Oportunismo X Oportunidade em tempo de crise



Já faz parte das rodas de conversa uma constatação bastante “oportuna” em tempos de crise: a oportunidade é um objeto da ciência e o oportunismo um objeto da arte.

De um lado, observa-se que o aproveitamento de oportunidades tem uma relação direta com a capacidade de prever os acontecimentos, planejar as ações, dimensionar e comparar os riscos, decidir e executar conforme planejado, ou seja, a antecipação dos fatos através da combinação de sensibilidade e dos métodos científicos, como exercício de futurologia comum à visão empreendedora de sucesso.

Embora o aparente sentido ambíguo, o oportunismo é, por outro lado, caracterizado como uma ação instantânea, imediata, e que está relacionado com a habilidade em realizar um lance no presente, sem qualquer preocupação com princípios ou predominância de valores, isto é, a arte da acomodação em torno das circunstâncias.

Em que pese os avanços da “ciência” política na interpretação das razões de determinados procedimentos dos homens públicos, observa-se que as práticas políticas têm pautado por uma fidelidade oportunista sem precedentes, em detrimento, portanto, ao aproveitamento de oportunidades, voltadas para as ações planejadas e com expectativa de resultados mais consistentes no médio ou longo prazo.

Em tempos de crise, a arte política parece sobrepujar os demais aspectos positivos do conhecimento. Por conta disso, os receios nas rodas de conversa recaem, principalmente, sobre a vulnerabilidade que as pessoas comuns estão expostas quando as ações de enfrentamento por parte das autoridades se voltam exclusivamente para o oportunismo de cunho ideológico.

O que estamos assistindo no Brasil, por exemplo, é um fenômeno de dois mundos muito distantes, atuando no mesmo átrio. De um lado, os empresários que, subjugados por um sistema de alta dependência das ações públicas, não conseguem se desgarrar do fardo e, por isso, as oportunidades antes desenhadas pelo avanço da globalização se esvaem como um passe de mágica. De outro lado, um périplo de informações desencontradas protagonizado pelas autoridades do governo, com o claro propósito de não discutir o tema central de interesse dos empresários: o custo Brasil e o stop and go da competição global.

Antes, num tempo não muito distante, observou-se que as empresas brasileiras custaram um pouco a perceber os benefícios da globalização, fruto da desorientada política de comércio exterior anti-inflacionária. Depois, um tempo maior foi necessário para entendê-la, depois para aceitá-la e, posteriormente, para se adaptar, se preparar e, enfim, participar. Não foi fácil. Mesmo com o fardo da carga tributária e outras barreiras burocráticas, as empresas adquiriram, com muita competência comercial, um grau de competitividade bastante estruturado.

Não obstante, as turbulências de ordem econômico-financeira serem vistas por todos como inerentes ao capitalismo, por certo, as empresas sempre atuaram com mecanismos de proteção. A propósito, vinham gastando mais com “hedge” contra as políticas fiscal, monetária e cambial do que com seguros de transportes e de crédito. O popular “um olho no peixe, outro no gato” sempre foi a regra menos ingênua contra governos intervencionistas e imediatistas.

No entanto, a preparação para a retomada pós-crise, com as oportunidades latentes que se multiplicando, não está sendo devidamente priorizada. O que estamos assistindo é um gritante oportunismo governamental em aumentar a intervenção estatal na economia sob os auspícios da conveniente política do déficit público e seu partner, os altos juros.

A clara demonstração que o princípio econômico de equilíbrio fiscal não está sendo perseguido faz transparecer que o mais importante é, de fato, o oportunismo político e não a estruturação das empresas para as oportunidades da retomada. Com a carga tributária e os gastos públicos crescentes o atual governo brasileiro vinha costurando o “projeto maior”, o da estatização. Para tanto, o oportunista PAC estava sendo preparado com relativo grau de cuidado para isso.

Com o revés financeiro global, a orientação econômica predominante indicou o PAC como solução intervencionista emergente. Paradoxalmente, o mesmo revés desestruturou o PAC com a perda de arrecadação. Ora, será que o inchaço oportunista da máquina pública teria mesmo sustentabilidade num país de tantas incertezas e oportunidades como o nosso?

Certamente, essa questão seria secundária diante da agudeza da crise se estivéssemos, de fato, tratando das oportunidades que a própria crise criará em breve. Em suma, espera-se que o tratamento periférico dedicado à reforma tributária possa, urgentemente, entrar na ordem do dia. Só assim conseguiremos recuperar as oportunidades perdidas a cada crise cíclica que se instala.

Além disso, urge ser repensado os limites da intervenção estatal em setores que, historicamente, já demonstraram grande incapacidade de gestão pública, como a infra-estrutura, por exemplo. Interessante que o receiturário seguido pelo Brasil, a partir da década de 1990, para atingir a alardeada capacidade atual dos fundamentos econômicos poderá ser revertido com as ações oportunistas em curso. Basta imaginar o país rondando novamente os fantasmas da década de 1980 para entender claramente essa possibilidade. Gasto público crescente com aumento da pressão fiscal, dívida pública, inflação e baixo crescimento. Como o país está gastando mais do que pode, o fator gasto público de péssima qualidade anulará a solidez dos demais fundamentos. Este quadro remete o Brasil da pré-reglobalização a se questionar: o que buscamos é oportunismo ou oportunidade diante da crise?
Autor: Carlos Antonio Lopes


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