange à administração, foi realizada uma terceira reunião na região sudeste, com os governadores Carlos Lacerda (Guanabara), Celso Peçanha (Estado do Rio) e Carvalho Pinto (São Paulo); depois, a quarta e última reunião, com Pedro Gondim, da Paraíba, e Cid Sampaio, de Pernambuco.
Esta última, como se vê, estava longe de representar a região do nordeste e mostra um esvaziamento desse tipo de governo. Os parlamentares, afastados da mediação política em seus Estados, absolutamente necessária para aumento de prestigio e conseqüente reeleição, passaram a bombardear o governo itinerante, que começou a se esvaziar.
Independente dos interesses pessoais de deputados e senadores, por vezes compreensíveis, por outras censuráveis, renasce, cristalina, a afirmativa de que em uma democracia, não é possível governar sem contar com o apoio das forças políticas; o isolamento do Congresso, traz, pois, como contra-partida, o isolamento do presidente da República. São poderes harmônicos, que não conseguem sobreviver um sem o outro.
Cuba, o princípio do fim
O destaque que o governo brasileiro dava a Cuba em suas relações internacionais passou a desagradar bastante os países ocidentais, em especial os Estados Unidos. Criou também uma área de atrito com a direita brasileira que lhe dava apoio, sobretudo com a UDN, que não via com bons olhos a aproximação com o governo de Fidel Castro.
Exilados cubanos em Miami passaram a organizar uma contra-ofensiva para retomar Cuba e, nesse propósito, contavam com apoio mal disfarçado do próprio governo dos Estados Unidos. Se o governo, oficialmente, não podia interferir no processo, em verdade, até a primeira dama, Jackeline Kennedy vinha auxiliando na obtenção de recursos para possibilitar a ação contra-revolucionária.
Deu-se, então, o ataque a Cuba, em 16 de abril de 1961, numa fracassada invasão à baía dos Porcos, "com a conivência de setores econômicos e militares norte-americanos, que pressionavam o presidente John F. Kennedy".
Melhor situadas que o inimigo, e também melhor preparadas, as forças cubanas enfrentaram firmemente os invasores e rapidamente controlaram a situação militar, restando apenas o rescaldo político e diplomático, envolvendo sobretudo o posicionamento das nações latino-americanas.
Dos países sul-americanos, apenas o governo brasileiro e o governo argentino, cujo presidente era Arturo Frondizi, deram irrestrito apoio a Cuba, baseados no princípio de soberania das Nações.
É natural que, em tais circunstâncias, Fidel Castro enviasse aos dois países um seu mensageiro, Che Guevara, seu ministro da Economia, de nacionalidade argentina mas radicado em Cuba. Guevara havia participado desde há muito das ações guerrilheiras que resultaram na deposição do sargento Fulgêncio Batista e era um dos homens de confiança de Fidel.
Não era uma missão específica. Guevara iria primeiro a Punta del Este, no Uruguai, participar de uma reunião extraordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social. De lá seguiu para a Argentina, encontrando-se com o presidente Arturo Frondizi e gerando uma forte crise política naquele país.
Em 19 de agosto, Che Guevara é recebido por Jânio Quadros em Brasília, o qual aproveita a ocasião para atender um pedido do núncio apostólico, monsenhor Lombardi, para interferir na libertação de 20 padres espanhóis, presos em Cuba. Havia, também, assuntos outros a discutir, como o caso da Mercedes Benz, que entabolara negócios com Cuba para a exportação de veículos àquele país.
As negociações deram bom resultado em ambos os casos. No aspecto econômico, os entendimentos se ampliaram, aventando-se a possibilidade de realizar operação triangular, envolvendo Bulgária, Iugoslávia, Polônia e Rússia, para exportação de veículos, máquinas, ferramentas e material elétrico dos quais Cuba tanto estava precisando. O envolvimento de outros países era necessário, já que Cuba não dispunha de reservas para fazer o pagamento de importações diretamente ao Brasil.
No caso dos padres, Guevara concorda com a libertação, avisando, entretanto que, dentro das regras cubanas, eles serão em seguida expulsos para a Espanha. Jânio manifesta sua opinião de que a expulsão é um assunto interno de Cuba, que só a ela cabe resolver. O Brasil defende a libertação e com esse ato considera o pedido satisfeito.
Por fim, dentro de um ato de rotina com autoridades importantes que nos visitam, Che Guevara foi condecorado com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Essa condecoração podia ser feita por iniciativa do presidente da República, sem consulta a outros poderes, agraciando pessoas que tivessem prestado serviços relevantes ao país e este passava a ser o caso de Guevara.
Para a "banda de música" da UDN, foi a conta para iniciar o barulho contra o presidente da República e suas "tendências esquerdizantes, que estavam, segundo eles, levando o país aos braços do comunismo.
Em resposta, no fim do mesmo dia, no Rio de Janeiro, o governador Carlos Lacerda condecorava o líder anti-castrista Manuel Antonio de Verona, que se encontrava no Brasil em busca de apoio para a Frente Revolucionária Democrática Cubana.
No Rio de Janeiro, em Brasília, e em outros pontos do Brasil, a temperatura política sobe rapidamente. É o começo do fim para o governo de Jânio Quadros.
Lacerda volta a atacar
Dando uma no cravo e outra na ferradura, Lacerda vai a Brasília, em 18 de agosto, e consegue ser recebido pelo Presidente no Palácio da Alvorada. Seu pedido era de caráter particular. Precisava de um empréstimo do Banco do Brasil para saldar dívidas que comprometiam a Tribuna de Imprensa, neste momento dirigida por Sérgio Lacerda que, como se sabe, era o próprio genro do ministro da Fazenda. Salvar o filho de uma falência era também preservar o nome do ministro, seu parente.
Não conseguiu o que desejava e, mais tarde, voltando ao Alvorada, onde esperava pernoitar, encontrou suas malas na portaria. Tudo foi fruto de um mal-entendido. Entendendo que Lacerda se hospedaria num hotel, Oscar Pedroso Horta, mandou que as malas fossem colocadas à disposição, evitando que, altas horas da noite, Lacerda fosse confundido com um estranho e impedido de reentrar no palácio. O incidente não foi assimilado e, para piorar, no dia seguinte, ocorre o episódio da condecoração a Guevara.
Em 22 de agosto, entre aplausos e vaias, Lacerda participa de um debate com 1.200 estudantes em programa de auditório da TV Excelsior de São Paulo, fazendo críticas ao governo federal, principalmente com relação à sua política externa.
Mas um incidente mais grave ocorreu no dia 24. Em 1955, já o narramos, para impedir o progresso da candidatura JK, Carlos Lacerda publicou uma falsa carta, conhecida como Carta Brandi, em que denunciava um conluio entre o candidato a vice, João Goulart e autoridades argentinas para iniciar no Brasil uma revolução sindicalista. Somente após as eleições é que veio a saber-se que tal carta era apócrifa.
