A armadilha da visão global na crise econômica local



Para a maioria das pessoas com menos de 80 anos de idade as verdadeiras agruras de uma crise econômica em escala global são pouco conhecidas diretamente. Por isso, é bastante razoável que, neste momento, todas as atitudes sejam tomadas com muita cautela. Há, pelo menos, duas fortes razões para essa precaução: primeiro, a imprescindível necessidade de classificar criteriosamente a gama de informações que separam os diversos desdobramentos da crise em nível mundial de cada situação local; e, segundo, a importância de classificar e medir as influências diretas e indiretas dos acontecimentos sobre cada situação pessoal/familiar particular.

O grande desafio é, portanto, analisar de forma ponderada todos os aspectos econômico-financeiros e políticos que envolvem os fatores exógenos e endógenos no cotidiano de cada um, justamente para não correr o risco de tentar corrigir determinado fator a partir de um generalizado cenário de influências. Por exemplo: antecipar uma compra ou uma venda. É isso que afeta a vida das pessoas: a real diferença entre oportunismo e oportunidade.

Em outras palavras, alguém que ainda não tenha sofrido diretamente os impactos da crise, poderá, dependendo da atitude tomada, entrar nela rapidamente. E o que é pior, de forma voluntária e, muitas vezes, irreversível.

Por mais incrível que possa parecer, o momento não é propício à solidariedade intempestiva. Por conta da sensatez e do equilíbrio, ter a real certeza da distância que separa a TV/computador da porta da casa é um ato de responsabilidade. É preciso estar bastante atento. As más notícias globais poderão sim, bater na nossa porta muito mais cedo do que possamos imaginar. O importante é evitar, quanto possível, uma atração forçada.

Mas não se trata do prenuncio do caos. O chamado sofisma da composição, usado para definir uma lei econômica que considera o que é bom para um não será necessariamente para todos, determinará os efeitos positivos e negativos sobre todos os agentes envolvidos.

Em linhas gerais, no jargão economicista da construção de cenários, a principal recomendação para o dia-a-dia das pessoas comuns é que a atitude cautelosa está muito mais próxima da sensibilidade (intuição pura) do que propriamente dos modelos de análise de variáveis e comportamentos parametrizados de gestão do risco.

Também não se quer dizer que os economistas estão incorporando “a síndrome de Pôncio Pilatos” em seu julgamento. Muito pelo contrário. A partir desses desdobramentos, a reorganização do sistema pós-turbulências exigirá uma forte revisão e aperfeiçoamento dos modelos de análise macroeconômicos. Observa-se, no entanto, que não se trata de nenhum risco de revisão do modo de produção capitalista, conforme enaltecido pelos revolucionários socialistas e comunistas no meio a crise instalada em 1929 (oportunismo da época). E, tampouco, de insistir com as ressuscitadas vertentes keynesianas de intervenção estatal como estímulo ao aumento do gasto público incomensurável (oportunismo atual).

Por isso, a oportunidade (e não o oportunismo) que se apresenta no horizonte global da crise é a exposição das vulnerabilidades locais que precisam ser urgentemente tratadas. A capacidade de adaptação e de reação aos eventos é uma virtude diante da perturbação temporária dos mecanismos de regulação. Parafraseando Einstein: “A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos.” E ainda acrescenta: “O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis”.

Ao contrário de apoiar as medidas imediatas de ataque aos fatores conjunturais da crise (exacerbado viés oportunista), a tarefa principal da visão local é, fundamentalmente, voltar-se para os aspectos estruturais das vulnerabilidades diante da crise. Atuando de forma mais veemente para exigir uma urgente revisão do papel do estado na economia, especialmente no que tange ao enorme fardo impositivo sobre a produção, conjugado com um dispêndio público absurdamente desqualificado, é possível trazer de volta à produção o capital financeiro especulativo.
No cerne da questão está o desordenado desempenho do Estado facilitando a busca de proteção financeira especulativa. Por certo, o que afasta as pessoas do empreendedorismo é o aumento das incertezas, diante de um Estado intervencionista absurdamente desqualificado para atuar na mitigação dessas incertezas. Quando ocorre a facilitação da busca de poupanças financeiras em ritmo acelerado, em detrimento dos investimentos produtivos, as vulnerabilidades produtivas aumentam.

Em linhas gerais, diferentemente da visão global que atribui ao mercado a responsabilidade das agruras da atual crise, a visão local prudentemente atribui à desqualificada intervenção estatal como o fator propulsor dos acontecimentos. É preciso ter juízo para encarar dessa forma. E isso não falta à visão local produtiva.

Em suma, se para a visão global o problema é conjuntural (oportunismo estatal para aumentar a intervenção), a visão local reconhece o problema como exclusivamente de ordem estrutural (oportunidade privada para diminuir a intervenção). Nem é preciso ser economista para perceber o papel da taxa de juros e da carga tributária nesse contexto: em nome de uma solidariedade econômica, o estado sugere menor parcimônia por parte das pessoas para não reduzir o emprego, a renda, o consumo, a produção, o investimento e a arrecadação tributária e, consequentemente, a capacidade de intervenção, a não ser que intervenha nos juros para financiar o déficit intervencionista.

Ora, se o caminho para a especulação financeira se instala justamente na elevação das taxas de juros, a armadilha da visão global na crise econômica local é resistir à frugalidade intempestiva como uma atitude alto-solidária e, assim, correr o risco de antecipar sua entrada na crise voluntariamente. Do contrário, contribui acintosamente para a generalização da insuficiência de consumo e produção que, inevitavelmente, reverterá na própria perda.

Talvez, a lição de Einstein nos remete a pensar que a solução esteja na busca da solução mais difícil. Para não cair na armadilha da visão global, recomenda-se uma ação local muito mais de longo prazo. O momento é, portanto, de perseverar nas reformas da visão local para promover uma ampla reforma estrutural no principal mentor da crise: o Estado interventor.
Autor: Carlos Antonio Lopes


Artigos Relacionados


Análise Sobre Os Efeitos Da Crise De 2008 Sobre A Economia Brasileira, Com ênfase Na Avaliação Do Risco De Crédito.

Sociologia Aplicada Ao Cotidiano Das Nações

Risco Econômico

A Crise Na Terra Dos Deuses

A Crise Financeira Internacional E As Alternativas De Financiamento Da Pequena Empresa

2011: Uma Nova Crise?

O Que Podemos Aprender Com A Crise – 1ª Parte