A história não é só do homem



Ouvimos e lemos muito sobre a formação do homem, a ação do homem, as mais variadas questões relativas ao homem. Cita-se muito “o homem” na literatura e nos discursos. Enquanto para a maioria das pessoas falar do homem é normal, algumas pessoas notam de forma evidente um viés machista nessas expressões. O homem, ser humano macho, é (im)posto como o Homo sapiens padrão e nossa sociedade acostumou-se em assim considerar.

Muito embora a mulher seja coautora da história humana ao lado do homem, e não apenas uma colaboradora coadjuvante, seu papel torna-se ou parece tornar-se inconscientemente minimizado quando se enfatiza a palavra “homem” nos livros e nas falas daqueles que nos ensinam, mesmo que não seja essa a intenção de quem escreve, discursa e ensina. É visível que essa assinalação de uma humanidade de essência masculina reflete o machismo das sociedades ocidentais, ou ao menos das lusófonas.

Muito embora as sociedades patriarcais tenham, ao longo dos milênios, inibido severamente a capacidade e potencial das mulheres de construir os valores e estruturas sociais de seus povos, preferindo um caminho de dominação machista, com normas e valores que as trata(va)m como pessoas inferiores, à alternativa da construção sociocultural igualitária, é mais misoginia do que uma reconstituição fiel da realidade histórica humana atribuir à mulher um papel menor, “fora do padrão”, na história do ser humano a ponto de apenas “o homem” merecer ser citado.

Que o digam as deusas magnas ou principais de tantas culturas: Amaterasu, Isis, Astarte, as deusas minoanas, Cibele, as Deusas-Terra... As sociedades cujas religiões veneravam divindades femininas entre as de primeiro escalão. As culturas matriarcais da Idade do Cobre que terminaram vitimadas por povos agressores patriarcais. As mulheres de Creta.

No âmbito da liderança política e até militar, tivemos as Ngolas (rainhas) de reinos do sudoeste africano e de alguns quilombos brasileiros. Mulheres de grande poder como Nefertiti, Hatshepsut, Cleópatra, Lívia, Teodora e Joana d’Arc. A rainhas britânicas Elizabeth e Vitória. A rainha Isabel de Castela. Princesa Isabel no Brasil. Personalidades recentes e atuais como Indira Gandhi, Benazir Bhutto, Margaret Thatcher, Michelle Bachelet, Cristina Kirchner e tantas outras. Todas mostram como a mulher pode encabeçar sem problemas, ou dividir harmonicamente com o homem, o poder político ou ao menos exercer funções muito importantes.

As intelectuais, cientistas e ativistas também possuem importância inegável. Mesmo tendo o homem tentado inibir essa vertente da força feminina, muitas quebraram as limitações impostas e exerceram papéis memoráveis e importantíssimos no progresso do pensamento humano. Temos Marie Curie, Florence Nightingale, Ruth Benedict, Margaret Mead, Alice Walker, Emma Goldman, Nísia Floresta, Olga Benário, Rosa Luxemburgo, Betty Williams e milhares de tantas outras.

Irresponsável seria esquecer todas as anônimas que, no passado e no presente, contribuíram e contribuem para a evolução, edificação e continuidade da espécie humana, seja trabalhando arduamente por suas famílias, clãs, tribos, povos e nações, ou alimentando seus filhos e filhas, ou assistindo seus maridos nas mais variadas realizações humanas, ou escrevendo livros, ou criando obras de arte, ou administrando empresas, ensinando...

Depois de tantas constatações sobre o papel da mulher, convém perguntar por que ainda dizemos tanto que quem evoluiu e progrediu ao longo de milênios foi “o homem”. A mulher é um homem também?

Não seria melhor, em vez de “o homem”, dizermos “o ser humano”, ou “o humano” ou mesmo “a pessoa”?

Se ainda damos o mérito ao homem pelo andamento da história do ser humano, se o tratamos como o ser humano padrão, é porque ainda não damos oportunidades suficientes à mulher para ela mostrar todo o seu potencial. É porque nós, homens e mulheres, ainda inibimos as capacidades femininas por seguirmos valores machistas e aceitarmos o patriarcalismo nos mais diversos aspectos e estruturas sociais, como política, religião, cultura e economia. Entre os hábitos patriarcalizados, também está incluído chamar o humano de homem, considerar o homem como o padrão humano em vez de apenas o ser humano macho.

Substituir nos livros e discursos o substantivo "homem" pela locução "ser humano", quando não tratarmos dos machos especificamente, será um grande favor para que formemos sociedades mais igualitárias em questões de gênero. Para abolir o machismo e o ranço patriarcalista de nossa sociedade, é enfaticamente necessário, praticamente uma obrigação coletiva, começar pela linguagem, diferenciando o ser humano do homem específico. História humana não é apenas história “do homem”.
Autor: Robson Fernando


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