Por um terceiro sistema econômico



Anseios por um sistema econômico ecológico, próximo do igualitário, solidário e com tantas outras características positivas crescem pelo mundo. Rejeitam-se cada vez mais o capitalismo, que está se fazendo destrutivo e cujo controle global é virtualmente impossível, e o socialismo tal como se conheceu, que não se mostrou justo e exibiu-se repleto de falhas. A utopia – que mostrará, com o tempo, não ser impossível – de um terceiro sistema que atenda aos desejos das sociedades modernas está sendo esboçada e dá seus primeiros passos em algumas mentes pensantes nos países de todos os continentes.

Antes de se pensar no esboço dessa economia ideal, é necessário entender por que os dois sistemas existentes estão sendo crescentemente rejeitados.



A intrínseca insustentabilidade do capitalismo

As grandes crises financeiras que vêm se alastrando pelo mundo globalizado e o aquecimento global estão ensinando importantes lições à humanidade, e a hora é essa de assimilá-las. Estamos aprendendo, entre outras, que o capitalismo é socioambientalmente insustentável e é suscetível a falhas graves que podem derrubar ao duro chão mesmo os mais poderosos magnatas que se interessam em sua perpetuação, como tantos banqueiros norteamericanos. Aprendemos que a existência pan-dominante desse sistema econômico não é boa, a longo prazo, nem para os próprios senhores do dinheiro, que podem sucumbir com facilidade a crises e quebradeiras.

Vem-se observando, além dessa destrutividade econômica e socioambiental, o caráter degenerado dos valores culturais e morais que esse mesmo capitalismo cultivou ao longo das últimas décadas na maioria das nações industrializadas do planeta. O individualismo extremado, a desvalorização da solidariedade e da cooperação, a competição furiosa e narcisista, o egoísmo, o viver pelo dinheiro, a exaltação do Ter em detrimento do Ser, a alienação social e política, a mercantilização dos sentimentos e até da vida não-humana e muitos outros graves desvios têm prosperado na vida dos habitantes das cidades do mundo, inviabilizando qualquer perspectiva de que a humanidade passe a viver melhor no futuro sem precisar modificar seus fundamentos socioeconômicos e morais.

Muitos ainda tentam desenhar um capitalismo domesticado e reformado, que não seja tão perverso. Pensa-se no desenvolvimento sustentável como forma de deixá-lo menos patológico para o meio ambiente. Tenta-se torná-lo compatível com as tradições culturais locais, como na Índia, onde procissões hindus e templos clássicos dividem as cidades com indústrias, favelas e engarrafamentos.

Empresários tentam minimizar o caráter desigualitário intrínseco aos fundamentos capitalistas adotando políticas de responsabilidade social, por financiar projetos educacionais para jovens carentes, doar dinheiro para entidades filantrópicas, estimular economias tradicionais, entre outros atos caridosos. O Estado de Bem-Estar Social promove em regiões como a Escandinávia uma grande inibição das desigualdades sociais, provê dignamente educação, saúde e serviços públicos e limita a exacerbação do poder corporativo-empresarial.

Mas os resultados não parecem andar como os capitalistas reformistas queriam. Sem se modificar os fundamentos do sistema, os quais incluem a corrida pelo lucro e acumulação de capital, o estímulo ao consumismo, o crescimento econômico ilimitado e outras características insustentáveis, não há como se chegar muito longe no esforço de tornar ético o capitalismo e converter os interesses de quem prefere as velhas formas de se ganhar dinheiro.

A expansão global do Estado de Bem-Estar Social e das políticas de controle do poder do capital é condicionada à aquisição de consciência sociopolítica, tal como foi demonstrado pelas lutas sindicais na Europa na segunda metade do século 19 e na primeira do século 20. Essa consciência, por sua vez, só surge de uma sociedade satisfatoriamente educada, apta a fazer a democracia funcionar devidamente e que consiga inibir os já citados maus valores trazidos pelo capitalismo.

Mas enquanto esse sistema em sua forma bruta compensar mais ao grande empresariado que sua forma domesticada, por prover mais lucro e manutenção de privilégios socioeconômicos e políticos, haverá sempre forte impedimento ao exercício da educação de qualidade e da consciência coletiva e democrática em muitos países. Os maus valores capitalistas continuarão reforçados pelas corporações de comunicação de massa e as pessoas, sem ser educadas para a cidadania, não os abandonarão e continuarão mantendo o status quo.

