Lamento de um cidadão inconformado



O cinismo corporativo e a alienação popular venceram em Recife. Mais um aumento -- palavra cujos eufemismos "reajuste" ou "realinhamento" só são bons para os empresários de ônibus, por isso está sempre repetida aqui -- foi bem-sucedidamente aplicado nas tarifas de ônibus. O acréscimo de 10 (tarifa A) a 15 (tarifa B) centavos foi consentido, aceito e esquecido pela população. A inépcia dos movimentos contrários a essa sutil tunga e a sagaz estratégia dos empresários do transporte coletivo frustraram todos aqueles que desejavam uma tarifa justa.

O povão não só engoliu, como mastigou esse aumento, graças à mais nova tática suja e cínica das corporações de transporte público: estipular primeiro um aumento absurdo de quase 30%, que inchasse a todos de raiva e indignação, para depois dar uma taxa mais branda, posando assim como heroína da vez e esfriando a todos. Assim o conformismo foi geral e pouco foi feito para se manifestar oposição. A população se tornou conivente, praticamente cúmplice, do próprio mal que sofreu.

Os protestos contra esse absurdo puderam ser contados nas mãos. Fora isso, pregações solitárias de pessoas que esperavam conquistar a simpatia antiaumento dos conformados. Ou grupos de amigos que faziam manifestações tentando chamar a atenção de uma população que, como temiam, aceitou a sutil tunga.

Grandes grupos estudantis novamente encenaram seus tão velhos e malfadados métodos de oposição. E até bem menos do que deveriam, sem persistência. Poucas sessões de lotação das ruas, sempre na mesma avenida Conde da Boa Vista, e as mesmas táticas que levaram a população a desacreditar em suas ações: pulo da catraca e tentativas de vandalismo. E, imaginem só, mais autopromoção partidária, pelas bandeiras de PSTU e PSOL nas passeatas.

E ainda reclamam (ou não) que a população não gosta deles. Como podem esperar simpatia se não mudam suas estratégias de oposição aos aumentos, se não procuram conquistar o apoio da sociedade? Falta-lhes maturidade para virar o disco.

UNE, Ubes e sei lá mais "Uquê", vocês deveriam ter vergonha de ser "revolucioneiros" tão infantis e limitados. De ser gente que valoriza mais o apego às bandeiras vermelhas da ideologia socialista e dos partidos de ultraesquerda do que o apoio do povo e o convite às manifestações de cidadania independentes de participação partidária. De afugentar tantos estudantes que viam na luta estudantil a esperança de garantir os direitos seus e do próximo mas só veem panfletagem política em suas manifestações.

É muito triste o fato de que o cinismo descarado, a mentira, a fraqueza e a alienação venceram os únicos focos de insatisfação voltados contra o aumento. Como cidadão, estou sentindo uma grande vergonha de quase todo mundo ao meu redor. Fiz minha parte, escrevendo meus textos de exortação ao protesto, falando nos ônibus e participando de algumas manifestações com amigos, mas a carência de mais pessoas ao meu lado para serem cidadãs junto a mim reduziu meus gritos de cidadania a algo parecido como um pranto no meio do Saara.

Vou tentar pensar em algo a fazer ainda para me manter permanentemente como cidadão oposto à atual política opressiva que não se interessa em manter um sistema de transporte decente e de tarifas módicas. Mas, sozinho e sem experiência como orador carismático, duvido conseguir algo para abaixar a passagem que sou obrigado a pagar. Não vou me abaixar à mediocridade de ser um conformista, mas lamento, quase que com lágrimas, que a derrota tenha sido total desta vez.
Autor: Robson Fernando


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