Atenção ao CCB



A aplicação de fundos em Cédulas de Crédito Bancário (CCBs, uma espécie de nota promissória emitida por empresários e empresas em troca de empréstimos de bancos) está crescendo e preocupando analistas do setor. O receio não é com a CCB em si, mas com sua origem. Segundo a RiskOffice, consultoria que acompanha as aplicações de grandes investidores, houve um aumento de fundos que possuem em carteira CCBs originadas por bancos para financiar a abertura de capital de empresas.

A operação, chamada de "equity kicker" (algo como empurrão nas ações), tomou-se muito comum entre os bancos de investimento para "embelezar a noiva" antes da abertura de capital. Assim, o dono da empresa recebe um empréstimo do banco que contratou para fazer a abertura e emite a CCB em seu nome ou da própria companhia. O título fica com o banco como garantia do empréstimo. Depois, quando entra o dinheiro das ações, as CCBs são liquidadas.

O problema, segundo Marcelo Rabbat, sócio da RiskOffice, é que o mercado de ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) minguou neste ano com a turbulência da bolsa. Com isso, sobrou CCB nas carteiras de vários bancos e alguns foram parar na carteira de fundos geridos por esses mesmos bancos. Em alguns casos, o fundo não compra a CCB definitivamente, mas faz operações compromissadas com a tesouraria do banco, que vende o papel por um dia para o fundo com compromisso de recompra no dia seguinte. Com isso, muitas vezes a CCB nem aparece na carteira do fundo, pois no dia seguinte de manhã ela já foi revendida para a tesouraria do banco.

A questão nisso tudo não é o fundo comprar a CCB, que é um papel de crédito interessante e que pode ter uma rentabilidade maior, diz Rabbat."É o risco de possível conflito de interesse entre o banco prestador de serviços, que ao mesmo tempo atua como financiador da empresa que vai ajudar a vender ao mercado e ainda por cima dono de uma gestora de recursos que vai comprar esse mesmo papel", diz ele. "Deixou-se aberta uma porta para o banco que tem uma asset colocar esse papel na carteira dos clientes", afirma, observando, porém, que não há nenhuma lei que impeça a venda para o próprio fundo.

Apenas neste ano, o estoque total de CCBs no mercado passou de R$ 12,9 bilhões em dezembro para RS 17, 489 bilhões em julho, segundo dados da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima). Nesse número entram operações de crédito normal para empresas e pessoas, além dos "equity kickers".

Segundo Rabbat, a RiskOffice começou a barrar esse tipo de operação na carteira de vários dos seus 300 clientes. "Já vimos isso em fundos exclusivos de fundos de pensão ou empresas, mas também em carteiras abertas para clientes em geral, que não têm condições de avaliar o risco desses títulos", diz.

Há um ano, as operações compromissadas dos fundos — usuais para aplicar a sobra de caixa do fundo no fim do dia — eram feitas com papéis públicos como garantia, muito mais seguros para os gestores. Depois, começaram a aparecer as debêntures, os CDBs e, agora, as CCBs. "Um outro complicador é que não é fácil marcar a mercado uma CCB", lembra Fernando Lovisotto, sócio da RiskOffice. Além de não terem mercado secundário, são emitidos por milhares de pessoas ou por empresas que nem sequer são abertas. "Se avaliar e marcar a mercado um CDB do Bradesco é difícil, imagine CCBs do dono de uma empresa que nem abriu o capital ainda".

A situação se torna mais delicada com o aperto de liquidez, que fez as taxas dos CDBs de primeiríssima linha dispararem e obrigou os bancos a reorganizar a marcação a mercado desses papéis. Se as taxas dos CDBs estão oscilando mais, o mesmo deve estar ocorrendo com as CCBs, e até em maior grau. Houve ainda uma onda de resgates em fundos de renda fixa e multimercados neste ano, que pode ter aumentado o peso das CCBs nas carteiras dos fundos.
"Mas o problema em si não é o fundo ter CCB, a questão é o conflito de interesse entre o prestador de serviços de abertura de capital, o banqueiro, e o gestor", diz Rabbat, acrescentando que os IPOs "viraram uma operação de adiantamento de recebíveis para os bancos".

Para Lovisotto, uma saída seria o banco colocar na CCB que ele se compromete a recomprar o papel que ele mesmo originou e avisar os clientes. Os sócios da RiskOffice lembram que, entre as CCBs que circularam pelo mercado no ano passado, estavam os da Agrenco, cujos donos e principais executivos foram presos. "Há ainda o risco de quem não consegue fazer o IPO e pode ter dificuldades para se financiar", alertam.

