Corrupção, sonegação e o enigma do ovo ou a galinha



Será que a grande maioria dos cidadãos contribuintes sentiria constrangimento em julgar a corrupção junto com a sonegação? Certamente o pestilencial vírus da hipocrisia poderia responder que sim, não é mesmo?

Pois então! Mesmo com uma carga impositiva de mais de 71% sobre a produção de bens e serviços, o brasileiro continua o povo mais feliz do mundo. Trabalhando ¼ do seu dia para si e ¾ do tempo para os fantoches, era para ser diferente. No entanto, segue sendo o campeão mundial de fidelidade ao jugo do berço esplêndido. Tem atestado categoricamente, a cada ida às urnas, a legitimidade do regime democrático com suas inesgotáveis fontes de corrupção e sonegação. Tem assistido passivamente, e com invejável inércia, o noticiário político-esportivo (vide os lançamentos precisos e bem treinados de conversa fiada; os institucionalizados arremessos de pizzas; o salto triplo nas finanças privadas por parte da união, estados e municípios; o salto triplo na impunidade no âmbito do executivo, legislativo e judiciário; espetaculares gols contra na saúde, educação, segurança pública e, com muito estilo, na assistência social e previdenciária; e, ainda, o recorde mundial de atuação executiva na tarefa de legislar via medidas provisórias). E, sobretudo, o brasileiro tem pacientemente corroborado com a gangrena, atuando de forma insofismável como autêntico vetor da cumplicidade harmônica dos poderes constituídos.

O pior disso tudo é que as contas do fardo público sobre a produção privada demonstram que ele não é somente elevado. Está crescendo a uma taxa média de quase 3% a cada ano. A partir dos interessantes dados (identificados com *) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), é possível orientar um raciocínio dedutivo da abominável carga impositiva sob uma outra óptica: a contabilidade pútrida da promíscua relação pública e privada.

A arrecadação pública em 2008 foi de R$ 1,056 trilhão* e o Produto Interno Bruto (PIB) atingiu R$ 2,89 trilhões*. Numa relação simplificada (que geralmente é divulgada), a carga tributária representou 36,54%* do PIB (em 1986 era 22,39% e, em 1998, 29,90%). Porém, o raciocínio deve ser outro. O brasileiro passou a comprar R$ 787 bilhões* de serviços privados, como educação, saúde, segurança, previdência e estradas com pedágio. Esses gastos correspondem a serviços que antes eram ofertados pelo governo e, pelo fato de não ter reduzido a carga (pelo contrário), deveria fornecer com os tributos que cobra, mas não o faz. Por isso, esse montante deve ser acrescentado na conta de tributos indiretos. Adicionando ainda o valor de R$ 200 bilhões*, que está ou será inscrito em dívida ativa em função da autuação de tributos sonegados, a carga impositiva pública efetiva (direta e indireta) atinge o montante de R$ 2,043 trilhões. Ou seja, a voracidade do espírito público arrecadatório em nome do equilíbrio fiscal é de, no mínimo, 71% do PIB, quando comparada aos papéis recentes da intervenção estatal na economia.

Ora, na conta do PIB está registrada a totalidade do gasto público. Porém, como não houve nenhuma redução da carga tributária em contra partida aos serviços recentemente privatizados e a qualidade dos serviços públicos evidencia contínua queda nos últimos anos (a discussão conceitual sobre padrão de qualidade fica para outra oportunidade), deixa claro que cada unidade monetária da despesa pública que está saindo dos cofres públicos está chegando no destino muito mais quebrada que se pode imaginar. Aliás, a chegada de uma parte pequena que seja é fundamental para alimentar os intermináveis processos que passam pelos tribunais de contas e ministério público, incluindo as etapas à montante ou à jusante.

Nesse sentido, a partir da divulgação de um superávit primário na ordem de 4,5% do PIB (R$ 130 bilhões), deduz-se que somente a quebra líquida compensada pela substituição do gasto público atinge pelo menos, 657 bilhões de unidades monetárias (787 bi de gasto pseudo-privado menos 130 bi de reserva para o outro poço sem fundos: os juros da dívida pública). Somando o crescimento real (sem retorno) da carga impositiva nos anos recentes (em torno de 14% do PIB), a quebra mínima pode atingir o montante de R$ 1,2 trilhão a cada ano.

Não obstante o vocábulo “corruptus” em latim significar quebrado em pedaços, o verbo corromper (corrumpere, em latim) denota um significado que diferencia as partes quebradas, ou seja, uma decomposição no sentido do apodrecimento. Resulta desse fenômeno um enigma a ser desvendado: qual a fonte de sobrevida do pútrido objeto? Ora, a lavagem do dinheiro sujo (drogas, contrabando, prostituição, etc.) é a injeção no tecido produtivo. Porquanto, pressupõe-se que dentro da produção não há dinheiro sujo, somente dinheiro podre.

Pois então, se os tubos de irrigação da verba pública são costurados com o mesmo material extraído das veias sórdidas da corrupção e, por isso, oferece uma ampla e complexa gama de possibilidades de repartição e distribuição, fica claro que a corrupção se auto-alimenta da sonegação e vice-versa. Segundo o IBPT, o montante de R$ 200 bilhões* de tributos sonegados decorre da receita não declarada aos fiscos na ordem de R$ 1,32 trilhão* (uma identidade muito próxima ao R$ 1,2 trilhão que pode estar sendo quebrado no gasto público). Isto que sequer é mencionado o montante não autuado da ½ nota, perfeitamente admitido no institucionalizado “balanço falado” entregue pelas empresas às instituições financeiras no salário “PF” dos trabalhadores, nas notas calçadas, nas livres transferências de recursos interna e externa, etc. (se a CPMF fosse o que disse que era...).

O responsável pelo sustentáculo deste quadro não pode ser outro que não o próprio contribuinte hipócrita. O seu perfil de vítima reproduz a funesta convicção que o Brasil é, de fato, um grande paraíso, mas da putrefação. Enquanto o mundo combate a existência de paraísos fiscais offshore, a nossa galinha dos ovos de ouro segue mantendo um belo paraíso inshore. A propósito, cuidado com a cabeça na ora de atirar pedra na galinha ou no ovo.

Quanto às propostas, claro que sim! Destacam-se as seguintes: estimular a diminuição do combustível da corrupção, que é a facilidade de circulação através da sonegação. A sonegação é o vetor desse processo porque abre as portas e anistia o dinheiro podre. Imposto único, Estado mínimo, centralização de poderes e voto não obrigatório são ações complementares, urgentes e necessárias. Para tanto, uma reforma constitucional menos auspiciosa com as conquistas sociais e menos hipócrita com o papel estatal e os direitos dos cidadãos limitaria profundamente a razão de ser de um Estado inóspito como tem sido o nosso. Uma verdadeira galinhagem, ou será “ovagem”?
Autor: Carlos Antonio Lopes


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