O capitalismo pode no máximo ser domesticado e forçadamente controlado de forma limitada e mediante condições específicas propícias. Mas sempre estará longe de ser socioambientalmente sustentável na extensão global. Não há meios plausíveis de pensar um mundo melhor sem desmontar alicerces capitalistas como interesse pelo lucro crescente, crescimento ilimitado, necessidade de exploração de mão-de-obra de baixo custo e culturalização de valores ultraindividualistas. Sem essas características, deixa-se de ser capitalismo.



O fracasso do socialismo

Ansiosos pela derrubada do capitalismo e pela implantação global de um sistema alternativo, muitos jovens e intelectuais ainda têm emocionada esperança de que o socialismo – ou mesmo sua etapa final, o comunismo – suplante o status quo proporcionado pela devastadora dominação capitalista e liberte as classes socioeconômicas tão oprimidas e indignificadas pela concentração do capital nas mãos do grande empresariado, acabando ou minimizando muito as desigualdades sociais e dando o poder político ao proletariado.

Entretanto, a história já mostrou que a proposta socialista dos séculos 19 e 20, ainda hoje vista por alguns como boa e praticável, não vingou e ainda trouxe – e traz contemporaneamente para países como Cuba e Coreia do Norte – muitos efeitos colaterais desastrosos, incluindo a perseguição a todas as formas de oposição política, o tolhimento da liberdade de expressão e crença, a culturalização do belicismo em detrimento dos ideais pacifistas, a atrofia tecnológica e o proporcionamento de condições desconfortáveis de vida para a população.

Fracassado e sem credibilidade, o socialismo como conhecemos não caracteriza mais uma proposta plausível para tornar as sociedades modernas mais justas socioeconomicamente. A não ser que o século 21 traga um novo modelo socialista reformado, um neossocialismo, que concilie a proposta marxista com os anseios ambientais, democráticos, espirituais suprarreligiosos, pacifistas etc., o manifesto de Marx e Engels faz-se virtualmente impossível de ser aplicado no mundo e realidade de hoje.



Uma terceira proposta

Se entendemos que o capitalismo e o socialismo em suas formas puras ou levemente ajustadas não são sistemas econômicos compatíveis com a harmonia ambiental natural e humana, resta a esperança que surja um sistema econômico diferente.

Pensado ou não como um intermédio a uma sociedade anárquica (não confundir com anômica, sem normas e tendente ao caos), um terceiro sistema vem aparecendo como uma utopia ainda sem forma definida. Quase nada se sabe como ele será de fato, nem mesmo se ele realmente existirá. Mas já ser defendido é um começo, um gatilho para discussões mundiais começarem num futuro relativamente próximo.

Pode-se deduzir como seria essa terceira economia – aqui denominada provisoriamente de terceirismo – desenhando um vago esboço a partir da listagem de vários alicerces, deduzidamente mais próximos de um virtual consenso, que intelectuais e ativistas pelo mundo defendem para ela:

a) Ser verde: a conciliação da atividade econômica com a integridade do meio ambiente é imprescindível para o funcionamento íntegro da economia e da sociedade. A gestão ambiental seria indispensável. Empresas que incidirem na extração predatória de recursos naturais estarão prejudicando todo o sistema, local ou globalmente, a depender da extensão do dano ambiental. Dificilmente haveria espaço para a pecuária e a pesca industrial e assim a culturalização do vegetarianismo seria estimulada.

b) Não fomentar grandes desigualdades sociais: o valor da remuneração para quem não possui meios próprios de produção não estaria distante dos ganhos que o patronato assimilasse à sua riqueza pessoal. A mais-valia seria mínima mas ainda permitiria investimentos numa expansão moderada da empresa. Diferenças salariais grandes e exclusão de pessoas em idade economicamente ativa do sistema (mercado de trabalho?) seriam nocivas ao funcionamento da economia.

c) Fomentar a compra pela necessidade e desencorajar o consumismo e a compra supérflua: as necessidades, em vez dos sonhos de consumo, determinariam o que as pessoas comprariam. Nutrir e satisfazer desejos de comprar produtos caros que estivessem além do necessário a uma boa e basicamente confortável vida não contribuiria para a economia como um todo e, com a adoção de novos valores, passaria a ser visto como ato de desperdício e futilidade.

d) Ter valores éticos em seus alicerces: o capitalismo mostrou não ter uma ética intrínseca que protegesse os trabalhadores, o meio ambiente e os animais não-humanos. No terceirismo, o prezo por valores como respeito e promoção da igualdade seria imprescindível para que uma empresa fosse respeitada e mantivesse os clientes. O consumo ético seria culturalizado.

