QUEM É ESSA DAMA ?
Não importam quantos estejam conosco, há um momento em que ninguém está e nesse momento é ela que nos leva às mais profundas divagações.
Ela nos leva como um barco a deriva em alto mar, sem saber onde é o Norte, onde é o Sul, de onde vem e para onde vai, liberando todas amarras para o livre pensamento.
Ela chega sorrateiramente, mas não pode ser acusada de traiçoeira, pois está sempre por perto, espreitando o momento de se fazer presente; e não entra sem ser convidada.
Se às vezes chega devagar, sem estardalhaço, mesmo quando estamos no meio de uma multidão, é porque ouviu nosso clamor.
Ela não é soberba nem arrogante, pois espera calmamente a sua vez de nos fazer companhia. Não pede privilégios, nem fica enciumada se a relegamos a segundo plano.
Ela não se impõe, é muito introspectiva e não busca nem deseja a primazia de ser a principal conselheira ou amiga.
Ela é simples, humilde e fiel. Mesmo quando a enxotamos não guarda rancor ou mágoa. Está sempre pronta para retornar quantas vezes for necessário.
Como um cão que espera pelo aceno de seu dono, ela aguarda pacientemente o momento exato de se mostrar.
Ela sofre muito preconceito, difamação e perseguição. Muitos a amaldiçoam e desejam seu fim. Querem banir até seu nome do dicionário.
Acusam-na de agourenta, de malvada; e de diversas outras leviandades. Recusam-se a considerar que se ela existe e está sempre disponível, é porque tem seu valor.
Ela resiste ao tempo, não envelhece, não se entrega. Caminha com a humanidade desde seus primórdios e assim continuará enquanto aquela existir.
Apesar da ira que suscita injustamente, pois não é dela a culpa da própria existência, ela é a única conselheira nas decisões mais difíceis da vida.
Certamente será a única companhia no último instante de nossa vida, pois independente de quantos estiverem presentes nessa ocasião, serão presentes ausentes, pois esse é o único momento que não se compartilha com mais ninguém, apenas com ela.
Ela existe porque o Homem existe; e o inverso não é verdadeiro. Seria ela uma criação do Homem, ou parte das profundezas desconhecidas do “Eu”?
Ela não é parente do desespero, embora haja muita confusão sobre esta questão. São entes diferentes e não bebem na mesma fonte. Ele não depende dela para se fazer presente.
Às vezes a angústia pega carona com ela. Quando isso acontece, a responsabilidade recai sempre sobre ela e nunca sobre a angústia, a real causadora de sofrimento.
O desânimo também quer ser seu par e vive a cortejá-la. Ah, que luta árdua precisa travar para não se contaminar!
Acusam-na de ser parceira do ócio, mas isso não é verdade, pois este está amplamente difundido em ambientes coletivos, cujas portas para ela estão fechadas.
Essa dama em si, é uma abstração que não tem forma, nem densidade, nem cor, nem sabor, nem odor. Os ingredientes que a ela aderem é que modificam sua natureza. A ótica com que a vemos é que lhe confere características de beleza, de tristeza, ou de recolhimento.... A forma como a percebemos pode nos levar ao regozijo ou ao sofrimento.
Ninguém reconhece seu valor, apesar da sua imensa contribuição para o nascimento de grandes idéias, gênese de novas descobertas, que revolucionam a maneira de se pensar a vida, as ciências e a Humanidade.
Também não reconhecem que é ela quem proporciona o ambiente e as condições ideais para a meditação e para a reflexão, exercícios assaz importantes para que o Homem não se robotize.
Não entendem que ela é um oásis para nosso refrigério, nos momentos de cansaço, do corpo ou da alma. Mais da alma que do corpo? Talvez. Insistem em subverter esse papel, para transformá-la em vilã. Pobre dama!
Em fim, já descobriram quem é essa dama? Já sabem seu nome?
Ela se chama SOLIDÃO!
Autor: Amadeu D Muchon
Artigos Relacionados
Aprendi Com As LiÇÕes Da Vida
O Velho Nietzsche.
Pois As Bocas Se Tocam
Tristezas
Desordem
O Homem E O Seu Não Ser
A Ilusão Das Existências.