O carnaval alienado



Nos primeiros meses de todos os anos, vem aquela espera ansiosa pelo carnaval. Chega então a hora de brincar, dançar, paquerar e esquecer os problemas. Seria tudo muito bom se, nesta última “função”, as pessoas não esquecessem, além das broncas pessoais, o fato de que vivem numa realidade social e política bastante hostil. É esse ponto que dá à folia um ponto negativo, em contraposição ao seu brilhante aspecto de manifestação cultural.

O carnaval é muito positivo enquanto visto como parte da cultura brasileira, mas passa a ser algo prejudicial a todos e à própria pessoa quando é usufruído como uma “Matrix”, uma ilusão onde a realidade pode ser ignorada e a alienação, tratada como se fosse uma liberdade válida. Aliás, tem sido essa uma das grandes “utilidades” do feriadão festivo. Os limites morais entre a descontração e a alheação das problemáticas global, nacional, estadual, municipal e local não são respeitados.

É o que se percebe pela mídia, que encoraja essa alienação, e pela sociedade em si, que não aproveita o momento alegre para expor nem ao menos seus desejos mais vagos por uma nação melhor. A primeira também quase esquece que o Brasil ainda não terminou sua evolução e exalta as diversas futilidades que marcam tal manifestação cultural: enquanto “gostosas” famosas desfilando nas escolas de samba, celebridades nos camarotes e a cobertura quase constante das festas são de praxe na TV, tantos outros assuntos têm sua importância muito reduzida perante os telejornais. Implicitamente a própria televisão ordena que a pessoa esqueça tudo ao seu redor, entre na “Matrix” e seja “feliz” na folia.

O povo obedece e realmente desliga-se de tudo, desde do professor ranzinza até da alta da violência, mesmo esta última sendo virtualmente impossível de se esquecer em dias úteis. Dois detalhes ilustram a alienação carnavalesca: primeiro, quando perguntamos algo do tipo “você viu Jarbas metendo pau na geral do PMDB?”, somos respondidos com uma frequência notável com, por exemplo “Ah, deixa pra contar depois do carnaval que agora só quero pular”; segundo, a ausência quase total de pessoas que, em grupo, aproveitam o momento para fazer algum protesto irreverente – uma lamentável falha quando lembramos que nosso povo é tão criativo mas não se dispõe em canalizar seus desejos e indignações na festança.

Eventos de lazer que assegurem à pessoa o direito à diversão e ao desligamento temporário de fardos pessoais devem ser encorajados, mais ainda quando se tratam de manifestações culturais apoteóticas que fazem brilhar a identidade cultural do povo. Esse incentivo, contudo, não deveria ser aplicado para transformá-los em “mundos de ilusão” onde as pessoas fingem estar livres de uma realidade carregada de complexos problemas. Quem gosta de carnaval tem todo o direito de brincar, desde que não se esbalde em vícios e não exacerbe violência, mas precisa entender que não é ético utilizar a folia como pretexto para apagar de sua “agenda mental” a obrigação de lutar por uma sociedade mais justa.
Autor: Robson Fernando


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