Agora, Lacerda ataca novamente. No dia 24, em cadeia de rádio e televisão no Rio de Janeiro, o governador da Guanabara denuncia outro complô, desta vez em Brasilia, envolvendo o presidente Jânio Quadros e seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, para realizar uma "reforma institucional", como o fizera Getúlio Vargas em 1937, com a implantação do Estado Novo. Disse mais que ele, Carlos Lacerda, fora convidado por Pedroso Horta para participar da ação.
Esta última afirmativa, por si só, desmonta toda a armação. Com as relações em crise, convidar Carlos Lacerda, o demolidor, para participar de um golpe palaciano já não é apenas um sinal de audácia, torna-se um sinal de burrice, de ignorância extrema.
Fica apenas a palavra do Governador. Nenhum prova é exibida, nenhum indício é apresentado, nenhum testemunho é invocado para dar veracidade à denúncia. Mas em ambiente turbulento, a opinião pública escolhe a versão que melhor se adapte à sua própria opinião. Uma parte acredita em Jânio, a outra em Lacerda. E, com a crise, aumenta a efervescência política, criando um clima de ingovernabilidade.
A Renúncia
Tudo isso aconteceu, altas horas da noite de 24 de agosto. Horas depois, na manhã de 25 de agosto, Jânio reinicia suas atividades, sem intenção de responder ao governador da Guanabara. Participa normalmente das comemorações do Dia do Soldado. Assiste uma exibição de paraquedistas, presencia o desfile militar, faz a tradicional revista de tropas, entrega medalhas da Ordem de Mérito Militar. Todo o protocolo foi rigidamente cumprido, em ambiente de pretensa calma, como se os acontecimentos do dia anterior tivesse caído no vazio. O governo prossegue em sua rotina.
O Correio Braziliense circula com matéria em destaque, relacionando os nomes indicados pelo Presidente para participar da delegação que participará da 16ª Assembléia da Organização das Nações Unidas. Até um resumo da pauta de reivindicações brasileiras estava sendo divulgado. O governo, aparentemente seguia sua rota.
Não era bem assim. Pela madrugada, ao tomar conhecimento do pronunciamento de Carlos Lacerda, o presidente telefonou ao chefe da Casa Civil, Quintanilha Ribeiro e ao chefe da Casa Militar, general Pedro Geraldo; falou com seu secretário particular, José Aparecido. A todos eles, deixou consignada sua determinação de renunciar, manifestando a opinião de que estava em curso uma ação para demolir a autoridade presidencial. "A conspiração está em marcha, mas vergar, eu não vergo", teria dito o Presidente.
Terminadas as solenidades comemorativas do Dia do Soldado, Jânio reúne o Ministério e anuncia sua renúncia, que mantêm, a despeito dos apelos e das considerações, especialmente as que fez o ministro da guerra, marechal Odílio Dennys, reafirmando a fidelidade do Exército à autoridade constituída do presidente da República. Quintanilha, então, mais como seu amigo que como auxiliar, aconselhou-o a viajar, para evitar as repercussões do ato frente ao Congresso.
Desde as 9 horas da manhã, a Câmara Federal se achava reunida, transformada em CGI-Comissão Geral de Inquérito. Fazia-se um tribunal à margem da lei, tal como acontecera com a República do Galeão, criada pela Aeronáutica em agosto de 1954 para investigar e julgar o então presidente Getúlio Vargas. Antônio Houaiss escreve:
"Às primeiras horas do dia 25, por iniciativa de vários políticos, dentre os quais sobressaiam o governador Carlos Lacerda e o deputado Armando Falcão, reunia-se a Câmara, convertida, por iniciativa dos deputados José Maria Alkmin e Paulo Lauro, em Comissão Geral de Inquérito, figura desconhecida no Direito Constitucional do país, e convoca para depor, em plenário, e na mesma data, o ministro Oscar Pedroso Horta [Justiça]. Fazia-o ao arrepio da lei, isto é, sem que àquele titular fosse dada ciência prévia das questões que seriam propostas ou marcasse ele o dia do próprio comparecimento."
Acrescentemos que, se quisessem esclarecer toda verdade, deveriam convocar primeiro Carlos Lacerda, autor de uma denúncia sem provas. Que dissesse ele onde obteve as informações que divulgou, em que circunstâncias se dera o pretenso encontro com o ministro da Justiça e que elementos mais poderia fornecer aos parlamentares para dar credibilidade a tão grave acusação, atingindo a autoridade do presidente da República.
Todavia, a esta altura, nenhuma convocação mais era necessária. Lá pelas três horas da tarde, surge um novo tumulto, centralizado em um grupo de deputados, acantonado no plenário. A cigarra toca, chamando a atenção dos parlamentares. Então, o deputado Dirceu Cardoso pede licença e vai à tribuna para anunciar que tem em mãos um importante documento, assinado pelo presidente da República. E faz a leitura.
A carta-renúncia
Pasmado, o plenário da Câmara ouve o teor da carta-renúncia e da exposição de motivos, lidas ambas por Dirceu Cardoso. A primeira é lacônica:
"Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de Presidente da República.
"Brasília, 25 de agosto de 1961. a) Jânio Quadros,"
A exposição de motivos é mais longa e lembra muito a carta-testamento de Getúlio Vargas:
"Fui vencido pela reação e, assim, deixo o Governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando, infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-me meus esforços para conduzir esta nação pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social a que tem direito o seu generoso Povo.
"Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia, que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior.
"Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou me infamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse não manteria a confiança e a tranqüilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício de minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
"Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes e para os operários, para a grande família do País, esta página de minha vida e da vida nacional. A mim, não falta a coragem da renúncia.
"Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que, comigo, lutaram e me sustentaram, dentro e fora do Governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo, nesta oportunidade.
"O apelo, é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios para todos, de todos para com um. Somente, assim, seremos dignos deste país e do mundo. Somente, assim, seremos dignos da nossa herança e da nossa predestinação cristã.
"Retorno, agora, a meu trabalho de advogado e professor. Trabalhemos, todos. Há muitas formas de servir nossa Pátria.
"Brasília, 25-8-61 a) Jânio Quadros
A reação do Congresso
A esta altura, Jânio Quadros já viajara para São Paulo, pousando o avião na Base Aérea de Cumbica, onde ele é recebido pelo governador Carvalho Pinto, que lhe dá abrigo até que o ambiente clareie o suficiente para conhecer a posição da Câmara em torno do assunto.
A reação dos deputados talvez não tenha sido aquela que ele esperava. No princípio, até houve quem quisesse primeiro ouvir o Presidente para saber das razões reais e, se possível, até demovê-lo de seu propósito.
