QUALIDADE NAS POLÍCIAS: O DESAFIO DO SÉCULO XXI.



Discutir qualidade não é uma tarefa fácil. Em concepções pessoais e subjetivas pode-se encontrar as mais variadas definições de qualidade e suas múltiplas dimensões, tais como tipo de produto, preço, marca, utilidade, etc. Contudo, alguns parâmetros podem ser estabelecidos quando se discute a qualidade nas organizações. Qualidade tem a haver com as especificações do produto ou do serviço. Tem a haver com a “a adequação ao uso. É a conformidade às exigências” (1). Ou seja, se um determinado produto ou serviço atende às especificações para as quais foi desenvolvido é um produto ou serviço de qualidade. Lobos contextualiza que
“Qualidade tem a haver , primordialmente, com o processo pelo qual os produtos ou serviços são materializados. Se o processo for bem realizado, um bom produto final advirá naturalmente. A Qualidade reside no que se faz – aliás – em tudo o que se faz – e não apenas no que se tem como conseqüência disso”(2).
A dinâmica da qualidade até aqui definida é a responsável pelos programas de certificação nas empresas, como a ISO-9000. Estas normas procuram estabelecer caminhos pelos quais as organizações possam trilhar e a demonstração objetiva disto, através de uma auditoria específica, permite que um agente certificador ateste a implantação daquele conjunto normativo (além da ISO-9000, que trata da Qualidade, as organizações buscam a ISO-14000, Certificação Ambiental, a ISO-18000, Segurança no Trabalho, dentre outras).
Contudo, o enfoque está no processo. O processo é o único aspecto mensurável das múltiplas definições da qualidade. É ele que permite, objetivamente, atestar a conformidade.

“O aspecto objetivo, mensurável da Qualidade, é o processo. É através dele que se pode implantar sistemas como o da ISO-9000, por exemplo. Isto pode ser aplicado desde a fabricação de um automóvel até a confecção de um sanduíche. Utilizemo-nos de dois exemplos de Qualidade nas atividades citadas: o veículo Rolls Royce e os sanduíches McDonald`s. Tanto um quanto o outro têm todas as suas etapas de desenvolvimento bem estabelecidas. É a valorização dos processos. A tinta na coloração exata, as máquinas da linha de produção perfeitamente reguladas, os parafusos nos lugares corretos, o tempo de fabricação perfeitamente controlado, um veículo exatamente igual ao outro. Da mesma forma, os componentes do sanduíche sempre do mesmo fornecedor, a chapa de fritura aquecida na mesma temperatura, a forma do manuseio do sanduíche sempre com higiene resultando num produto final bastante parecido, independente da lanchonete que se utilize. É o chamado padrão de Qualidade (3)”.


As organizações policiais brasileiras devem trilhar a busca pela Qualidade.Episódios recentes demonstram a necessidade de se reforçar os processos, para que a máxima de Maquiavel, na qual os fins justificam os meios não prevaleça sobre os padrões recomendados para a prestação de um tipo específico de serviço. Nos meios administrativos e de gestão considera-se eficácia como um termo ligado ao produto final, ou seja, ao resultado de uma operação. E eficiência aos caminhos trilhados para se conseguir os resultados obtidos. Tanto a eficácia como a eficiência são importantes. O bom administrador e o bom gestor privilegiam as duas vertentes. Se uma delas, a eficiência, é descuidada, o produto ou serviço pode alcançar os resultados esperados (uma boa venda, por exemplo), mas poderá apresentar problemas futuros com algumas peças ou etapas de serviço inadequadamente confeccionadas. Estes problemas poderão custar à organização enormes desgastes de imagem, além de prejuízos financeiros. Ao final, o que aparentemente foi um sucesso, pode se transformar em redundante fracasso.
Da mesma forma, se a eficácia for descuidada, por melhor que seja o produto, a organização não poderá sobreviver apenas produzindo bem, sem um resultado correspondente. Vários produtos que possuíam reputação de qualidade deixaram de ser produzidos porque já não possuíam o mercado adequado (ninguém duvida da qualidade de um Rolls Royce, mas seu preço tornou-se impraticável, o que causou sua descontinuidade).
Em outras palavras, as organizações devem observar tanto a eficácia quanto a eficiência, para garantirem resultados desejáveis.
Recentemente, a Polícia Federal brasileira protagonizou situações que demonstram a necessidade de se implantar a qualidade nas organizações policiais. A investigação que resultou na identificação de responsáveis por esquemas criminosos de lavagem de dinheiro, corrupção e outros crimes financeiros, investigação conhecida como Operação Satiagraha. Em termos de eficácia, a operação parece ter sido muito bem sucedida. Identificou criminosos, identificou e rastreou operações ilegais, expôs à sociedade aspectos ilícitos. Parece não haver, nos meios policiais e jurídicos, quaisquer restrições à Satiagraha no que se refere ao acerto nos objetivos. Uma polícia judiciária moderna deve e precisa ser capaz de investigar crimes complexos das mais variadas matizes. Contudo, o que parece que não deu certo está diretamente ligado à eficiência: os caminhos trilhados estão sendo discutidos no que se refere às provas obtidas, desvios de função de agentes de outro órgão (ABIN) e outros fatores. Carvalho (Folha de São Paulo, 20/12/2008) resumiu bem esta questão:

