A Gênese do Intervencionismo Puro



A gênese do intervencionismo puro

Carlos A Lopes

O alerta dado aos economistas no final do século passado, para revisarem as bases dos princípios keynesianos da intervenção estatal, veio à baila nas últimas semanas com as propostas de nacionalização de bancos, como medida imediata contra a grave crise financeira mundial.

Embora as principais recomendações do Consenso de Washington - como regra de crescimento para os países em desenvolvimento - não tenham funcionado totalmente como planejadas, parece que o mesmo não pode ser dito das medidas adotadas e os resultados alcançados em termos de solidez dos fundamentos econômicos derivados.

Com isso, a melhoria das condições de equilíbrio fiscal mais duradoura foi extremamente favorável para tornar o ambiente mais atrativo aos capitais privados, principalmente nos investimentos de longo prazo. Pois esse contexto macroeconômico é que está se constituindo atualmente na tábua de salvação, ou pelo menos no fôlego ampliado, para várias das nações emergentes no enfrentamento da atual crise.

No entanto, as sementes intervencionistas que começam a brotar novamente nos países ricos estão encontrando guaridas nas antigas vertentes estatizantes terceiro mundistas, cujas fontes inspiradoras pareciam ter se esgotado quando o dragão socialista de mercado foi oficializado por Xiaoping e apresentado ao mundo. O que chama mais a atenção nesse debate é que um dos principais defensores da idéia de nacionalização dos bancos, Joseph Stiglitz, admite que, de um modo geral, a escolha não deve estar centrada na questão de envolvimento ou não do estado na economia, mas sim como ele deve se envolver. Há, portanto, que se tomar bastante cuidado nos rumos a serem adotados a partir de orientações preconizadas por interpretações intervencionistas equivocadas (Keynes não teve a oportunidade de se defender desse mal e, por isso, foi julgado à revelia).

O fato de o próprio Stiglitz reconhecer que em muitas nações emergentes o atual sistema bancário central está muito melhor que os Estados Unidos, deixa transparecer que essa idéia distingue a sua aplicação e, por si só, deveria garantir certa ordem interpretativa dos acontecimentos em diferentes situações. Segundo ele, a justificativa dessa diferença está na percepção dos riscos do excesso de alavancagem, o que tornou as ações muito mais prudentes nas economias em desenvolvimento. O alto volume de reservas em vários desses países caracteriza bem isso.

Diante desse contexto, observa-se no caso latino americano que a instalação dessa nova crise financeira mundial está sendo emoldurada como uma nova epopéia dos defensores do intervencionismo puro em todas as frentes. Como pano de fundo, uma concepção ideológica de ampliação do bem-estar social pela liberdade vigiada dos agentes, transformando-se num novo arcabouço de estatização generalizada.

Por isso, o alerta de que os preceitos de déficits fiscais para reversão do fantasma do desemprego - notadamente nas obras de infraestrutura – se não bem dimensionados e gerenciados poderão se transformar no “véu de noiva” para a sociedade, ou seja, embora nunca se soube bem o que o cabelo tem a ver com a neve, o fato é que a pureza do propósito não pode representar somente um ato simbólico de integridade. O mundo mudou o bastante para sustentar emblemas ultrapassados.

O estado precisa ser efetivo. Porém, como nunca teve capacidade para lidar muito bem com pressões fiscais e orçamentárias, pois a política imediatista não permite, é natural que a estimativa de redução do fluxo de capital privado para os países em desenvolvimento - na ordem de 2/3 no curto prazo - poderá desmoronar as pretensões estatizantes com fonte de financiamento exclusivamente externa. O surto protecionista que recém se reinstala certamente encobrirá as vozes dos que sustentam a solidez dos fundamentos macroeconômicos puramente endógenos.

Por certo, dois fatores tornam esse cenário de stop and go da globalização consistente e preocupante: primeiro, a inibição dos ganhos de eficiência privados, que aceleraram com a liberalização comercial das últimas décadas, e precisa ser mitigada tão logo o jogo continue; e, segundo, que a retomada pelo estado de certas atividades que aliviaram a pressão fiscal do passado poderá trazer de volta termos até então abolidos da literatura e da mídia, como a possibilidade de estagflação, por exemplo.

Além disso, há um outro componente de fundamental importância na análise da aplicação da tese keynesiana em graus não preconizados por keynes e seus seguidores. Trata-se da histórica ineficiência de gestão que não credencia o estado na retomada de investimentos ou oferta direta de bens públicos divisíveis. Esse conjunto de coisas, atrelados à disposição de ampliar os gastos com obras públicas de grande porte, com modalidades de licitação viciadas trazem à mente as antigas veias abertas da corrupção e oportunismos. Nada disso credencia qualquer uma das nações em desenvolvimento como medida eficaz no enfrentamento de curto e médio prazos.

Em suma, apesar de preocupantes, as crises sempre distribuíram oportunidades. Os adeptos do intervencionismo puro também a vêem assim, é lógico. Por isso, na gênese interpretativa dessa vertente estão sendo semeadas velhas crenças do papel do estado protetor, cujo modelo mais se aproxima do totalitarismo. Ou será que alguém admite que o excesso de carga tributária sem retorno não seja uma característica desse sistema?
Autor: Carlos Antonio Lopes


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