Todavia, a opinião geral era a de que uma renúncia é unilateral, cabe cumpri-la, não discuti-la. O vice-Presidente da República se achava em viagem oficial à China e o terceiro, na ordem de sucessão era o presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazzili. O deputado Osmar Cunha foi curto e grosso:
"Que assuma Ranieri Mazilli, imediatamente, o Governo, de acordo com a Constituição da República, para que se mantenha a legalidade neste país, para que se mantenha a ordem e para que não venha o golpe contra esta nação. Vamos levar ao palácio Ranieri Mazzilli para que assuma, na forma da Constituição da República, o Governo do Brasil."
O deputado Almino Afonso faz um libelo contra Jânio Quadros:
"(...) Ainda ontem – diria mal – ainda na madrugada de hoje, reunidos os deputados na Câmara, para tomar conhecimento das graves acusações que eram feitas pelo governador da Guanabara, tínhamos a informação do sr. ministro da Guerra, o marechal Odilio Denys, de que a vida nacional corria tranqüila, de que todo o país repousava em ordem, na disciplina, no acatamento à lei (...)
"Então eu me indago, sr. Presidente: que estranha dualidade é esta? Que forças tão poderosas são estas que derrubam um presidente da República, quando as Forças Armadas, por inteiro, na declaração do próprio presidente da República, no seu documento de renúncia, estariam unânimes, firmes na manutenção da ordem, na defesa do regime democrático?"(...)
"O sr. Jânio Quadros entendeu que não tem possibilidades de comandar. Renunciou. A renúncia está aceita."
Sem nada decidir, a reunião foi encerrada, convocando-se outra para as 21h30.
Alguma coisa estava fora dos eixos, pois o Congresso é formado por Câmara e Senado e este último ainda não havia se manifestado. Por volta das três horas da tarde, o presidente do Senado, senador Auro Soares de Moura Andrade (por conseqüencia também presidente do Congresso) recebeu o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta e, na presença de várias testemunhas, tomou conhecimento da renúncia do presidente da República e recebeu duplicata das cartas enviadas à Câmara.
Imediatamente, tomou providências para convocar o Congresso (Câmara e Senado juntos) em reunião extraordinária, o que aconteceu logo em seguida ao encerramento da reunião da Câmara. A sessão durou apenas dez minutos, formalizando a aceitação da renúncia e determinando que Ranieri Mazzilli assumiria interinamente, até o retorno do vice-Presidente, João Goulart.
Tropas do Exército ocuparam as ruas, preservando sobretudo a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes, tomando a precaução de deixar livre a entrada do Congresso, para não caracterizar um sítio aos parlamentares. O restante do país foi também colocado em prontidão. E assim terminou, laconicamente, o governo Jânio Quadros, projetado para cinco anos e encerrado antes que se completassem sete meses de mandato.
As causas da renúncia
É provável que ninguém saberá jamais por que Jânio Quadros renunciou. Se alguém o sabia, por certo era ele próprio e levou seu segredo para o túmulo. Mas há uma dica, contida no livro "História do Povo Brasileiro", de Jânio Quadros e Afonso Arinos. O capítulo relativo à renúncia foi escrito especialmente por Antônio Houaiss, mas sua inclusão no livro se deu com a concordância ou, pelo menos com o conhecimento de seu principal autor, o próprio Jânio Quadros. Escreve Houaiss:
"Seu raciocínio foi o seguinte: primeiro, operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório – visto que a João Goulart, distante na China, não permitiriam as forças militares a posse, e destarte, ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula, em conseqüência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro de um novo regime institucional, ou bem, sem ele, as Forças Armadas se encarregariam de montar esse novo regime, cabendo, em conseqüência, depois, a outro cidadão – escolhido por qualquer via – presidir o país sob o novo esquema viável e operativo: como, em tudo, o que importava era a reforma institucional, não o indivíduo ou indivíduos que a promovessem, sacrificando-se ele, ou não se sacrificando, o essencial iria ser atingido.
"O plano, porém, falhou exatamente na vacilação dos chefes militares.
"(...) Jânio Quadros acreditou que os destinos nacionais, num dado momento, dependiam de sua coragem de sacrificar sua carreira pessoal.
"Faltou-lhe, porque disso não proviera, o sistema de forças políticas que o amparassem nessa direção. Faltou-lhe, porque não quis trair a própria imagem, a vontade de querer continuar a ser presidente, ao preço da acomodação.
"Para ele, dirá sempre, a política não é a arte do possível, se o possível é condicionado pelo caduco; é, sim, a arte do possível, dentro das necessidades globais – algumas das quais estavam clamando por urgentes decisões, que o sistema de forças vigente rejeitava."
Epílogo
Com o episódio da renúncia, Jânio Quadros apagou-se politicamente. Em 1962, candidatou-se a governador do Estado de São Paulo, perdendo as eleições para seu arqui-rival, Ademar de Barros.
O golpe de Estado de 1964 cassou-lhe os direitos políticos, confinando-o no interior do país. Mais tarde, fundou uma editora, publicando coleções de livros, entre eles, a "História do Povo Brasileiro", em quatro volumes, já citado acima.
Somente em 1985 volta à vida publica, elegendo-se uma vez mais prefeito de São Paulo, para um mandato excepcional de apenas três anos. Era o eleitorado paulistano que, pela segunda vez reconquistava a cidadania cassada. E nas duas vezes a reconquista da cidadania se fez com a eleição de Jânio Quadros e com a derrota de adversários com sobrenomes idênticos. Em 1953 o concorrente era Francisco Antônio Cardoso; em 1985, Fernando Henrique Cardoso.
Para não desmerecer sua biografia, recheada de renúncias, também desta vez Jânio abandonou a Prefeitura dez dias antes de completar o mandato, viajando para Londres. E os últimos dias de governo foram administrados por seu Secretário de Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo.
Se um guerreiro deve morrer na luta, Jânio não teve o fim que merecia. Vítima de três derrames cerebrais, permaneceu inerme numa cadeira de rodas, guiado por sua filha, que lhe conduzia os passos e lhe interpretava os balbucios, colocando em sua boca coisas que por certo ele nunca pretendeu falar.
Dona Eloá faleceu em 22 de novembro de 1990, quando seu marido já não tinha condições de entender o que se passava à sua volta. Jânio Quadros morreu em 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade, deixando atrás de si o rastro de uma disputa familiar pela herança do casal.
Quanto à herança politica, entregue aos brasileiros sem que estes a desejassem, esta resultou em 21 anos de governos militares discricionários, que só se encerraram em 1985. A renúncia de Jânio custou muito à Nação brasileira, que até hoje luta para recuperar o tempo perdido.
A República Populista

