Eu, herói



Ontem ressuscitei daqueles sentimentos que nos colocam heróis. Fazia sol forte na depressão periférica da borda leste do Rio Paraná. Temperatura que esquenta os fios de cabelo cozinhando os miolos cefálicos. No entanto, a caminhada era curta e sem agitação. Era coisa de algumas quadras até a rodoviária. Daí descer com um boné seria inteligente, mas em alguns dias os bonés me deixam com a cabeça irregular e pareço orelhudo. Ontem era desses dias, então preferi a cabeça descoberta.

Havia caminhado pouco ainda, considerando os treze minutos, andando, que me separam da rodoviária. Curvava uma esquina que logo se transforma numa descida íngreme desaconselhável quando não se quer despentear o cabelo; isso pelo fato dela formar um canal de vento em potencial. Curvava agora já com passos rápidos quando assisti daquelas cenas que nos incomodam na proporção que conhecemos nosso espaço e necessidades de convívio social. Nesse momento pairou sobre mim a estrela do heroísmo.

Freei-me de velocidade pra me encher de gastrite. Foi o momento perfeito onde encarno uma sobrancelha diabolicamente inclinada e o movimento negativo com a cabeça, por alguns segundos olhando fixamente para, por exemplo, o infame autor da calçada molhada de mangueira em dias de estiagem ou do papel lançado fora do ônibus, do carro virando a esquina sem dar seta, do incendiário sem causa, da fila furada ou quando a moto vem acelerando, de muito barulho e pouca velocidade, próximo de mim dá um estalo ensurdecedor que, juro com meu amor, gostaria que explodisse o tanque de gasolina.

E agora assistia uma senhora de estatura meã, cabelo curto e armado, vestida em florido acinzentado e usando óculos escuros, grandes feitos metade do rosto. Ela havia deixado o carro parado no meio fio e estava voltando, de abrir o portão, a fim de entrar na garagem. Abaixou-se pegando um galho grande que havia caído, ou tinham cortado, da árvore em frente de sua casa. Era um galho de aproximadamente duas polegadas no diâmetro e com suas folhas largas e arredondadas quase num círculo perfeito; um galho grande. O carro com a porta do motorista aberta, esperando a distinta senhora entrar, viu-se ignorado.

Ela deu quatro passos e lançou o galho no meio da rua. Enquanto andava de volta, para adentrar o carro, seu caminho cruzou com o meu olhar de reprovação próximo cerca de dois metros dela. Eu balançava a cabeça e continuava olhando na medida que andava. Ela bateu a porta do carro com desdém e continuei descendo. Olhei para trás e percebi seu rosto inclinado refletir, no retrovisor, sua indiferença. Era o suficiente para ocupar meu ócio noturno.

Esperei anoitecer, coloquei uma calça preta, tênis escuro e vesti uma blusa perfeita para a camuflagem na noite. Não se via nada de mim, principalmente quando me escondia na aba do boné azul escuro. Vaguei até perto da casa dela habitando as sombras. Fiquei alguns minutos, parado embaixo de uma árvore próxima, me adaptando à cena. Depois, de movimentos rápidos fui até um grande terreno baldio em frente e peguei galhos de vários tamanhos. Coloquei todos eles em frente ao portão da garagem, trancando qualquer movimento. Virei as costas e fui embora, dormir o sono dos vândalos.
Autor: Alex Pinheiro


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