O protecionismo ao trabalhador fere a garantia constitucional de tratamento favorecido para as micro e pequenas empresas?



Nossa Constituição Federal, também conhecida como “Constituição Cidadã” prevê, no inciso IX do artigo 170, “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.

Saliente-se que tal tratamento favorecido, além de abranger as pequenas, também engloba as microempresas.

Como a redação de tal inciso não especifica de forma direta qual seria o tratamento favorecido para as micro e pequenas empresas, foi criada a lei nº 9.841/1999, a qual foi revogada pela lei nº 123/2006, as quais, apesar de darem um norte para esta questão, no nosso modo de ver não cuidaram ou cuidam de todas as hipóteses de tratamento favorecido para as empresas em tela, garantidos constitucionalmente.

Os incisos do artigo 1º da lei nº 123/2006 dispõem sobre normas gerais de tratamento favorecido para as micro e pequenas empresas, conforme segue: “I - à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias; II - ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias; e III - ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão”.

Como se vê, o tratamento favorecido estipulado em lei rege apenas questões econômicas ligadas ao dispêndio de valores de forma diferenciada, e acesso a crédito e ao mercado em assuntos onde o empresário também irá ter de efetuar pagamentos.

Mas, será que o tratamento favorecido que o pequeno e micro empreendedor espera e busca é esse que a lei em comento prevê e rege?

Não se pode negar que as normas gerais acima transcritas trazem uma vantagem econômica para estes empresários que lutam com sacrifício para manterem-se no mercado. Mas, repita-se, esse tratamento favorecido satisfaz, e é apenas isto que o empresário realmente espera?



Entendemos que não. O tratamento favorecido não deveria apenas cuidar de assuntos relacionados ao caixa da empresa, mas também a questões legais que, não raro, trazem prejuízos ao empresário, o qual, reconheça-se, é quem faz a economia e o mercado se desenvolverem em um país.

Evidentemente que o Estado deve estipular e gerir as regras de como funcionará o mercado, mas sem os personagens que giram esta máquina, qualquer regramento cairia no desuso.

Certamente o empresário anseia, por exemplo, por um tratamento favorecido em relação ao seu empregado. Admite-se que, sem o colaborador, a empresa, e porque não dizer, o país, não consegue crescer a contento. Mas também não se pode negar que a relação entre empregado e empregador, vista sob a ótica da legislação trabalhista, faz a balança pender em favor do obreiro.

Por exemplo, há um protecionismo ao empregado quando se discute uma demissão por justa causa. A menos que a causa da demissão seja muito grave, não raro a mesma é revertida no Judiciário, mormente em casos onde ocorre o fato ensejador da justa causa somente uma vez. Exemplificando-se, se o funcionário chegar atrasado apenas uma vez, e for demitido por justa causa por este motivo, certamente esta será revertida no Judiciário, caso o trabalhador leve a discussão a tal seara.

Mas, quando a única falta comprometer o exercício da atividade fim da empresa, o colaborador responsável por ela pode ser demitido por justa causa?

Imagine-se a seguinte situação: um restaurante que venda sopas possui uma cozinheira que as prepara. Sabe-se que, em épocas mais frias, as pessoas buscam por esta espécie de alimento, para combater o frio.

A cozinheira chega para trabalhar em um dia típico de inverno. Ela pede ao empresário que compre alguns ingredientes que entende estarem faltando. Ao chegar com os ingredientes, o empresário percebe que a cozinheira não está, foi embora, utilizando o jargão popular, “deixou-o na mão”.




Neste caso, a atividade fim da empresa, que é vender sopas, estará totalmente comprometida. Caberia justa causa neste exemplo? Entendemos que sim, porque o comportamento irresponsável da cozinheira causou sérios transtornos ao empresário, sendo o maior deles deixar de atender aos clientes, em razão das sopas não terem sido preparadas em um dia típico de inverno.

A imagem da empresa seria bastante arranhada, pois, como dissemos, a atividade fim da mesma não seria atingida por um ato inconseqüente da cozinheira.

Mas, qual seria a chance desta justa causa ser mantida em uma discussão judicial?

Pelo protecionismo conferido ao trabalhador, a justa causa teria boas chances de ser revertida no Judiciário.

O empresário deve ter um tratamento igualitário ao do obreiro em questões como essa. Evidentemente que este não é o único exemplo de tratamento favorecido que a Magna Carta prevê, mas a lei não regula. Contudo, certamente é um dos que o empreendedor mais anseia.

Por fim, no exemplo dado, é este o tratamento favorecido garantido constitucionalmente que o empresário pretende: que tais questões sejam encaradas com empregado e empregador estando no mesmo plano, sem qualquer protecionismo ao obreiro.

Sérgio Henrique Tedeschi é sócio do escritório Tedeschi & Padilha Advogados Associados, especializado em assessoria e consultoria preventiva empresarial.
É mestrando e especialista em direito empresarial.
e-mail: [email protected]
Autor: Tedeschi & Padilha Advogados Associados


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