José Linhares (29/10/1945-31/1/1946)

As eleições de 2 de dezembro – Com a queda de Getúlio Vargas, a presidência passou a ser ocupada por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. No período em que ficou no poder foram realizadas as eleições presidenciais. Concorreram Eurico Gaspar Dutra, apoiado pela coligação PSD-PTB, Eduardo Gomes (UDN), Yedo Fiúza (PCB) e ainda Rolim Teles (Partido Agrário). Saiu vitoriosa a candidatura do general Dutra, por ampla maioria.

Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)

A Constituição de 1946 – Durante a sua presidência foi eleita a Assembléia Constituinte que, em 18 de setembro de 1946, deu origem à quarta Constituição republicana, a quinta do Brasil. Embora tenha mantido a federação e o presidencialismo, a nova. Constituição, como a de 1934, fugiu bastante às linhas doutrinárias de 1891.
Para controlar o Executivo, determinou o comparecimento compulsório dos ministros ao Congresso, quando convocados, para informações e interpelações, tornando-os responsáveis pelos atos que referendassem; previu, ainda, a formação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s), segundo o modelo norte-americano.
Além disso, a nomeação dos ministros não acarretaria a perda dos mandatos legislativos que exercessem, e o período presidencial duraria cinco anos.
Cumpre acrescentar que os direitos trabalhistas do período getulista foram incorporados ao texto constitucional.

Reflexos da guerra fria – No plano internacional a presidência de Dutra inseriu-se nos quadros da guerra fria, caracterizada a partir de 1947 com a Doutrina Truman. Integrado como estava na área de influência norte-americana, o Brasil definiu-se no plano da política externa como aliado da grande potência do Norte. O ingresso oficial do Brasil no cenário da guerra fria aconteceu com o tratado de assistência mútua, em setembro de 1947, entre Brasil e Estados Unidos. Além disso, na IX Conferência Interamericana, realizada em Bogotá, o Brasil associou-se ao sistema de segurança do hemisfério ocidental atlântico.
Segundo a nova norma das relações internacionais que o Brasil assumiu, Dutra coerentemente rompeu relações diplomáticas com a União Soviética, ao mesmo tempo em que o Partido Comunista do Brasil, chefiado por Luís Carlos Prestes, foi declarado ilegal.

A sucessão presidencial – Na disputa pela sucessão de Dutra concorreram quatro candidatos: novamente Eduardo Gomes (UDN), João Mangabeira pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Cristiano Machado (PSD) e Getúlio Vargas, apoiado pelo PTB, pelo PSP (Partido Social Progressista) e pela facção dissidente do próprio PSD. Venceu Getúlio Vargas.

Getúlio Vargas (1951-1954)
O nacionalismo – O novo governo de Vargas realizou-se no momento em que os países capitalistas se reorganizavam, tendo como centro os Estados Unidos. Desse modo, o processo de industrialização, que havia sido facilitado pela Segunda Guerra, foi anulado, pois o imperialismo retomou seu vigor e a reconquista do mercado brasileiro foi empreendida. Todavia, a política econômica de Vargas era marcadamente nacionalista, chocando-se por isso com os interesses imperialistas, sobretudo os norte-americanos. A mais significativa decisão de Vargas no período foi a nacionalização do petróleo, com a criação da Petrobrás, através da lei 2 004 de 3 de outubro de 1953, que estabeleceu o monopólio estatal do petróleo. Naturalmente, o nacionalismo de Vargas não agradava aos capitalistas norte-americanos, e o presidente dos Estados Unidos, Eisenhower, cancelou unilateralmente o acordo de desenvolvimento entre o Brasil e os Estados Unidos, entregando apenas 180 milhões de dólares dos quase 400 milhões prometidos anteriormente.

O reforço do sindicalismo – Paralelamente à política econômica nacionalista, Getúlio concedeu especial atenção ao movimento trabalhista, procurando apoiar-se na grande massa popular para sustentar o seu programa econômico. As oposições cresceram com a nomeação de João Goulart como ministro do Trabalho, em princípios de 1953. O novo ministro reorganizou os sindicatos de modo a dar ao governo maiores condições de manipular a massa operária.
As oposições. Como era de esperar, Vargas teve de enfrentar a oposição dos conservadores, cada vez mais violenta com a participação de Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa. Na campanha antigetulista, Lacerda não hesitou em explorar mesquinhamente a vida privada do presidente e dos seus assessores. Além disso, procurou identificar o novo governo de Getúlio com o retorno ao Estado Novo. De outro lado, as pressões norte-americanas, sobretudo das empresas petrolíferas, criavam dificuldades cada vez maiores para Vargas. A luta chegou ao auge em meados de 1954, quando o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado. Embora Lacerda tenha escapado, o atentado resultou na morte de um oficial da Aeronáutica, major Rubens Vaz. O envolvimento de pessoas que compunham a segurança pessoal de Vargas fez com que o Exército se colocasse contra o presidente, exigindo a sua renúncia. Na manhã de 24 de agosto de 1954, depois de escrever uma carta-testamento, Getúlio se suicidou.

De Getúlio a Juscelino – Nos dezesseis meses que se seguiram ao suicídio de Vargas três presidentes se sucederam: o vice-presidente Café Filho, que assumiu o poder mas, por motivos de saúde, imediatamente deixou o cargo; o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, que pouco depois foi interditado pelo Congresso Nacional (11 de novembro de 1955); e finalmente Nereu Ramos, vice-presidente do Senado, que se manteve na presidência até 31 de janeiro de 1956.
Nas eleições presidenciais de 1956 foi eleito, novamente pelas forças getulistas, Juscelino Kubitschek de Oliveira, apoiado pelo PSD e pelo PTB. Derrotadas, as forças antigetulistas - notadamente a UDN - reagiram à ascensão de Juscelino e tentaram impedir a sua posse, que foi garantida pelo "golpe preventivo" do general Henrique Teixeira Lott, então ministro da Guerra.

Juscelino Kubitschek (1956-1961)

Plano de Metas: o desenvolvimentismo – O governo Juscelino Kubitschek foi marcado por transformações de grande alcance, sobretudo na área econômica. Enfatizando o "desenvolvimento econômico industrial", estabeleceu, através do Plano de Metas, 31 metas, entre as quais energia, transporte, alimentação, indústria de base, educação e construção da nova capital, considerada “a 44 síntese de todas as metas”.
Essa "política desenvolvimentista" do governo Kubitschek baseava-se na utilização do Estado como instrumento coordenador do desenvolvimento, estimulando o empresariado nacional, e também criando um clima favorável à entrada do capital estrangeiro, quer na forma de empréstimos, quer na forma de investimento direto. Assim, em 1959, o governo criou a Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste), para auxiliar o nordeste e integrá-lo economicamente ao mercado nacional. Talvez a mais significativa das medidas tenha sido a criação do Grupo de Estudos da Indústria Automobilística (GEIA), constituindo aquilo que seria, no futuro, o carro-chefe da industrialização brasileira, apesar de todas as distorções econômicas verificadas posteriormente.
Esse ambicioso programa de desenvolvimento econômico levou Juscelino a repensar o sistema americano, resultando na criação da Operação Pan Americana (OPA), que redefiniu as relações da América Latina com os Estados Unidos. Através dessa iniciativa, Juscelino procurou transformar a solidariedade pan-americana numa aliança entre os países, visando a superação do subdesenvolvimento.
As transformações. Sem dúvida, o esforço juscelinista acarretou a alteração da fisionomia econômica do país. A euforia desenvolvimentista não era, de fato, carente de fundamento. As indústrias se desenvolveram sensivelmente e a economia se diversificou. Todavia, com o modelo de desenvolvimento econômico concebido e executado, outros problemas apareceram. A abertura para o capital estrangeiro, que se tornou a principal alavanca do desenvolvimento industrial, começou a pressionar a economia, provocando a inflação. Apesar da criação da Sudene, o esforço para anular as disparidades econômico-regionais não teve saldo positivo. Ao contrário, o centro-sul desenvolveu-se aceleradamente, agravando ainda mais aquelas disparidades. Com isso, a transferência da mão-de-obra das áreas tradicionais para o centro-sul, isto é, do campo para a cidade, modificou a composição social dos grandes centros urbanos, aumentando a pobreza. Novos desequilíbrios se anunciavam, desdobrando-se nos anos seguintes em graves crises que culminariam com o movimento militar de 1964.

