REDUÇÃO DOS DIREITOS DE DEFESA DOS CONTRIBUINTES NOS PROCESSOS TRIBUTÁRIOS: À NORMA EM FAVOR DA ARRECADAÇÃO



1. AS GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA LIDE TRIBUTÁRIA



O processo em um Estado Democrático de Direito caracteriza-se pela lide, que no conceito clássico (Carnelutti) corresponde a um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Não se descuida que a lide processual substituiu a autotutela, em que cada uma das partes utilizava sua própria força (física, política ou moral) para impor sua vontade, sem que houvesse um mediador do conflito. A mediação, é representada em tempos atuais pelo exercício do julgador, que nos processos judiciais é um Juiz, este que tem o papel de garantir o tratamento isonomico às partes, sem qualquer privilégio material ou formal.

É pelo processo que se alcança o ideal de justiça. Isso significa, em última análise, que através da resolução da lide o Estado devolve a paz social. Alinhado a esse objetivo, o Estado que se denomine Democrático e de Direito deve dar condições para que pela lide as pessoas possam exercer suas livres manifestações, de modo a oferecer uma ampla defesa de interesses, a ponto de instaurar realmente o contraditório processual.

O processo não é apenas um instrumento técnico, mas sobretudo ético. E isso implica afirmar que também sofreria influência de fatores históricos, sociológios e políticos.

Segundo Ada Pellegrini Grinover:





É justamente a Constituição, como resultante do equilibrio de forças políticas existentes na sociedade em dado momento histórico, que se constitui no instrumento jurídico de que deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenomeno processo e de seus princípios. (GRINOVER, 1997, p. 79)





Nesse contexto, vale ressaltar que o processo ganha especial destaque na Constituição Federal do Brasil, na medida em que fora consagrado o direito individual de não ser condenado sem o devido processo legal, bem como do direito a ampla defesa durante o processo. José Afonso da Silva, numa rápida abordagem do tema, na perspectiva do princípio do devido processual legal destaca:



O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e “quando se fala em “processo”, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídicas. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais, conforme autoriza a lição de Frederico Marques. (SILVA, 1993, p. 378)



Tais garantias individuais integram o rol de direitos fundamentais, e isso deve ser enaltecido pelos brasileiros, já que muitos viveram sob a égide do regime exceção. Na perspectiva histórica dos direitos fundamentais existe origem comum na concepção jusnaturalista dos direitos naturais e inalienáveis do homem. O processo de elaboração doutrinaria dos direitos humanos, foi acompanhado do direito positivo, movimento bastante pronunciado no século XVIII. A contribuição francesa merece destaque no campo da constitucionalização e reconhecimento de direitos e de liberdades fundamentais.

Para Ingo Wolfgang Sarlet os direitos fundamentais originalmente foram concebidos para impor limites ao Estado:





“Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burgues do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seus poder.” (SARLET, 2009, p. 46).





Especialmente em matéria tributária o legislador constituinte não se contentou a tratar das garantias processuais como princípios fundamentais (artigo 5º), pois nos artigos subsequentes há dispositivos específicos que limitam, explicita e implicitamente, o poder de tributar.

Mas, o caráter protetivo do texto constitucional em relação ao contribuinte não tem se reflexido nas lides tributárias. Principalmente, em virtude das alterações das leis processuais e edição de normas do Executivo, as quais adquirem força de lei mesmo quando se sabe que foram emitidos sem qualquer debate político.





2. A CRISE DO POSITIVISMO JURÍDICO E A RESTRIÇÃO HERMENÊUTICA NAS LIDES TRIBUTÁRIAS



A força normativa no estado moderno passou a ser centralizada em códigos, que possuíam o caráter sistemático, de modo a unificar as fontes do direito e impingir o fenômeno da positividade. A positividade significa que a decisão, mesmo se vier a alterar radicalmente o direito, receberá o seu significado normativo do próprio sistema jurídico, ou seja, o direito seria apenas o dispositivo aplicando.

“Nessa perspectiva, a noção de autopoiese (auto-referência, autonomia ou fechamento operacional, “autodeterminidade”) do direito passa a constituir o cerne do conceito de positividade.” (NEVES, 2007, p. 80) Mas, o sistema jurídico unicamente positivista não permite a análise fática do direito, o que impediria em última análise, valorar princípios sociais, morais, dentre outras peculiaridades do caso.

Nessa perspectiva dogmática o próprio papel do Juiz é reduzido a mero aplicador da lei, de modo que não seria possível maior exercício hermenêutico. Como se não bastasse a própria tendência positivista do direito tributário, observa-se também que as normas em si não exclusivamente produzidas pelo Poder Legislativo.

