Desoneração x Intervenção: o debate postergado na PEC 233



Não raras vezes, especialmente em tempos mais recentes, é possível observar uma incontrolável vontade de desabafar sobre os impositivos percalços da vida a dois: você e a sua carga tributária.

Não é para menos. Ao longo dos últimos anos assistimos o espetacular crescimento da arrecadação dos tributos no Brasil e, incompreensivelmente, dos gastos públicos desqualificados, onde, de forma inigualável, registra a mais alta taxa de evolução intervencionista de todo o planeta. A questão central que sobressalta é: em nome de que causa se justifica tamanha voracidade fiscal nos três níveis de governo do país?

É claro que essa questão não está sendo adequadamente respondida, seja por especialistas vinculados ideologicamente às diversas tendências ou, até mesmo, por especialistas neutros ou, ainda, os pseudoneutros, geralmente emoldurados em renomadas instituições. Por quê?

Uma possibilidade pode ser o denominado sofisma da composição, pois, como uma das leis econômicas fundamentais, não permite atribuir ao todo certos princípios válidos apenas para uma parte do conjunto. E, portanto, seria necessária a compreensão de cada parte para uma melhor compreensão do todo. Nesse sentido, a propalada premência de uma ampla reforma tributária constitui o átrio de um debate político e social que se arrasta em vertentes muito bem articuladas, demonstrando uma impressionante pré-indisposição para construção de um sistema realmente consistente e de longo prazo.

Ora, as partes do todo são inúmeras e estão estrategicamente ancoradas num quadrilátero com estereótipo bem caracterizado: 1 – dos representantes máximos (composto organicamente de partidos políticos, supra-partidos, maiorias, minorias, base aliada, coligações, coalizões e todas as formas possíveis de acordos, conchavos e vinculações legislativas subservientes); 2 – dos representantes intermediários (composto por associações, confederações, organizações, sindicatos, conselhos e todas as demais formas possíveis de arrecadação associativa de entidades de classe); e, 3 - dos representados (composto pelo grupo de contribuintes puros que ainda acredita, incondicionalmente, na própria pureza e na pureza das instituições).

Pois então, de um modo “categoricamente” organizado, o representado nomeia o representante intermediário para dizer que, em nome da expansão da atividade produtiva e da competitividade, a redução/adequação da carga tributária deve ser pleiteada à exaustão. Claro que se trata de desejos sujeitos às restrições orçamentárias, afinal o sofisma da composição registra interesses múltiplos em torno dos requisitos de equilíbrio fiscal, isto é, a complexa matriz do “cobertor curto” fazendo sobrecarregar as cotidianas negociações de balcão (atualmente há mais de 3.200 normas vigentes no sistema tributário brasileiro para regular 61 tributos, entre impostos, taxas e contribuições. Além das negociações do efeito cascata, as obrigações acessórias e o custo de acompanhamento dão ao balcão uma imagem de bolsa de valores em dia de pregão agitado).

Os representantes intermediários, por razão de ofício, utilizam todos os meios possíveis de comunicação para demonstrar os fundamentos da gestão e sua capacidade negociadora. Naturalmente, os desejos dos representados são sempre compartilhados pelos representantes máximos e intermediários em torno do balcão. Uma solidariedade capaz de dar inveja até na Santa Sé.

E os resultados da gestão? Ah! A quarta parte do quadrilátero: o poder. O contexto sobrenatural das forças ocultas, agindo sobre a governança constituída, é um capítulo a parte das partes. O establishment, que não deseja menos poder e, por isso, influencia as demandas de balcão entranhando-se nas demais partes, não parece se opor - e não há qualquer razão para isso - à postergação do debate envolvendo a desoneração versus intervenção estatal / governamental.

Por conta das institucionalizadas taxas de serviço nos negócios de balcão, a elite desdenha o dilema social da carga tributária como fruto das próprias conquistas sociais preconizadas na reforma constitucional de 1988 e suas subseqüentes emendas. No momento, a parche recebe o nome de Proposta de Emenda à Constituição - PEC 233, que tramita no Congresso Nacional há pouco mais de um ano.

Certamente, a tabela com as taxas de serviço é composta por vários itens, dentre os quais se destacam, em primeiro grau, o intervencionismo ideológico corrente e, em segundo grau, a corrupção, sonegação, publicidade, propaganda e os diversos mecanismos de comunicação de massa. As taxas pagas pelo establishment formam o aparato condutor das entranhas. Uma vez consolidada as resistências das veias indutoras para sua sustentação, o sistema de trocas se instala e o funcionamento regular é o mesmo de qualquer sistema: input / output ou toma lá, dá cá.

Portanto, no presente momento, o que se espera é uma atenção redobrada de todos os representantes dos representados, em especial os representantes intermediários, diante da proposta ideológica intervencionista e estatizante que está sendo construída através da PEC 233. Esta proposta de reforma tributária centralizadora, de forte sustentação do status predominante de irrigação do gasto público improdutivo e, mais do que isso, construída confortavelmente sob aos auspícios da “nordestinizada” torneira do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional – FNDR – tem, paradoxalmente, muitos defensores sulistas, em especial os governantes dos tradicionais estados e municípios historicamente deficitários.

Com baixos índices de desenvolvimento, esses especiais defensores juram de “pé-junto” que cumprem fielmente a Lei de Responsabilidade Fiscal (que grande virtude!) e, mais do que isso, eles bradam categoricamente que os principais obstáculos para busca do equilíbrio fiscal e o fomento do desenvolvimento produtivo residem principalmente na chamada “guerra fiscal” e nos créditos com a União (fatores endógenos, nem pensar).

De qualquer forma, a instalada proposta é um ponto de partida. É natural que os vícios de tramitação (comissões especiais, audiências públicas, etc.) pouco interferem na essência do conteúdo a ser aprovado. Afinal, numa “democracia” como a nossa Constituição Federal faz a nação crer, não se pode esperar outro resultado. Mas, como é nas entranhas do poder que o real sistema de trocas funciona, precisamos de uma boa proposta para negociar a redução do fardo tributário.

A idéia é avançar na desoneração e, como conseqüência, reduzir a intervenção estatal (um corte substancial na corrupção e nas fontes “legais” de gasto desqualificado). A contra-partida deve ser a redução da evasão fiscal (reduzindo as fontes de hipocrisia contributiva), resultando em menor gasto com publicidade e propaganda governamental. Ou seja, a proposta é diminuir as taxas de serviços pagas pelo establishment para manter o aparato condutor das entranhas. Do contrário, sem uma proposta convincente, o debate será continuamente postergado. Pior do que suportar as agruras do poder é conviver com a própria incompetência.
Autor: Carlos Antonio Lopes


Artigos Relacionados


O Sadismo Dos Governantes Em Arrecadar Tributos

Economia Legal

A Matemática Na Educação Tributária: Impostos E Taxas

Gestão Pública E A Questão Tributária: Um Estudo Sobre O Iss E O Iptu Nos Municípios De São José Dos Campos E Taubaté

A ImportÂncia Da ContribuiÇÃo TributÁria Para A EducaÇÃo Brasileira

Simplificar Impostos Significa Modernizar O PaÍs

Economia Legal Para As Empresas