e) Fomentar a solidariedade e a cooperação: estes, em vez de individualismo e competição, seriam valores fundamentais para o bom funcionamento do terceiro sistema, tanto em sua dinâmica econômica como para o equilíbrio social de uma sociedade terceirista.

f) Oferecer igualdade de oportunidades: num país terceirista, todas as pessoas em idade economicamente ativa, de qualquer sexo, categoria racial, nacionalidade ou etnia, encontrariam oportunidades irrestritas para desenvolver sua vocação, seja qual fosse a área, desde a intelectual ou artística até a de administração empresarial.

g) Ser meritocrático: quem fosse mais inteligente e despendesse mais esforço e dedicação seria mais próspero na sociedade. Pelo fundamento da mínima desigualdade social, não ganharia muito mais que outras pessoas, mas teria mais prestígio e felicidade – considerando que a espiritualidade suprarreligiosa ganharia um grande valor no pensamento coletivo.

h) Promover a edificação e satisfação pessoais como fins do trabalho, paralelamente ao fim de obtenção da renda: ao invés do trabalho muito mais direcionado ao ganho de dinheiro do que à edificação pessoal, como é exercido por grande parte de uma sociedade capitalista, no terceirismo a dignificação e satisfação pessoais e a edificação de si seriam objetivos fundamentais do trabalho. O ganho de renda seria apenas um dos fins do emprego.

i) Encorajar a consciência sociopolítica e a cidadania: fundamentado no pensamento coletivista, solidário e cooperativo, o esforço cidadão pela manutenção do bom status quo seria essencial para que todo aquele que quisesse sabotar por vias políticas o funcionamento do terceirismo de modo a ressuscitar privilégios capitalistas encontrasse a oposição generalizada do povo. A defesa consciente da preservação do sistema socioeconômico harmônico seria decisiva para a sua manutenção e proteção.

j) Preservar tradições culturais: uma sociedade terceirista procuraria preservar as tradições culturais das minorias, conciliando os valores ancestrais com os novos. Entretanto, haveria possibilidade de os valores éticos terceiristas se chocarem com costumes considerados violentos. Não haveria intervenção em sociedades tradicionais/indígenas que não tivessem sido anteriormente assimiladas pelo sistema capitalista e engolidas pela sociedade moderna.

Outros fundamentos seriam debatidos ao longo dos anos de discussão do futuro novo sistema.

Esse debate, é necessário frisar, deve durar anos, talvez décadas, para que uma economia mais bem fundada possível surja e traga boas perspectivas para a humanidade. Discussões envolverão intelectuais de todos os continentes, havendo participação decisiva de africanos, latinoamericanos, asiáticos e habitantes da Oceania, além dos europeus e americanos do norte. O terceirismo, para atender aos principais anseios do mundo, deverá ter uma seleção democrática de teorias socioeconômicas a serem analisadas por economistas, sociólogos, antropólogos, filósofos, juristas e outros intelectuais de todo o mundo.

Sendo apenas uma ideia vaga de sistema econômico, o terceirismo ainda não tem um esquema de funcionamento, uma estrutura esboçada. Não se sabe como os fundamentos citados serão originados e aplicados e se sustentarão, como serão distribuídos os meios de produção, quanto será a diferença máxima entre as maiores rendas e as menores, como o sistema será introduzido numa nação, entre tantas outras partes básicas de seus mecanismos orgânicos.

Estando bem fundamentado dentro de algumas décadas, é mais provável – e natural até – que os países mais pobres do planeta sejam os primeiros a adotarem o terceiro sistema, possivelmente sem grandes resistências por parte dos citadinos e dos camponeses. Em algum tempo, haveria uma polarização entre o mundo capitalista e o novo conjunto terceirista, sem que, no entanto, haja a ascensão de potências dominantes neste. Não se sabe ainda como reagiriam os capitalistas, mas tudo indica que haveria um fortíssimo esforço reacionário.

O terceiro sistema econômico, tal como apresentado, não é uma ideia definitiva, mas os fundamentos especulados são os mais prováveis de integrá-lo, de acordo com as atuais reivindicações de ativistas e intelectuais de todo o planeta. Não é absurdo pensar nessa economia que foge da dicotomia “capitalismo X socialismo” que domina o pensamento socioeconômico desde o século 19. É sim bastante possível e praticável esse pensamento, embora seja visto ainda como utopia distante. Aliás, é pensando que os anseios por um mundo melhor são realizáveis que pensamos no terceirismo como também possível, ainda que demande um tempo relativamente longo e paciência.
Autor: Robson Fernando


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