“A Nova Política da Globalização: mapeando ideais e teorias” de David Held e Anthony McGrew.



“A Nova Política da Globalização: mapeando ideais e teorias” de David Held e Anthony McGrew. Resenhado por José Ricardo Martins.

“A Nova Política da Globalização: mapeando ideais e teorias” constitui o capítulo 8 da obra “Globalization Anti-Globalization” dos autores britânicos David Held e Anthony McGrew.
Neste capítulo os autores se propõem a fazer um mapeamento das principais visões e teorias normativas, ou seja, as principais posturas que dominam o debate sobre a globalização, que está re-iluminando o debate político. As teorias discutidas ou as posturas assumidas por cada perspectiva são: neoliberais, internacionalistas liberais, reformadores institucionais, transformadores globais, estatistas/protecionaistas e radicais. Segue um resumo do que Held e McGrew apresentam sobre cada uma dessas posturas.

1. Neoliberais
O princípio fundamental dos neoliberais para melhorar a condição humana é o mercado e a liberdade. A vida política e econômica devem estar “relacionadas à liberdade e iniciativa individuais” , sendo o princípio norteador a não-intervenção do estado e o livre mercado. Para o melhor funcionamento do mercado, os liberais advogam um estado mínimo e limites de poder a certos grupos, como os sindicatos.
Já a outra faceta da globalização liberal, prevê uma economia sem fronteiras, por meio do “estabelecimento de redes transnacionais de produção, comércio e finanças”, sem as amarras sufocantes da burocracia pública e do poder político dos Estados.

2. Internacionalistas liberais
Reconhecendo os crescentes desafios de uma interconectividade global, os internacionalistas liberais defendem uma ordem internacional mais cooperativa, através dos seguintes fatores: a interdependência, a democracia e as instituições globais.
Na visão dos internacionalistas liberais a interdependência gera a cooperação econômica internacional, o que é essencial para o destino comum dos Estados. Já a democracia proporciona paz internacional. Os regimentos políticos democráticos, segundo os autores, têm a obrigação da transparência e a prestação de contas ao seu eleitorado, o que tornaria mais difícil as manipulações e a aventura de guerras.
Como terceiro elemento, os internacionalistas liberais advogam uma maior harmonia entre os Estados, através da criação de leis e instituições internacionais visando regular a interdependência. Nesse sentido, dizem os autores, as instituições internacionais teriam papel relevante em assegurar a governança internacional. Porém, essa governança global “não implica em governo mundial ou um federalismo mundial” .

3. Reformadores institucionais
A postura assumida pelos reformadores institucionais é uma que faz parte do grupo dos radicais. Esta postura defende reforma radical nas instituições internacionais baseadas no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), defende os bens públicos internacionais e uma maior cooperação internacional.
O posicionamento por reformas radicais se justifica, segundo a visão deste grupo, porque o Estado tornou-se incapaz de lidar com a nova sociedade, e sua gestão, resultante da globalização. Com relação aos bens públicos internacionais, os reformadores institucionais vêem lacunas e questões a serem resolvidas:
- Jurisdição: quem é responsável pelo quê?
- Representação: quem será o representante? Como todos os atores internacionais podem ser ouvidos?
- Incentivo e estímulo: como fazer que todos participem da cooperação internacional e não sejam apenas oportunistas “caroneiros”.
Em vista desses questionamentos e para superar estas restrições, esta corrente advoga uma gestão pública global, através do fortalecimento e a reforma da função dos Estados e das instituições internacionais.

4. Transformadores globais
Para este grupo, a globalização não é um processo novo, mas que deve ser mais justa. Nesse contexto, deve haver uma dupla democratização: dentro dos Estados e no plano internacional. Para que a democratização e a transparência possam acontecer em âmbito global, cada cidadão precisa aprender a ser um cidadão cosmopolita, sendo necessário ter acesso a diferentes comunidades. Precisa também viver outras realidades, sendo capaz de ser um mediador entre uma cultura e outra. Os transformadores globais instam a necessidade de reforma do sistema das Nações Unidas.

5. Estatistas/protecionistas
Esta visão está calcada no pensamento realista, que enfatiza o fortalecimento do Estado para que este seja capaz de governar e o sistema internacional possa ser estável, através do poder regular do Estado. A prioridade, segundo Held e mcGrew, seria desenvolver Estados competentes.