O imperialismo – Uma das dimensões, talvez a mais importante, do estilo desenvolvimentista do período de Juscelino foi o pleno enquadramento do Brasil nas novas exigências do capitalismo internacional, que tinha os Estados Unidos como centro hegemônico. De fato, o Brasil ajustou-se nesse período à linha mestra do capitalismo de organização - o capitalismo das multinacionais -, que modificou o caráter da dominação imperialista. Em vez da exportação de capitais - fórmula típica do capitalismo monopolista que surgiu nos anos 70 do século passado -, a ação do capitalismo avançado se deu pela implantação direta de indústrias, de unidades produtivas. Com isso, iniciava-se a internacionalização do mercado brasileiro, aprofundando a dependência econômica do país.

As eleições presidenciais de 1960 – Nas eleições de 1960 concorreram Jânio da Silva Quadros, apoiado pela UDN, e Henrique Lott, através da coligação PTB, PSD e PSB. A emergência de Jânio Quadros e o amplo apoio popular com que contou ofereceram aos setores da oposição, agrupados na UDN, a mais excelente perspectiva para quebrar a hegemonia PSD-PTB, herdeira do getulismo. A vitória janista foi verdadeiramente impressionante, com uma diferença de mais de 1 milhão de votos (5 636 623 contra 3 846 825).

Jânio da Silva Quadros (31/1/1961-25/8/1961)

Jânio, o "antipolítico" – Segundo o historiador norte-americano Thomas Skidmore, um conhecido “brazlianist”, Jânio era um "corpo estanho por excelência" no cenário político da época. Ainda segundo o mesmo autor, Jânio "apresentava-se como um candidato dinâmico de grande presença, que estimulava o público levando-o a confiar nele. Oferecia, assim, ao cidadão comum do eleitorado urbano a presença de uma transformação radical através da força redentora de uma única personalidade líder". Juntamente com Getúlio, Jânio foi um dos maiores lideres carismáticos do Brasil. Embora de início não estivesse totalmente identificado com o getulismo, posteriormente, após sua renúncia, repetiria, com freqüência, que de Getúlio tiraram a vida, mas não os ideais, ao passo que dele haviam tirado o ideal, e não a vida, estabelecendo assim uma significativa analogia.

O "estilo" de Jânio – Todavia, apesar da "excentricidade" aparente, Jânio era um político bastante conservador e autoritário. Desde o início, procurou controlar os sindicatos, não hesitou em reprimir os protestos camponeses do nordeste, mandou prender estudantes rebeldes, adotou uma política de austeridade e acreditou poder corrigir os vícios da administração pública reprimindo a corrupção.
Apesar de sua estreita concepção política no plano interno, Jânio curiosamente declarou-se favorável a uma política externa independente, colocando-a em prática. Reatou as relações diplomáticas e comerciais com o bloco comunista, o que desagradou profundamente ao governo norte-americano.
Entretanto, os problemas que Jânio tinha a resolver eram muitos e difíceis. Em primeiro lugar, a pesada herança das contas legadas por Juscelino, referentes à construção de Brasília. De outro lado, não se mostrava capaz de superar a crise financeira, pois a sua política de austeridade era constituída de medidas impopulares, como congelamento dos salários, restrição ao crédito, corte de subsídios federais, desvalorização do cruzeiro. Com isso, as inquietações empresariais e operárias não tardaram a aparecer.
À falta de solução para os problemas internos acrescentaram-se os externos: "em agosto de 1961", narra um jornalista norte-americano, "Quadros manda ao Congresso seu projeto sobre lucros, que determina um novo imposto sobre todos os lucros, nacionais ou estrangeiros, de 30% - com uma condição importante: os lucros reinvestidos nas indústrias que beneficiavam o serviço público, ou a criação de novas indústrias, especialmente no Nordeste, seriam taxados em apenas 10%. Como já existe uma taxa de 20% sobre todos os lucros exportados, nossas companhias que mandam seus lucros para os Estados Unidos, ou as companhias locais que investem seus lucros no exterior, sofrem, portanto, uma taxa de 50%, ainda inferior às taxas nos Estados Unidos". Em suma, Jânio queria, através de medidas tributárias, bloquear, em parte, a acumulação de capitais e a remessa de lucros, ferindo os interesses do imperialismo e da classe dominante no Brasil.

A renúncia – Isso foi suficiente para que uma tempestade desabasse sobre o governo de Jânio, na forma de sistemática campanha da oposição por intermédio da imprensa. O pretexto para intensificar essa campanha foi dado pelo próprio presidente, ao agraciar Ernesto "Che" Guevara, que retornando da primeira conferência de Punta del Este (Uruguai) passara pelo Brasil. Ora, Guevara, ao lado de Fidel Castro, era a figura mais conhecida da revolução cubana de 1959, e nesse período Cuba já havia tomado, decididamente, o caminho do socialismo. Bastou esse novo gesto de Quadros - insignificante em si, pois a condecoração era mero protocolo - para que a oposição buscasse identificar o governo de Jânio com o comunismo. O ponto culminante da campanha antijanista foi a denúncia de Carlos Lacerda, então governador do estado da Guanabara, através de uma rede nacional de televisão, acusando-o de estar tramando para o Brasil um regime análogo ao de Cuba. No dia seguinte (2 5 de agosto de 1961), segundo algumas versões, o general Cordeiro de Farias, comandante-chefe do Exército, teria exigido que Jânio mudasse sua política externa, ao que ele teria replicado:
- O senhor está preso!
- E o senhor está deposto! - teria respondido Cordeiro de Farias.
Segundo a versão que se popularizou, diante das oposições acirradas, Jânio, irritado, teria simplesmente renunciado, com esperanças de ser recolocado no poder pelo povo, a fim de estabelecer, talvez, um governo forte, centrado na sua autoridade pessoal. Na carta renúncia (25 de agosto de 1961), Jânio acusou as "forças terríveis que se levantaram contra mim", levando ao fracasso seu plano de governo. Essas "forças ocultas", ele jamais chegou a nomear com total clareza. Seguramente, referia-se aos representantes do imperialismo norte-americano: John Moors Cabot (ex-embaixador), Adolf Berle e o secretário do Tesouro americano, Douglas Dillon, além de Herbert Dittman, embaixador da Alemanha Ocidental. Internamente, tratava se das forças antipopulistas aglutinadas na UDN, notadamente Carlos Lacerda.

