Teoria e Prática Contábil: Antagônicas ou Complementares?



Assim como ocorre em diversas outras ciências, especialmente nas tidas como sociais aplicadas, existe na Contabilidade ainda uma grande disparidade entre o conhecimento teórico e a prática profissional, a qual, na maioria das vezes, parece pautada meramente em normas e regras, em negligência do doutrinário e científico.
Muitos profissionais foram educados, desde o tempo da academia, a especializar seu conhecimento apenas naquilo que o mercado exige mais, ou seja, a prática profissional. No entanto, de nada adianta o conhecimento do “como fazer” sem o embasamento do “por que” se está fazendo. Em outras palavras, o profissional que se atém exclusivamente ao trabalho laboral e corriqueiro acaba desenvolvendo uma visão deveras limitada, tornando-se incapaz de pensar por si mesmo e aceitando supostas verdades como se verdadeiras fossem sem um prévio julgamento crítico. Citando o notável economista francês Jean Fourastié, “O atraso das ciências econômicas e sociais em relação às ciências da matéria é uma das causas das infelicidades da humanidade. A técnica arrasta o homem para horizontes imprevistos”.
A Contabilidade surgiu, ainda na pré-história, como uma forma de atender a uma necessidade prática: controlar a riqueza. À medida que o homem primitivo deixou de ser nômade, desenvolvendo a agricultura e a criação de animais, passou a definir conceitos de propriedade, utilizando instrumentos rudimentares (como, por exemplo, pedras e fichas de barro) para registrar o seu patrimônio. Em outras palavras, a necessidade de controle da riqueza fez com que o homem primitivo desenvolvesse mentalmente um sistema que atendesse àquela carência e, em seguida o colocasse em prática.
Considerando que o conhecimento contábil não é estático e, deste modo, evoluiu juntamente com a civilização humana. O surgimento das primeiras comunidades, o desenvolvimento da escrita e a criação da moeda como instrumento de troca, dentre diversos outros fatores, ocasionaram um crescimento das relações comerciais e da economia, o que passou a exigir da contabilidade instrumentos mais precisos e modernos. Basicamente, quanto mais um povo se desenvolve, maior e mais complexo torna-se o seu patrimônio, exigindo dos profissionais da contabilidade mais dedicação e empenho em tentar sanar as necessidades dos usuários.
Durante a Idade média, por exemplo, foi desenvolvido no Oriente Europeu, mais precisamente no norte da Itália, o método veneziano de escrituração, mundialmente conhecido como método das partidas dobradas, o qual surgiu como uma forma de atender à grande expansão das relações de comércio naquela região, ocasionada pelo evento que os historiadores chamam de Revolução Comercial (Séc. X – XIV). O primeiro livro a tratar da referida técnica de escrituração foi publicado na cidade de Veneza, em 10 de novembro de 1494, escrito pelo Frei Franciscano Luca Pacioli e intitulado Summa de Arithmetica, Geometrica, Proportioni et Proportionalita (Súmula de Aritmética, Geometria, Proporção e Proporcionalidade). A obra, que em sua edição original apresentava mais de seiscentas páginas, não foi a primeira a tratar sobre assuntos contábeis, mas teve o seu mérito por introduzir as partidas dobradas na comunidade literária da Contabilidade, dando origem a diversos outros livros que também trataram do assunto.
Surgiu então a primeira escola do pensamento contábil: o Contismo. Era, finalmente, a Contabilidade engatinhando rumo à condição científica.
Com o passar dos anos, o Contismo decaiu, dando lugar a correntes mais modernas. A Contabilidade, entretanto, evoluiu cada vez mais. A culminância dos esforços de incontáveis estudiosos levou enfim a disciplina ao status de Ciência Social, buscando sempre a resposta às questões envolvendo o seu objeto de estudo, o fenômeno patrimonial.
A História evoluiu, vieram as grandes navegações, a revolução industrial, a globalização, o desenvolvimento da informática, o estabelecimento da era do conhecimento e incontáveis outros acontecimentos que alteraram a sociedade e a economia, cabendo aos profissionais da Contabilidade o mesmo desafio enfrentado pelos homens primitivos há milênios: Questionar os modelos existentes e, com base no conhecimento teórico, desenvolver novas técnicas que, ao serem colocadas em prática, satisfaçam as necessidades por informação.
Como se percebe, a teoria e a prática contábil não são antagônicas, mas sim complementares. Assim, podemos dizer que do mesmo modo que a teoria só possui valor se tiver aplicação prática, a prática só agregará valor se apoiada pela teoria, e não única e exclusivamente por normas e regras.
Autor: André Charone Tavares Lopes


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