Procuradas, as gestoras de alguns dos principais coordenadores de ofertas — Credit Suisse e Santander — disseram que não têm CCBs nas carteiras de fundos. A área de fundos do Itaú não res-pondeu ao pedido de entrevista. Já o UBSPactual confirmou a aplicação. Segundo Ronaldo Boruchovitch, co-responsável pela UBS Pactual Asset Management, as CCBs originadas nas operações de "equity kicker" são um ativo de crédito mais atrativo até que outros similares.
"Ele costuma ter mais garantia, prazos mais curtos e rentabilidade maior que uma debênture emitida pela mesma empresa, por exemplo, que não tem garantia nenhuma e pode ter prazos de vários anos", diz.

Entre as garantias, podem estar ações da empresa ou aval do dono ou ainda participação nos dividendos. Boruchovitch admite que algumas CCBs na carteira dos fundos são originadas pelo próprio UBS Pactual. "O UBS Pactual é um dos maiores bancos de investimento do país", lembra o executivo, acrescentando que a análise das operações pela asset antes da compra é "absolutamente independente, técnica e pragmática". "Os ativos são bons, as garantias são boas e a análise é feita com o mesmo critério com que avaliamos as CCBs originadas por outros bancos", diz. "O que precisamos assegurar é que a decisão de comprar o papel é independente", diz Boruchovitch.

Na quinta-feira da semana passada, quando conversou com o Valor, Boruchovitch disse que as CCBs originadas pelo UBS Pactual representavam menos de 0,5% da carteira total de fundos. Ontem, no fim da tarde, porém, a gestora informou, por meio de sua assessoria, que não tem mais nenhuma CCB originada pelo banco em suas carteiras. A gestora não explicou o motivo da mudança de estratégia, que já estaria em andamento na semana passada, mas em sigilo.

Andina cria regras para regular negociação dos papéis

A questão das CCBs entrou na pauta da Comissão de Ética da Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima). A diretoria da entidade aprovou na semana passada um parecer de orientação sobre a negociação de CCBs, explica Paulo Eduardo de Souza Sampaio, superintendente-geral. "No ano passado, houve um desacerto entre duas instituições na hora de liquidar uma venda de CCBs e isso nos levou a estudar o assunto e definir alguns padrões para esses negócios, que estão crescendo", diz ele. O texto deverá ser adotado também pela maioria dos fundos de pensão, que aderiu ao código de ética da entidade.

São sete recomendações que entrarão em audiência pública. Eles tratarão da emissão dos papéis, para quem vendê-los, qual o perfil do investidor, que tipo de análise de crédito deve ser feita e o cuidado com o conflito de interesses. "Em casos de venda de um papel para a asset do próprio banco, o código vai estabelecer que essas situações de eventual conflito de interesse sejam evitadas ou explicitadas à área de 'compliance' (fiscali¬zação) da instituição", diz.

Na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a questão das CCBs em fundos vem sendo acompanhada há alguns meses, diz o superintendente de Relações com Investidores Institucionais Carlos Alberto Rebello. A CVM quer saber como o gestor está fazendo a avaliação para comprar o título para avaliar qual o risco do emissor/devedor e o preço que vão dar no título. "Queremos saber como o gestor acompanha o risco desse emis¬sor/devedor para verificar quando deve reduzir ou aumentar o valor do papel na marcação a mercado", diz.
Assim, se o devedor tinha uma posição de risco X e esta se degradou demais, isso tem de se refletir no preço do título. Segundo Rebello, a CVM prepara diretrizes que devem ser observadas na aquisição desses títulos com menos informações públicas, não só CCBs. Rebello observa que os fundos têm a opção de fazer as operações compromissadas com as CCBs, assim como fariam com um título público ou com uma debênture. Mas ele observa que a remuneração no caso desses papéis tem de ser diferenciada, caso contrário, o fundo está correndo um risco maior sem receber nada em troca.

Sobre um possível conflito de interesses, Rebello diz que o que se espera é independência da asset para escolher o que melhor convenha à estratégia de investimento. "Na legislação, não é vedada a operação, apenas o princípio de tratar como se tivesse comprando o papel para si mesmo e dar o máximo de transparência", diz. Sobre as CCBs de IPOs que não se realizaram, ele admite que "sempre vai existir o risco de CCBs voando, mas se o dinheiro foi aplicado no negócio da empresa, há uma expectativa de retorno", diz. A diferença, explica, é que o retomo seria mais rápido se houvesse a abertura. Em maio, o valor em CCBs detido pelos fundos de investimento era de RS 4 bilhões, estima Rebello.

Marcelo Rabbat atualmente é também diretor da PR&A, empresa especializada em Risco de Crédito, Risco de Mercado e Consultoria de Investimento.
Autor: Assessoria de Imprensa Web


Artigos Relacionados


'operação Empurrão' Traz Risco A Carteiras De Fundos

Parcela No Exterior Pode Trazer Riscos

Riskoffice Aumenta Consultoria Para Os Cliente De Alta Renda

Multimercado Sem Renda Variável Vira Alternativa á Renda Fixa

Fundações Aumentam A Compra De Título Privado

Hsbc Faz Mudanças E Reforça Segmento De Gestão Internacional

Mercado De Dívida Privada Vive Boom No País