O recanto demolido



A Escola Recanto, na Madalena, um dos poucos recantos do ensino freinetista do Recife, está virando escombro para dar lugar a um edifício residencial. É muito pesaroso ver esse tipo de coisa acontecer – escolas fechando e sendo demolidas –, sentimento que aumenta muito quando vemos que no lugar específico em questão nós passamos parte de nossa infância e/ou adolescência.

Ali perto do Clube Internacional eu vivi os dois anos finais de minha infância (1998 e 1999). Não foi uma época de vida pessoal inesquecível, por motivo de personalidade que me isolava e me tirava o interesse de fazer amigos/as, mas ali tive os primeiros bons colegas – quase amigos – e pude saber pela primeira vez o que é se apaixonar por alguém, embora não tivesse sido correspondido. Hoje, exatamente dez anos depois, o lugar está virando escombros. A cobertura da quadra está para ser desmontada e as salas de aula estão sendo derrubadas.

Além de ser um pedaço de minha memória que está sendo destruído, a Recanto tentava dar um exemplo à educação da cidade, afirmando contar com o método Freinet de ensino. Todavia, eu posso julgar, pela minha lembrança, que, na minha época, o ensino que me foi transmitido não seguia todos os preceitos da pedagogia de Célestin Freinet, como a tentativa-e-erro e o uso das experiências da vida como recurso de aprendizagem.

Além disso, também me queixo da forma inadequada de como tentavam fazer os/as alunos/as “gostarem” de ler: ali a leitura não era incentivada por processos lúdicos, mas imposta: tínhamos que ler oito livros paradidáticos por ano e fazer avaliações ou trabalhos sobre eles valendo nota. Quem não lesse todos os livros seria reprovado em Literatura (creio ter sido esse o nome da disciplina).

Apesar dos pesares, não vou esquecer aquele colégio. Ele me ajudou a crescer, de alguma forma. Aliás, não só a mim, mas a milhares de crianças e adolescentes ao longo de quarenta longos anos.

A escola, segundo sua diretoria afirmou, foi vítima da inadimplência de pais e mães dos/as alunos/as, que provavelmente foram vitimados/as pela crise mundial recente e perderam a condição de pagar as mensalidades em dia. Esse ponto nos intriga ao extremo: o governo permite que escolas fechem ou tenham que se fundir por questão de sobrevivência, mas ajuda bancos* em dificuldades. Não divulga nenhum plano para salvar escolas particulares, estas que há anos sofrem com a questão da queda da arrecadação. O sistema financeiro é sagrado para nosso governo, mas as escolas, definitivamente não.

A Recanto foi a segunda escola particular por onde passei que foi derrubada por dificuldade financeira. Ela se fundiu com o Instituto Helena Lubienska por esse motivo. As duas instituições faliriam se não tivessem apelado para esse recurso.

Me pergunto: onde estão aqueles que socorrem bancos mas não ajudam colégios em crise? Por que permitem que nossas lembranças da infância e adolescência sejam derrubadas desse jeito? Por que deixam meninos e meninas perderem aquela escola que está marcando sua vida, obrigando-os/as a se deslocar para uma instituição muitas vezes mais distante?

A extinção individual do Recanto, que irá se tornar com o Lubienska uma só escola em vez de duas, e a destruição de seu prédio nos mostram que aqui no Brasil realmente não se valoriza a educação. Se recebessem ajuda governamental, não teriam que passar por esse destino amargo. Mas não receberam, então adeus.

No final, só me resta dar meu adeus a mais uma escola que marcou meu passado e faz parte de minha memória. Adeus, Recanto, jamais vou esquecer você.



*Fonte: http://www.dm.com.br/impresso/7800/economia/54297,bc_acena_mais_ajuda_a_bancos
Autor: Robson Fernando


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