O Direito Tributário, pela própria aceitação (controle de constitucionalidade) pelo Judiciário de inúmeros atos editados pelo Poder Executivo, tais como: Instruções Normativas, Orientações de Conselhos Fiscais, Decretos, dentre outros atos unilaterais, praticamente tem se tornado arbitrário. Sequer o sistema de codificação oitocentista é respeitado em matéria tributária. Na prática de codificação normas existiam vantagens que sequer são observadas com a invasão legislativas pelo Executivo. Dentre as principais vantagens, cita-se:



1ª ) Foro de aprovação qualificado no processo legislativo com a possibilidade de debate nas casas legislativas;

2ª ) Normas que atendem em princípio à Constituição Federal;

3ª ) Facilitação dos operadores pela reunião das normas.



O sistema tributário possui um Código, mas que infelizmente está em quase desuso. Enquanto o Fisco produz várias normas tendentes ao aumento da arrecadação de tributos, inclusive com a aprovação de Lei que permitem a penhora on-line, a descaracterização da personalidade jurídica, a responsabilidade solidária dos sócios, etc. Por outro lado, o contribuinte não consegue aprovação de normas em seu favor, sendo que o principal delas: “O Código de Defesa dos Contribuintes” está a mais de dois anos paralisado na Câmara dos Deputados.

Isso reflete a vulnerabilidade dos contribuintes frente ao Poder Estatal. Não é por acaso, que Cândido Rangel Dinamarco, comenta que: “a LEF é resultado de profunda inspiração autoritária, feita por agentes do Poder Executivo, por este proposta ao Congresso Nacional e ali aprovada às pressas, sem a participação dos especialistas, advogados e magistrados.” (DINAMARCO, 2000, p. 29)



3 - CONCLUSÃO



O esforço de transformar o Direito em ciência, necessidade esta presente na tendência racionalista do início da modernidade, acabou estabelecendo uma relação lógica entre o comando normativo e os sujeitos de direito. A teoria pura do direito se encarregou de estabelecer um conteúdo cientifico à norma, esta que se tornava válida apenas com a observação dos procedimentos legislativos; respeito às etapas do método cientifico de produção de lei.

Essa tendência ciência do Direito gerou certo distanciamento entre a lei e a ética. A validade da norma tinha relação muito mais com o respeito ao método do que propriamente a finalidade ou o conteúdo normativo. Particularmente nas democracias a discussão sobre o conteúdo é realizada apenas na fase de elaboração da norma, também em razão do sistema representativo político.

A discussão processual na lide fica meramente reduzida à aplicação dos comandos normativos, em um apego exacerbado ao positivismo. Não se descuida que muitas normas foram editadas pelo próprio fisco, este que figura como parte ex-adversa no processo tributário.

O Judiciário especialmente em matéria tributária não se ocupa da análise dos processos legislativos, de modo a aplicar a lei vigente como fonte única do Direito. A teoria positivista reduz o campo investigativo do Direito Tributário, de modo a obstar que o julgador análise as circunstâncias fáticas do contribuinte, tais como a real capacidade contributiva e a ocorrência de confisco pela cumulatividade de vários tributos.

O Código Tributário Nacional no artigo 111 estabelece inclusive a forma de aplicação da norma, que deve ser literal em clara restrição investigativa de conteúdo. Esse posicionamento aumenta a submissão dos contribuintes à norma posta e por conseqüência ao anseio arrecadatório do fisco.

Em nome da segurança jurídica de arrecadação não pratica a análise subjetiva do contribuinte, porém seria necessário ampliar o campo investigativo do Direito Tributário, de forma a permitir a justiça fiscal, esta que não está sendo alcançada com a edição de novas leis, sobretudo, em virtude do foco apenas no aumento da arrecadação.

Portanto uma das soluções ao problema de redução dos aspectos da lide tributária seria superar o positivismo jurídico nas decisões judiciais, de modo a considerar a real capacidade contributiva do sujeito passivo das obrigações fiscais.





Grinover, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 1997.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1993.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2000.

NEVES, Marcelo. Entre têmis e leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2007.



Por Robson Ochiai Padilha, advogado, especialista em Direito Público Ambiental e Direito Privado, Mestrando em Direito Empresarial.
Autor: Tedeschi & Padilha Advogados Associados


Artigos Relacionados


SÍntese Do Artigo De Eleomar Da Silva Pereira...

O Moderno Direito Tributáio Alemão

A EficÁcia Dos Direitos Fundamentais Diante Das Normas ProgramÁticas

Segurança Jurídica E Tributação

Jurisdição No Desempenho Da Pacificação Social

Sistemas Processuais Penais

Qual A Distinção, Na Esfera Da Administração Tributária