“O maior sintoma desse fracasso foi a decisão da cúpula da polícia de refazer o inquérito depois de três anos de investigação. Refazer inquérito é coisa de ditadura, de polícia pretoriana. Parece encomenda dos donos do poder para calar desafetos ou evitar que a investigação chegue à ante-sala do presidente.
Culpar o delegado Protógenes Queiroz, como fez a direção da PF, não ajuda a melhorar o estado das coisas. Parece óbvio que delegados não devam ser messiânicos, voluntariosos ou trabalhar com um conceito tão elástico de legalidade que raspa no ilegal. Mas como a PF não sabia que um delegado com essa trinca de predicados tocava a mais delicada investigação do país?
O resultado dessa combinação é um inquérito esquálido em fatos e adiposo em adjetivos. O silêncio do Ministério Público diante de tantos indícios de irregularidades da PF mostra que os fiscais do poder cochilam justamente no momento em que mais se precisa deles.
Dentro da PF, a palavra mais delicada a que se referem ao inquérito de Protógenes é lixo. É conversa corrente entre delegados que boa parte das provas devem ser anuladas pelas instâncias superiores da Justiça por causa das ilegalidades” (4).

Além disso, todos os problemas decorrentes desta operação acabaram por desnudar outras irregularidades como excessos de telefones interceptados, que valeram – nos meios de comunicação – o duvidoso termo “Grampolândia” para se referir às atividades policiais e judiciárias no que se refere ao combate à criminalidade. É evidente que o debate democrático ajuda a redefinir rotas. Mas é inegável que a falta de qualidade pode ensejar situações desagradáveis e indesejadas como posicionamentos contrários de instâncias judiciais decorrentes da problemática gerada pela Satiagraha. Carvalho finaliza sua matéria com uma consideração final: “Não adianta depois tentar culpar o Supremo, com a fantasia recorrente de que os ministros protegem poderosos. O que se espera da polícia são investigações de qualidade, não teorias conspiratórias.”(4).

Ora, o exemplo citado é apenas um dentre os prováveis milhares com os quais os organismos policiais de todo o Brasil devem conviver. Os policiais precisam entender o sentido da qualidade e devem ser responsáveis pela implantação da mesma nas dependências policiais. Sim, pois aqui está uma atividade que não se pratica de cima para baixo: não se implanta qualidade somente com a determinação de superiores. Qualidade combina muito mais com conscientização, cooperação e um franco entendimento de todas as instâncias de uma organização. Mas, a qualidade no que se refere a processos pode não ser suficiente. Muitas organizações são certificadas pelo sistema da ISO-9000 e nem por isto se desenvolvem e atendem completamente a seus clientes. Sim, pois a preocupação central com os processos, que é o maior dos atributos das normas certificadoras, podem representar um calcanhar de Aquiles, pelo mesmo motivo. Voltemos à Rolls Royce: fabricar os melhores carros no que se refere a todas as etapas de sua produção não garantiu a sobrevivência do negócio. Não garantiu porque outras dinâmicas da qualidade não foram atendidas.

“Contudo, outras dimensões da Qualidade existem que não podem ser mensuradas. Podemos não duvidar da higiene de um sanduíche McDonald`s mas podemos, também, não apreciar suas instalações (muitos acreditam que suas mesas e bancos sejam tão somente adequados às crianças e aos adolescentes). Podemos não duvidar da Qualidade de um Rolls Royce, mas podemos criticar o seu preço. Ou seja, as organizações preocuparam-se em estudar a Qualidade nas dimensões não atingidas pelos processos. Daí surgiu a Qualidade Total.
A Qualidade Total é muito abrangente e se dedica a estudar a satisfação dos clientes. O conceito de cliente deve ser estendido ao ponto de, todos - numa organização – serem considerados clientes. São os clientes externos (todos que entram em contato com a organização e que não são parte integrante da mesma) e os clientes internos (todos os funcionários e setores da organização). Dessa forma são avaliadas as relações dos diversos departamentos de uma organização e as relações desta com a sociedade como um todo.(3)”.


Aqui se apresenta o grande desafio das polícias para este século: a implantação e o desenvolvimento de um verdadeiro programa de Qualidade Total nas organizações policiais. Qualquer exército de qualquer lugar do mundo está acostumado a seguir regras baseadas em normas pré-estabelecidas. No entanto, isto não garante ao mesmo a tão esperada eficácia. Da mesma forma, as polícias devem prever atender aos aspectos de eficácia e eficiência, igualmente, sem quaisquer prejuízos a uma ou a outra. A sociedade brasileira parece esperar unidades policiais que possam, efetivamente, diminuir os índices de criminalidade. Mas, parece não aceitar que isto seja feito a qualquer custo. Ao contrário, organizações policiais que cumpram todos os protocolos, sejam certificadas pela ISO-9000, mas que não apresentem resultados apropriados no combate ao crime, também não parecem interessantes.
O grande desafio é buscar este equilíbrio e implementar programas qualificadores. Certamente será um caminho mais proveitoso que o corporativismo. Mais proveitoso que ações isoladas que não valorizam a eficiência e a eficácia. Mais proveitoso no combate à corrupção e à violência. Mais proveitoso para a valorização do policial brasileiro.


REFERÊNCIAS.

(1) ROTHERY, Brian. ISO 9000. São Paulo, Makron Books,1993.p.13.
(2) LOBOS, Júlio. Qualidade através das pessoas.São Paulo, J.Lobos,1991.p.14.
(3) ESPUNY, Herbert Gonçalves. O que é qualidade? Artigo disponível em: http://www.administradores.com.br/artigos/o_que_e_qualidade/23926/. Acesso em 20/12/2008.
(4) CARVALHO, Mario César. O lixo na PF. Folha de São Paulo. Artigo publicado em 20/12/2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2012200806.htm . Acesso em 20/12/2008.
Autor: Herbert Gonçalves Espuny


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