João Goulart (1961-1964)

Continuação da crise – Com a renúncia de Jânio, a presidência deveria ser assumida por João Goulart. Durante toda a sua vida política, Jango - como era popularmente conhecido - estivera ligado às forças getulistas e parecia ser o principal herdeiro de Vargas. Fora ministro do Trabalho no governo de Getúlio, vice-presidente de Juscelino e novamente reeleito vice de Jânio. Todavia, sua atuação política era identificada pelas forças conservadoras como notoriamente comunista; na União Soviética seu nome era citado com simpatia pelos jornais. Para fortalecer ainda mais essas opiniões, quando Jânio renunciou, Jango encon¬trava-se em visita à China comunista, onde declarara, dirigindo-se ao líder do PC chinês, Mao Tsetung: "Congratulo-me com Vossa Excelência pelos triunfos obtidos pelo povo e pelo governo da República chinesa em sua luta heróica pelo progresso e pela elevação do padrão de vida do povo”. Evidentemente, tratava-se de uma deferência e de simples formalidade, pois declarações elogiosas ele fizera em outras ocasiões e em países absolutamente anticomunistas. No entanto, a saudação protocolar de Jango foi utilizada pelos conservadores como "prova" de que ele era comunista.
A partir de 1945, o rádio passou a exercer papel decisivo nas eleições e, na bancada Constituinte de então, já constavam vários locutores, guindados à Câmara Federal pelas ondas médias do rádio. A campanha de 50/51 inaugurou a presença do locutor oficial nos comícios, que viria a ser difundida nas eleições posteriores, desde que Getúlio Vargas – eleito em 51 –, adotou o radialista Dalwan Lima, da cidade de Campos, no Estado do Rio, como locutor oficial da presidência. O mesmo Dalwan notabilizou-se como locutor dos comícios de Juscelino Kubitschek na campanha de 1955 que, vitorioso, também o empregou como locutor. Dalwan, um nome que se tornou célebre na história das campanhas de 1950, também subiu aos palanques na campanha de 60, quando Juscelino tentou como pôde eleger o Marechal Henrique Lott como seu sucessor.
Com a vitória e a posterior renúncia de Jânio Quadros, o locutor campista só retornou ao governo no período João Goulart, desta vez como assessor de Imprensa da presidência, dando uma demonstração da força do rádio nos acontecimentos políticos da época.


O agravamento da crise – Devido à ausência de Jango, a presidência foi assumida por Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. Porém, efetivamente, o poder estava nas mãos dos três ministros militares - general Odílio Denys (ministro da Guerra), brigadeiro Moss (ministro da Aeronáutica) e almirante Sílvio Heck (ministro da Marinha) -, que imediatamente declararam estado de sítio para evitar qualquer manifestação pública. Ao mesmo tempo, passaram a controlar a imprensa e o rádio, intervieram nos sindicatos e prenderam seus opositores, incluindo deputados e até o general Lott - este último acusado de "subversivo" pelo ministra da Guerra.
Toda essa movimentação tinha uma finalidade: impedir a posse de Jango.
Entretanto, uma clara cisão militar surgiu no Rio Grande do Sul, onde o comandante do III Exército, general Machado Lopes, se declarou favorável ao cumprimento da Constituição, isto é, dar posse a Jango. Naturalmente, a atitude do general foi hostilizada de imediato pelo general Denys e por Lacerda, que lideravam a UDN no movimento antijanguista.
A prisão do general Machado Lopes foi cogitada. Mas como fazê-lo, se o Rio Grande do Sul era governado por Leonel Brizola, que entre outras coisas era cunhado de João Goulart? Brizola, aliás, deu ordens de defender a Constituição e preparar o Rio Grande do Sul contra tentativas de invasão.

O encaminhamento da solução – Enquanto as divergências se radicalizavam de parte a parte, na iminência de uma guerra civil, os Estados Unidos, temendo que o exemplo cubano se repetisse no Brasil, alteraram sua tática antijanguista e passaram a pressionar o general Denys e seus aliados para uma solução de compromisso. Aliás, ao que parece, mesmo João Goulart não estava interessado em liderar a revolta armada que os gaúchos julgavam próxima. A razão era bem simples: Jango era um fazendeiro m' milionário, em cujas terras criava-se um dos melhores gados do Brasil; por isso, não lhe interessava uma revolução que alterasse o regime de propriedade ou simplesmente desorganizasse a economia nacional. Tanto assim que, conciliatoriamente, aceitou as condições que lhe impuseram para assumir o poder.
A solução de compromisso foi iniciativa do deputado federal Plínio Salgado - ex-chefe integralista -, que apresentou ao Congresso uma emenda constitucional estabelecendo o regime parlamentarista no Brasil. Desse modo, João Goulart seria chefe de Estado, mas com poderes limitados. A emenda foi aprovada pelo Congresso "sob pressão m' militar", declarou Kubitschek, ex-presidente e naquele momento senador da República. Assim, a 7 de setembro de 1961, João Goulart prestou juramento como o novo presidente da República.
A intensa hostilidade de que se cercou a posse de Jango já denunciava o grande desgaste do "populismo”. Durante o governo de João Goulart, esse desgaste atingiu o seu auge: em 1964, através de um movimento militar, o presidente foi deposto, encerrando-se a era do populismo.

Jânio Quadros elegendo-se prefeito da Capital Paulista e, no cargo, há um momento em que ameaça renunciar. Quando Governador de São Paulo, contrariado com as críticas e com a oposição que vinha sofrendo na Assembléia Legislativa, no cúmulo de sua irritação, chamou o seu secretário particular, Afrânio de Oliveira, e lhe entregou uma mensagem para ser divulgada à noite, pelos jornais, noticiando sua renúncia. De posse da mensagem, Afrânio de Oliveira reteve-a em seu poder, não dando ciência a ninguém. No dia seguinte, estranhando a falta de repercussão da notícia, indaga o Governador do seu Auxiliar onde se encontrava a mensagem:
- "Comigo, no bolso."
- "Rasgue-a" – disse Jânio.

