Muvuca na lagoa
O sapo era o grande líder da lagoa, cujos habitantes estavam descontentes com a forma de governo adotada pelo anfíbio. O descontentamento era grande. Apenas um ou outro carrapato ficava grudado no sapo, mas, no geral, todos esperavam que a coisas fossem melhorar. No brejo não havia salário e a principal reivindicação era pela distribuição dos mosquitos, principal fonte de alimento e sobrevivência dos bichos. Acreditavam os descontentes que quem estava mais próximo do sapo comia mais mosquitos, e isso para eles é puro paternalismo. Estavam chateados também pelo fato dele contratar alguns animais que não faziam parte do habitat da lagoa. Eram eles: o chupim (pássaro) e o bode. O chupim somente aparecia na lagoa para pegar sua cota de mosquitos e, após isso, batia asas e aparecia somente no mês seguinte. O bode havia adquirido o direito de pastar no gramado aos arredores da lagoa, além de mamar nas tetas da vaca mimosa que também circulava por ali. No entanto, ninguém sabia ao certo qual era a função do bode naquela sociedade.
A pressão era grande e, apesar de não estar correspondendo às expectativas, o sapo já tinha demonstrado em gestões anteriores que era um animal de boa índole. No entanto, naquele momento, estava deixando a desejar, estabelecendo-se, assim, uma “muvuca” desenfreada na lagoa. Reuniu suas melhores mentes com a intenção de buscar uma solução para o problema. Era inverno e nessa época a escassez de mosquitos é grande. Então o departamento de inteligência decidiu que o anfíbio faria greve de fome, com objetivo de sensibilizar os habitantes do brejo e fortalecer sua liderança que estava abalada. A greve até durou alguns dias, mas logo o sapo encheu a pança novamente.
Nada que ele tentou fazer para acalmar os ânimos na lagoa funcionou. Foi então que tomou uma importante decisão: daquela tarde não passaria. Convocou uma reunião na beira do lago com todos os bichos e diante deles revelou:
– Camaradas, sei da insatisfação dos senhores para comigo, tento de todas as formas possíveis socializar nossa casa e fazer desta uma morada feliz para se viver. Eu tenho fé, vocês têm fé, e unindo nossas fezes...
Antes que o sapo completasse a frase, a cobra D’água emendou:
– Se unirmos nossas fezes com certeza teremos um bom esterco.
Foi nesse momento que a bicharada caiu na gargalhada. O sapo já desanimado resumidamente concluiu:
– Hoje tirarei minha própria vida, já que não vejo motivos para viver, sendo que meu povo não me ama mais. Vou me enforcar!
Tudo indicava que realmente o sapo iria se enforcar. A forca já estava pronta, feita com capim do brejo amarrado sobre galhos de árvores às margens da lagoa. A perereca entrou em desespero e desmaiou no colo do bagre (peixe), que não perdeu tempo e foi logo tirando uma casquinha da donzela.
O sapo subiu na estrutura que tinha sido montada para a auto-execução. Parecia certo e definitivo o destino do anfíbio. O carrasco já estava preparado para proferir o discurso mórbido. Alguns bichos até ensaiaram um coro de “pula! pula! pula!”. Outros ficaram em silencio, incrédulos. Uma águia que voava próximo a lagoa acompanhava toda a situação. Além de possuir uma visão poderosa para a caça, a ave ainda conseguia enxergar coisas que os outros bichos não viam.
–Vocês estão cegos? O sapo “mijou” nos olhos de vocês que não conseguem ver com clareza? - Indagou a águia. (Conta á lenda que se um sapo urinar nos olhos de alguém, provoca cegueira momentânea ou até mesmo definitiva).
A águia sabia que o sapo estava blefando e, na verdade, não iria se enforcar. Esperava persuadir os animais com aquela ação, fazendo com que os habitantes da lagoa, comovidos, viessem a apoiá-lo, impedindo ele de cometer tamanha loucura. Era mais uma artimanha para ganhar tempo com o intuito de tentar reestruturar o lago, que estava à beira de um “tsunami.” Afinal, ninguém falava mais a mesma língua, o que antes era ‘fechadinho’, agora parecia mais a ‘Torre de Babel’, devido ao conflito de opiniões a respeito do líder anfíbio. Se aquela lagoa fosse a arca de Noé, estaria à deriva, pois os animais já teriam pulado a procura de salvação com suas próprias forças, a nado. No entanto, os animais estavam comovidos e quase dando uma nova chance ao sapo, devido seu grande poder de persuasão com argumentos sentimentalistas.
– Não estamos cegos! Vemos com muita clareza e você também vê! O sapo vai se sacrificar em nome de um ideal, provando sua boa intenção, já que não confiamos mais nele. Tiradentes foi enforcado por um ideal! O sapo vai se enforcar por um ideal, o que é mais nobre ainda! - Disse o pato, que até então não tinha se manifestado.
A águia continuou insistindo em tentar abrir os olhos dos animais. Então perguntou:
– Senhores, vocês lembram como Tiradentes foi enforcado?
– Óbvio que sim. O carrasco colocou uma corda em seu pescoço, depois seu próprio peso fez com que ele sufocasse até a morte! - Exclamou a cobra D’água.
– Exatamente! - Respondeu a águia.
Então ela fez uma pergunta que deu fim definitivo naquela historia:
– Sapo tem pescoço?
A bicharada ficou sem resposta, estagnada. O sapo aproveitou e fugiu para outro brejo, antes que os animais voltassem a si, e nunca mais voltou. Depois desta decepção, envergonhados os animais que habitavam aquela lagoa, migraram para viver em terra firme. Ao longo dos anos foram sofrendo metamorfose e hoje é o que conhecemos como burros, antas, homens, entre outros animais de pouca inteligência e fácil manipulação.
Autor: Maciel Brognoli
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