A esperança é a última que morre... mas morre! (Lavo minhas mãos.)
Não há nada pior que a sensação de fraqueza que se pospõe ao constrangimento de ser assaltado nem pior que a impunidade que coisas desse tipo têm tido. Igualmente ruim é saber que ainda há pessoas que praticam ações assim e diluem a possibilidade da libertação de estigmas, prejuízos e preconceitos[...]
Falo isso porque vivi na pele a ação de dois meliantes, que me levaram um telefone móvel e quatro cédulas do menor valor do dinheiro corrente. O que me entristece mais não é a perda dos bens (que, a saber, para mim valiam muito pouco), mas a perda de um orgulho que tinha e que subitamente se desfez. Às 17h15min da tarde do dia 1º de janeiro de 2005 tal orgulho se desvencilhou de vez de qualquer parte do meu corpo, fui assaltado. E o que me levaram, nem se retornassem copiosamente arrependidos e me devolvessem o telefone e o dinheiro, se restauraria: o sonho de Luther king, que também era o meu.
Durante anos e anos, o que mais fiz foi propagar aos 4 cantos por onde passei o valor da minha raça, o respeito que ela merecia. Mas, ao que me parece, não adiantou. A semente que plantei em favor do povo afrodescendente não foi regada, murchou, definhou e morreu.
King – com a mesma inocência que eu tinha – declarou: eu tenho um sonho, que o homem seja julgado, não pela raça ou pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter e eu ao ouvir isso chorei, porque cria e tinha esperança. Mas hoje vejo que as coisas que king disse mal foram ouvidas por muitos, que nos subjugam; nem por alguns “da raça” que se sujam por pouco e sacodem a sujeira em quem não tem nada que ver com a ‘coisa’ e sofre junto, que não se respeitam nem percebem o estigma que os acompanha séculos afio e ajudam a sociedade a colar em si o rótulo de má impressão. E o sonho de um povo vai sendo esquecido...
Às vezes me pergunto por que é que o negro não pode ser sempre um Malcolm X, um Luther king, uma Glória Maria; sempre tem que ser alguém fadado à sarjeta, a ser o joio e, não, o trigo. Às vezes me faço perguntas assim e não chego a conclusão alguma. Tento me comparar a outros afro-sofredores e vejo que também poderia ser (ou estar) assim. Mas não o sou. Aí me vem outra pergunta: por que é que pude resistir à criminalidade e outros não? A resposta: bom-senso e um sonho: ser respeitado.
Minha perda material foi parcialmente resolvida: o ladrãozinho lucrou o aparelho que, com nota fiscal, pode chegar a valer até um salário mínimo. Eu bloqueei a linha, impossibilitando o uso; não dei queixa de roubo, já que não adiantaria muito. Mas hoje posso separar a minha vida em duas eras – a de (a. A.) e de (d. A.). E às 17h16min de 1º de janeiro 2005 d. A., em mim aquele sonho acabou e a esperança (que era a última que morreria) morreu.
Existem coisas com as quais a gente não pode ou não sabe lidar. Existem outras que talvez nunca acabem porque nós mesmos não permitimos.
Três coisas são certas. Uma é que todos morreremos, alguns como Luther King sem ver seus sonhos realizados. Outra é que não se tem mais noção do que significa a palavra “respeito”. E a última é que, se a esperança é a última que morre, antes mesmo de o derradeiro ser vivo na face da terra perder as esperanças, tudo vai mudar, o respeito vai se restaurar, o sonho vai reexistir depois de desfeito e o homem, ser mais humano...
O negrinho escapou levando tudo que tinha ali, inclusive o bendito sonho, que era movido pelo orgulho de ser negro. Porém agora, mesmo descrente em relação ao fim da estigmatização do povo de cor, tenho consciência de que não fui o primeiro, nem serei o último que teve (tem) esperança e sonhos. Agora é a razão que me guia, é ela que me diz que toda conseqüência tem uma causa, que o que se planta, colhe mesmo que se o tenha plantado ao pé duma “árvore” já arraigada. É preciso que a gente pondere os próprios atos, para que a cola do rótulo não seja a conseqüência deles.
A esperança em mim morreu; em outras almas idealistas não.
...torço para que o trombadinha destruidor-de-sonhos leia isto.
Autor: Joel Carlos Santana Santos
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