Estava superada a crise da "renúncia".
A renúncia de Jânio Quadros foi premeditada, ligando um fato a outro, as circunstâncias permitem acreditar que tinha o objetivo de controlar todo o governo e livrar-se de Carlos Lacerda e da influência do Congresso.
A revista "Mundo Ilustrado" em seu número de 12 de agosto, treze dias antes da renúncia, publicava a reportagem: "Renúncia, arma secreta de Jânio".
Prova cabal de que a renúncia não foi um gesto individual de um Presidente destemperado: a carta em que a decisão seria tornada pública estava desde 20 de agosto em poder de Horta. Ele mostrou a um grupo de conspiradores que se reuniu na casa de um industrial em Bertioga (SP). Entre os participantes do encontro estava o Presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (PSD-SP), e o ministro da Guerra, Odílio Denys.
A justificativa apresentada pelo Presidente Jânio Quadros sobre a sua renúncia à Presidência da República, tem uma característica interessantíssima: a de colecionar renúncias como chantagem.
Em 1960, em entrevista exclusiva, após o episódio da renúncia, quando era candidato a candidato à Presidência da República, pela UDN, Jânio disse: - "Quando renunciei, tinha o firme propósito de voltar à vida privada, isto é, à advocacia, ao magistério e à família" (renunciou por duas vezes em 1960).
Em 25 de agosto de 1961, o estilo da carta renúncia. Diz o texto: "Retorno agora ao meu trabalho de advogado e de professor."
O que planejava Jânio Quadros?
Ele planejava, com a renúncia divulgada em Brasília, aterrissar no aeroporto de Congonhas, onde o Viscount presidencial seria cercado pelas "massas" – o que seria um pretexto para voltar ao poder "nos braços do povo".
Jânio Quadros não queria sob nenhuma hipótese fechar o Congresso Nacional, pois, poderia faze-lo com um cabo e três soldados. Ele pretendia o respaldo político e parlamentar mais amplo para suas reformas; Jânio Quadros nunca perdeu a chance de amaldiçoar os partidos políticos e o Congresso, e de tanto faze-lo, acreditava piamente no que dizia.
Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira trocou de legenda sucessivamente. Renunciando a todos e no mesmo estilo de carta que imprimiu sua marca pessoal.
Jânio Quadros, provavelmente se sentiu portador de um mandato extraordinário. Na França, a quinta República começava com De Gaulle a repor o país nos trilhos. Em Brasília, Jânio caminhava para sete meses de governo, com medidas que variavam desde corajosas eliminações de subsídios até pequenas intromissões no cotidiano para demonstrar preocupação com a moralidade pública.
O estilo agressivo e independente de Jânio reverberava como algo bem mais poderoso que uma vassoura: era a alavanca, o bisturi gigantesco e destemido de que o País precisava.
- "A renúncia foi mais um gesto teatral, a que ele (Jânio Quadros) se habituara. Contava, certamente, repetir a cena que fizera quando da sua renúncia à sua candidatura à Presidência da República, aliás, por duas vezes e no mesmo estilo. Jânio era o golpe." Afirma marechal Teixeira Lott.

Após a renúncia de Jânio Quadros, com a responsabilidade de ser um dos três detentores do Poder Civil durante umas poucas horas, o marechal Odílio Denys, Ministro da Guerra, recebeu a visita do Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, para lhe dar ciência do ato da renúncia voluntária do Presidente da República, foi inquirido sobre a causa ou causas do estranho ato de Jânio Quadros.
A resposta do marechal Denys ao Deputado Ranieri Mazzilli foi a seguinte:
- "Temperamento."

Jânio Quadros tinha a obsessão da renúncia e foi um ato teatral. Oscar Pedroso Horta traiu Jânio Quadros, quando não rasgou ou pelo menos não retardou a entrega do documento da renúncia. Horta deveria ouvir os ministros, os Governadores amigos e os líderes da campanha janista. Que "razões próprias" deve ter tido o ministro da Justiça, Pedroso Horta para o açoamento da entrega do documento da renúncia?
A bagagem de Jânio Quadros já estava pronta desde a véspera da renúncia, antes de saber da denúncia de Carlos Lacerda. Jânio Quadros, ao participar dos festejos do 25 de agosto, Dia do Soldado, em Brasília, estava com uma fisionomia alegre, na manhã do dia da renúncia. É semblante de quem antegozava uma grande travessura.
Este depoimento é concludente, quando confessa Jânio Quadros ao seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, que Jânio Quadros esteve diante de um Congresso que não atendia, que não obedecia. Horta tentou várias vezes uma aproximação entre o Presidente indócil e o indócil Congresso Nacional. Afinal de contas, Jânio quando Governador "renunciou" pelos mesmos motivos.
A renúncia de Jânio Quadros foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque.
Jânio não acreditava que poderia deixar realmente o poder (Oscar Pedroso Horta não se comportou com o seu ex-secretário Afrânio de Oliveira, retendo a carta renúncia). Ele tinha esperança de que uma manifestação popular o levasse novamente ao cargo e que deste modo seria ainda mais fortalecido. No entanto, a população foi tomada de surpresa com o episódio e houve um clima de frustração muito grande, que se julgava traída.
Em 1960, o Brasil vislumbrou e perdeu, como num passe de mágica, a chance de um grande salto à frente.
Todo grande escritor cria seus próprios precursores. Fernando Henrique Cardoso não foi eleito para ser escritor, mas seu discurso modernizante e até mesmo seu temperamento político compõem um retrato de Jânio como precursor. As diferenças devem ser também notadas. Pelo menos na esfera do discurso, a perestroika liberalizante de FHC é abrangente, explícita, diria mesmo doutrinária; ao passo de Jânio era um esboço, um bico-de-pena, uma inclinação até certo ponto intuitiva.
Jânio fazia discursos contundentes e contraditórios. Para fazendeiros do Nordeste era capaz de defender o latifúndio com a mesma tranqüilidade com que, para uma platéia estudantil, defendia a reforma agrária.
Um populista de muito sucesso. No entanto, observo que o populismo janista sempre se diferenciou dos demais populismos.
Muito do sucesso de Jânio Quadros, se deve a seu estilo pessoal. Sempre teve grande capacidade teatral, um senso muito aguçado para reconhecer a dimensão da expectativa do povo brasileiro e imensa habilidade na manipulação de sentimentos e emoções. Já na década de 50, Jânio emprega o marketing político muito bem.
Sua argúcia, seus dons oratórios, seu temperamento, sua apaixonada e persistente disposição a encarnar a autoridade impessoal da ordem pública – tudo isso será relembrado.









Bibliografia

VALENTE,Nelson. Fi-lo porque quis.São Paulo O Artífice Editorial.São Paulo,2002.

BROSSO, Rubens.VALENTE,Nelson.Elementos da Semiótica. Comunicação Verbal e Alfabeto Visual.São Paulo.Panorama,2000.

VALENTE,Nelson. O processo de comunicação do político Jânio da Silva Quadros numa perspectiva da semiótica peirceana.São Paulo:Dissertação ( Mestrado em Comunicação e Mercado).Fundação Cásper Líbero,1995.