6. Radicais
Esta visão congrega a esquerda pós-moderna, pós-marxista que defendem a ocupação do espaço da sociedade civil deixado pelo enfraquecimento do Estado, criando estruturas de baixo para cima e inclusão dos excluídos: trabalhadores, indígenas, mulheres. Ou seja, os defensores desta visão reforçam a necessidade de se dispor de mecanismos alternativos de governança inclusiva. Eles são anti-globalização.

Comentário:

Os autores deste estudo, David Held e Anthony McGrew, têm o mérito de em um sucinto capítulo identificar cinco visões distintas sobre como a globalização é percebida e defendida por estes grupos. O escopo deste mapeamento congrega as visões dos que querem mais globalização aos que se posicionam contra a globalização.
No debate sobre globalização, as duas visões que mais ganham espaço são a dos neoliberais, juntamente com os internacionalistas liberais, e a dos estatistas/protecionaistas. Para os defensores de uma ordem mundial liberal, a globalização é muito mais comercial, sem a interferência das amarras dos Estados, havendo o surgimento de um único mercado global, baseado na concorrência global. Em oposição a esta visão, encontram-se os radicais, que argumentam que a globalização é uma nova forma de imperialismo e exploração do centro sobre a periferia e, por isso, se posicionam contra.
A posição intermediária dos Reformadores Institucionais que defendem a reforma das instituições mundiais, como todo o complexo de instituições das Nações Unidas, OMC, FMI e Banco Mundial, G8, entre outras, é muito pertinente e toca em um aspecto importante aos anseios da maior parte dos países. Esta visão entende a crítica dos radicais que estes instrumentos foram criados pelos países do centro, continuam em suas mãos e são instrumentos nas mãos dos países ricos, especialmente dos Estados Unidos, para legitimar suas ações. Continuam, portanto, sendo mecanismos de perpetuação do status quo.
Com o fim do sistema bipolar e o enfraquecimento dos Estados Unidos, são oportunas as demandas dos reformadores Institucionais. Pensamos que a ONU, por exemplo, deve cumprir com sua missão e ter um papel relevante e ser um espaço de planejamento e cooperação internacional.
Já a visão dos Estatistas/Protecionistas quer o Estado mais forte e identifica-se com os realistas. Esta visão, em nossa opinião, choca-se com a realidade que estamos vivendo, onde o Estado-nação não é mais peça central no jogo da globalização. Blocos econômicos, onde os participantes abdicam parcialmente de sua autonomia para cooperarem e serem mais fortes no cenário global. As empresas globais assumem proporções de poder comparáveis a Estados-nação. A especulação financeira mundial derruba economias nacionais, chegando a levar, na mesma queda, ministros e chefes de governo. O comércio tornou-se guerra e os líderes empresariais e seus gestores praticam a “arte da guerra” em suas estratégicas de abordagem e consolidação em mercados internacionais. O livre mercado, sem entraves protecionistas, é a aspiração das grandes corporações industriais e comerciais.
Além disso, os Estatistas/Protecionistas estão também deslocados da contemporaneidade globalizadora e globalizante por não compreender que não se vencem mais apenas com guerras e com militares. A verdadeira guerra se vence na mente e nos corações das pessoas (“softpower” ) e nos campos de batalha comerciais.
O que faltou no debate trazido pelos autores, dentro do item Estatistas/Protecionistas, foi a idéia de anarquia internacional, definida como a ausência de divisão de funções entre os países (todos fazem a mesma coisa), faltando relação de subordinação e superioridade, mas com capacidades diferentes. Ou seja, há Estados mais poderosos que outros. Esta é a contribuição de Kenneth Waltz .
A tese da anarquia de Waltz diz que a relação entre os países é perigosa, justificando a guerra, levando estes a depender e confiar nas balanças de poder que se formam entre si. Mas, contrariamente à Morgenthau , não afirma que as pessoas são más. Este afirma que as pessoas e os países agem por interesses definidos como poder, já Waltz defende que é a estrutura internacional que faz com que as pessoas e os países agem de uma determinada maneira (estruturalismo). Eles individualmente agiriam de forma diferente.
Em suma, o percebemos que debate sobre globalização, hoje, está mal colocado e por duas razões:
- Não existe globalização somente boa ou somente ruim. A globalização possui aspectos bons e aspectos ruins.
- Para um fenômeno que já consumiu muita tinta, muitas páginas já foram escritas, invade os noticiários diariamente, trouxe questionamento à soberania do Estado-nação, mudou os paradigmas de tempo, espaço, distâncias, criou uma nova sociedade, a sociedade global, precisa ser estudada a partir de novos paradigmas e não apenas a partir das teorias existentes.
Autor: José Ricardo Martins


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