Recife, aquecimento global e a “enchente eterna”



As previsões do IPCC e de outras comissões científicas que vêm analisando os efeitos do aquecimento global estão cada vez mais terríveis. A diminuição dos níveis atmosféricos de gases-estufa e o consequente retorno da temperatura média da atmosfera aos padrões preindustriais levarão longos séculos segundo os mais variados estudos. O nível do mar estimado para 2100 está cada vez mais alto. Cidades como o Recife, onde moro, estão previstas para afundar no oceano ou enfrentar o que chamo de “enchente eterna” daqui a algumas décadas. Lanço a questão: como Recife vai lidar com essas perspectivas perversas?

Se não houver uma ação, que será quase certamente muito dispendiosa, nós recifenses veremos a cidade inundada pelo mar por alguns séculos. Não vamos submergir tanto porque temos prédios altos e o nível do mar ainda não está previsto para subir a tal ponto. Mas as enchentes duradouras, caso não haja uma espécie de “Projeto Moisés” brasileiro – nome dado aos esforços de se conter o avanço do mar em Veneza, na Itália –, serão certas.

É preocupante o fato de que somos uma das cidades mais vulneráveis do mundo em termos de inundação marítima. Vivemos numa altitude média de míseros dois metros acima do nível do mar, com alguns bairros situados até abaixo do mesmo. Já temos muitos problemas com a questão da maré quando há ressacas, vide canais que transbordam.

A enchente eterna vai abater não só Boa Viagem e Pina, como também o Recife Antigo, o velho centro da cidade – bairros como Santo Antônio, São José e Boa Vista, situados às margens do Rio Capibaribe – e talvez grande parte dos bairros banhados pelo Capibaribe. Se os canais transbordantes já nos trazem tanta dor de cabeça com enchentes, sentiremos o terror das cheias de um rio relativamente largo cujas margens foram obliteradas pela ocupação urbana.

A natureza cobrará ao Recife um preço altíssimo por ter sido uma cidade crescida a partir da bestial destruição de um imenso manguezal rodeado de Mata Atlântica – a qual floria os morros que hoje são ocupados por bairros como Ibura e Alto José do Pinho.

Já dá para imaginar o caos de uma nova inflamação urbana em Pernambuco no caso de não haver condições de um “Projeto Moisés” recifense. Os citadinos vão se mudar para municípios já entalados com complicações urbanas, como Jaboatão; em Camaragibe, Aldeia poderá deixar de ser um bairro cheio de verde e abrigar uma concentração urbana que ameaçará seus remanescentes de Mata Atlântica; os usineiros de cana perderão boa parte de suas plantações para novos bairros; a urbanização trazida pelos fugitivos da capital será caótica na região metropolitana e na Zona da Mata; as cidades mais destacadas do Agreste, como Gravatá e Caruaru, também deverão esperar uma horda de recifenses.

Sem falar em muitos outros problemas, nos mais diversos âmbitos, como o econômico, o social e, mais que obviamente, o ambiental, que virão abater sobre nós.

Fica o alerta para os próximos prefeitos recifenses e governadores pernambucanos: o aquecimento global é uma séria ameaça à nossa cidade, devendo iniciar-se logo o planejamento de um megaprojeto de contenção do nível do mar, a única esperança de uma das cidades mais ameaçadas do mundo pelo oceano. Se não quiserem ver a capital pernambucana sucumbir à “enchente eterna”, algo deve ser feito, sem que se espere pela boa vontade dos países do Hemisfério Norte para que deixem de poluir tanto.
Autor: Robson Fernando


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