VALENTE, N.: Jânio e Saulo. Rio de Janeiro, Vozes, 1992.
________________: A vida de Jânio em Quadros. São Paulo, Nacional, 1993.
______ Jânio de fio a pavio. 2ªed., São Paulo: Edicon, 1996.
_______ Jânio Quadros face a face com a renúncia. São Paulo: Panorama, 1997.
_______ Luz... câmera... Jânio Quadros em ação: o avesso da comunicação. São Paulo, Panorama, 1998.
_______ Retalhos de uma República. São Paulo: Panorama, 1999.
BARRACO, H. B.: A Imagem intencional do discurso adequado. Pannartz, São Paulo, 1991.
BUCZYNSKA - GAREWICZ, H.: “Sign and Continuity”. Ars Semiótica International Journal of American Semiotic USA, Semiotic Press, 1979.
_________________: “The Interpretant and a System of Signs”. Ars Semiótica International Journal of American Semiotic, vol. IV, 1981.
_________________: “Signe and Dialogue”. American Journal of Semiotics, vol. II, , 1983.
DEPOIMENTOS do próprio ex-presidente Jânio Quadros e políticos ao Autor.
PEIRCE, C.S.: “Collected Papers”. 8 vls., Harvard Press, USA.
______________: Umpublished Manuscripts as paginated by the Institute for Studies in Pragmaticism. Lubbock, Texas.
_______________: “Writings of Charles S. Peirce: A Chronological Edition”. vol. I a III. University Press, Bloomington, Indiana.
______________: “Philosophical Writings”. New York, Dover Publication Inc, 1955.
________________: “The New Elements of Mathematics”. Edited by Carolyn Eisele, 4 vols., The Hague, Mouton, 1976.
________________: Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1977.
________________: “Semiotics and Significs”. Bloomington: Indiana University Press, 1977.
________________: “Os Pensadores”. São Paulo, Abril Cultural, 1980.
________________: “Semiótica e Filosofia”. São Paulo, Cultrix, 1984.
SAVAN, D.: “Peirce and the Trivium”. Cruzeiro Semiótico, nº 8, Associação Portuguesa de Semiótica, 1988.
SPINKS, C.W.: “Peirce’s Demon Abducation”. American Journal of Semiotic, vol. 2 1983.
TEIXEIRA COELHO NETO, J.: Semiótica, Informação e Comunicação.

Bibliografia Suplementar:
1. BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo, Cultrix, 1988.
2. ECO, Umberto e SEBEOK, Thomas (org.). O Signo de Três. São Paulo, Perspectiva, 1991.
3. ECO, Umberto. Conceito de Texto.
4. MERRELL, Floyd. Introducción a la Semiótica de C. S. Peirce. Maracaibo-Venezuela, Universidad del Zulia, 1998.
5. NÖTH, Winfried. A Semiótica no Século XX. São Paulo, Annablume, 1996.
6. NÖTH, Winfried. Panorama da Semiótica: De Platão a Peirce. São Paulo, Annablume, 1995.
7. PEIRCE, Charles S. Semiótica e Filosofia. São Paulo, Cultrix, 1972.
8. PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1987.
9. SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo, Brasiliense, 1983.
10. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo, Cultrix, 1988.
11. VALENTE,Nelson.BROSSO,Rubens. Elementos de semiótica-comunicação verbal e alfabeto visual.São Paulo, Editora Panorama,1999.
































































ANEXOS
MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA

Excelência:

Solicito seja dada cobertura de vôo e assistência técnica ao avião DC-3, prefixo PT-BIG, de propriedade do Banco de Crédito da Amazônia S.A., em todo o Território Nacional. Fica autorizado o reabastecimento do mesmo avião nas fontes da FAB, pagando o BCA exclusivamente as despesas feitas.

J. Quadros

24.08.61
________________________________________
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

Excelência:

1) Designar um advogado para, juntamente com dois funcionários da SUMOC, a serem designados pelo Ministério da Fazenda, a fim de que venham a proceder a um exame meticuloso e acurado dos atos e fatos administrativos ocorridos no Banco de Crédito da Amazônia S.A. a partir de 1954 até 31.3.61.

2) Dar a esse importante trabalho o sentido de AUDITORIA, de sorte a delimitar responsabilidades por operações consideradas danosas ao patrimônio daquele Banco.

J. Quadros

24.8.61




________________________________________
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA


Excelência

Autorizar os Agrônomos e Veterinários desse Ministério a prestar ao Banco de Crédito da Amazônia S.A. os serviços técnicos de que venha necessitar, inclusive avaliações de safras e de propriedades rurais.

J. Quadros

24.8.61
________________________________________
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

Excelência:

1) Autorizar, com urgência, o funcionamento de estações de rádio/telegrafia e, facultativamente, fonia, pertencentes ao BCA, localizadas em Brasília (DF), Cuiabá (MT), Manaus (AM), Porto Velho (RD) e Rio Branco (AC), com freqüência entre 13.000 e 16.000 Kc/s, medida esta última que deverá ser estendida à estação de Belém (PA) já autorizada a funcionar (Portaria nº 315, de 17.4.61, do Ministério da Viação e Obras Públicas), mas cuja freqüência é insuficiente (5.762,5 Kc/s).

2) De igual forma, autorizar a utilização da freqüência de 8.160 Kc/s para todas aquelas estações darem cobertura de vôo ao avião DC-3, prefixo PT-BIG, pertencente ao BCA.

J. QUADROS

24.8.61
________________________________________
SUPERINTENDÊNCIA DO PLANO DE VALORIZAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA

Senhor Superintendente:

1) Determino que todas as verbas do Fundo de Fomento à Produção do exercício de 1961 sejam aplicadas exclusivamente pelo Banco de Crédito da Amazônia S.A., embora sob fiscalização da SPVSA, no financiamento a pequenos e médios produtores, nos setores agrícola e pecuário e na pequena indústria de artesanato.

2) Os grandes empreendimentos industriais e as grandes operações não devem ocorrer à conta do Fundo de Fomento à Produção, pois o Governo deseja com prioridade, assistir ao pequeno e médio produtor.

J. Quadros

24.8.61
________________________________________
SUPERINTENDÊNCIA DA MOEDA E DO CRÉDITO

1) Fornecer, com urgência, ao Banco de Crédito da Amazônia S.A. cartas patentes para funcionamento de Agências em Curitiba, Florianópolis, Belo Horizonte, Goiânia, Recife, Salvador, Corumbá e Campo Grande;

2) Atender, em regime de prioridade, o fornecimento de cartas patentes ao BCA para a instalação de Agência em outras 13 (treze) praças, todas situadas na região Amazônica, cujos pedidos serão apresentados após os estudos que estão sendo realizados entre o BCA e o Banco do Brasil.

J. Quadros

24.8.61
________________________________________




(*) é professor universitário, jornalista e escritor
Autor: Nelson Valente


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