Recife, cidade inimiga do verde



O verde – áreas de proteção ambiental, arborização e presença de grama – em Recife é algo muito ralo. Entre as cidades mais populosas do Brasil, somos evidentemente uma que tem as menores taxas de cobertura vegetal. Esse problema, contudo, não vem sendo consistentemente considerado pelas sucessivas gestões da prefeitura local. Esta denúncia escancara como somos uma cidade que histórica e estruturalmente recusa e esnoba as bênçãos do meio ambiente e ainda ousa continuar maltratando-o.

Tomemos como um exemplo inicial o bairro do Ipsep. Percebamos que essa é uma localidade ainda bastante arborizada em comparação a outras do município, mas não deixa de escancarar seriamente o referido problema.

Ali ainda temos praças pequenas, médias e grandes com bastantes árvores. Mas a grama nelas está em extinção e predomina ora o chão de terra batida ora o coberto de placas de concreto. Todas estão em estado de conservação de razoável a mau. O chão da Praça do Sargento, a maior do bairro, é dominada por concreto, piche, areia, solo batido e lama, estando a cobertura gramínea esparsa e deteriorada. Já nas ruas entre as casas, a arborização é muito rara, predominando o clima de calor e desconforto.

Na área que abrange esse bairro e o pedaço da Imbiribeira situado entre a avenida Mascarenhas de Morais e o Canal da Mauriceia, há uma única área de proteção ambiental, um manguezal, que se encontra muito reduzido, tendo sido mutilado ao longo das últimas décadas por desmatamentos que abriram espaço à construção de estabelecimentos como casas, pátio de veículos e o extinto shopping Boa Viagem Outlet.

Se essa localidade ainda é uma das mais verdes do Recife, imaginemos como estão deteriorados os domínios da clorofila em toda a cidade.

A arborização na maioria dos bairros é muito rala, ainda mais que no Ipsep. Seja lá por onde algum(a) turista passar, perceberá uma grande carência de árvores. As construções obrigam as árvores a se “adaptarem” à presença delas, e não o contrário. A maioria das calçadas também é construída e reparada sem levar os vegetais em consideração, havendo quase sempre casos em que as raízes crescidas as quebram.

Parte do centro expandido da cidade ainda mantém uma certa quantidade de árvores antigas, mas elas também não encontram espaço para crescer, havendo o esticamento da fiação elétrica e a já citada quebra das calçadas. Se lá elas eram valorizadas no início do século 20, essa estima desvaneceu com o tempo, uma vez que a maioria dos prédios construídos desde então passaram a não respeitar sua presença, ostentando formas arquitetônicas que as espremeram em cima das calçadas estreitas.

Além de árvores nas ruas, carecemos também de parques realmente verdes. Há poucos deles distribuídos pela extensão do município. Os existentes são raros e minúsculos. Temos uma ideia melhor quando percebemos que o Jardim Botânico e o Parque da Jaqueira, os maiores de todo o Recife, possuem respectivamente apenas 25 e 7 hectares, ovos de formiga se comparados a lugares como o Parque Ibirapuera, de São Paulo, com 158ha, e o Central Park, de Nova York, de 341ha.

Também restam poucos redutos florestais: imagens de satélite mostram que as maiores áreas de mata – Mata do Curado, Reserva de Dois Irmãos, Mata da Várzea, Manguezal de Boa Viagem e Mata do Engenho Uchôa – ocupam partes muito pequenas ao lado da enorme área de cores cinzentas e avermelhadas – os tetos das casas e prédios.

Esse desprezo pelo verde é histórico. É de se considerar que a cidade do Recife foi construída a partir de devastações implacáveis ao longo dos séculos. Aqui havia um magnífico estuário da microbacia hidrográfica do Rio Capibaribe, riquíssimo em mangues e rodeado por morros revestidos de Mata Atlântica. O estuário foi brutalmente desfigurado por inúmeros aterros em cima dos quais grande parte das regiões central e periférica recifenses foi erguida.

O mesmo aconteceu com toda a extensão de mangue da cidade, com exceção do Manguezal de Boa Viagem e um punhado de áreas ciliares. O bairro do Ipsep, citado mais acima, só existe hoje porque a vegetação local foi destruída e o chão de lama foi aterrado em meados do século passado.

As matas ciliares também foram sacrificadas em nome da urbanização. Quem anda pelo Rio Capibaribe nos seus quilômetros finais perceberá que significativos trechos de sua margem já não contam mais com árvores. A grande maioria da vegetação ciliar que restou não passa dos vinte metros de largura.

A floresta atlântica dos morros também sofreu uma apocalíptica destruição. À exceção do morro dentro da extensão da Mata do Engenho Uchôa, tudo ali foi derrubado e deu lugar a bairros periféricos extremamente desordenados, que hoje sofrem com a erosão de paredes de solo nu a qual frequentemente causa danos materiais e perdas de vida a cada chuva forte.

Recife, enfim, é um legítimo caso de ecocâncer, um exemplo negativo de urbanização no Brasil. Mostrou-se aqui como se promove a destruição sistemática de ecossistemas em nome de um pseudoprogresso que não faz a cidade crescer, mas sim inchar. Aqui nunca se respeitou o verde, e até hoje persiste esse desrespeito à natureza.

Atitude essa que até a própria prefeitura insiste em dar cabo. As sucessivas gestões do governo municipal nunca deram à dimensão ambiental a atenção devida. Pelo contrário, permanecem investindo em políticas “antiverdes”. Três sórdidos detalhes mostram como nossos prefeitos não valorizam o verde: a precária manutenção das praças e parques da cidade, a inexistência de uma secretaria exclusivamente dedicada ao meio ambiente e o erguimento de obras que, ora não priorizam a arborização, ora agridem o próprio ambiente local.

Este último detalhe tem como exemplos maiores o chamado “parque” Dona Lindu, inaugurado parcialmente no final da gestão de João Paulo, onde a extensão de grama e árvores está reduzida a uma pequena porção da extensão do terreno onde foi construído e se situa espremido entre o paredão de edifícios e duas grandes construções que lembram tanques de armazenamento de combustível; e o projeto de construir uma estação de tratamento de lixo dentro da zona de proteção ambiental onde está incluída a Mata do Engenho Uchôa, a qual lança temores de que haja poluição e desmatamento na área.

Recife, por mais reconhecimento turístico que tenha, é uma cidade ecologicamente horrível, tem no verde um ponto fraquíssimo, tanto por seu histórico como pela sua situação atual. Não temos áreas vegetais bastantes, nossas florestas estão reduzidas a pontos e a prefeitura não dá nenhuma esperança de que isso vá mudar a curto ou médio prazo.

A verdade é que só a posse de um governo municipal sério que saiba fazer uma boa gestão urbano-ambiental e a ascensão da consciência ecológica dentro da cidade -- comportamento que irá impelir a população a cobrar a construção de parques verdes e a preservação das poucas matas existentes -- serão capazes de reverter essa triste situação.
Autor: Robson Fernando


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