O Mito Da Passividade Das Massas No Brasil



O Estado brasileiro uma arma de dominação da elite

Antes de começarmos a discutir a criação e o desenvolvimento do mito da passividade das classes dominadas no Brasil, tentaremos dar uma breve idéia do que representa o Estado neste país.

O Estado, esta instituição que surge em diferentes momentos na história da humanidade, tem várias interpretações, e todas elas representam seu tempo histórico. Aristóteles, na antiguidade, entendia o Estado como “o todo”, e o todo deveria ser colocado antes da parte. Na Idade Moderna, surgem outras teorias, como a de Hobbs com o Leviatã e a de Rousseau com o contrato social. Na Idade Contemporânea surge à teoria de Marx, baseada na luta de classes e na idéia do Estado como instrumento burguês de dominação de classe. Usaremos esta última como base para análise do Estado brasileiro, pois nas outras, esta instituição, surge com a missão de conduzir o todo ao bem comum. E como veremos o Estado brasileiro não surge como instrumento do todo, mas sim como arma de dominação de um segmento, da elite.

A chegada da República, em 1889, não diminuiu os problemas sociais brasileiros, pelo contrário, os intensificou. O novo Estado republicano não era, em termos socioeconômicos, muito diferente do Imperial, seu perfil excludente, doutrinador das massas e disseminador do ideal social da elite, continuava praticamente o mesmo.

A jovem República manteve as práticas sociais anciães do Império, e a elas se somaram outras práticas ainda mais excludentes, como veremos no decorrer deste trabalho. Este desdobramento se intensifica com o avanço do capital por nossas terras, e o Estado brasileiro acaba se tornando uma máquina a seu serviço. A divisão social do trabalho se torna mais complexa, à distância entre os mais pobres e os mais ricos aumenta e o Estado como qualquer arma de dominação, facilita à acumulação de capital por parte da elite. Ele não emana poder, mas sim o representa. Representa um grupo, uma minoria que o detém e o usa para manter seu status quo. Esta instituição historicamente responde pela manutenção da ordem e dos interesses burgueses no Brasil.

O Estado capitalista burguês brasileiro atua em diversas áreas, na educação, nas artes, na mídia, em qualquer meio que emanem idéias, sua intenção é ludibriar as massas e cooptar aqueles que oferecem perigo ao capital. Em sua missão de subserviência ao capital, esta instituição, tem que controlar todo tipo de manifestação popular, mesmo que seja com o uso da violência. E foi assim com o uso da violência, que nem sempre foi física, que o Estado tentou domesticar as massas a todo custo. Em até certo ponto obteve êxito, mas, como veremos a seguir, as massas reagem e mostram sua força. E abalam a “pax” do capital no Brasil. No decorrer deste trabalho tentaremos descrever a resistência histórica destas massas e desmistificar o mito criado sobre sua passividade.



O mito da passividade das massas no Brasil
Nesse mito, as massas no Brasil são inertes, e não reagem à opressão que lhes é imposta, ele gera uma doutrina que reza pelo distanciamento do povo dos movimentos políticos do país, e ainda transforma qualquer um que se revolte contra o sistema em vadio, bárbaro, traidor da pátria e em tantas outras coisas desclassificantes. Todo levante popular recebe uma conotação de baderna, de messianismo, de banditismo, ou outra coisa qualquer que diminua a importância da mobilização popular. Mas a maior força deste mito é pregar que as massas são inertes por sua própria vontade, ou seja, o povo não participa porque não quer. Ele foi tão bem desenvolvido, que muitas pessoas acreditam em suas verdades e as fazem de regra. Este mito foi absorvido pelo inconsciente coletivo popular e dificulta, na maioria das vezes, a articulação das massas, mas não as evita como muitos acreditam e como veremos mais à frente.

O que é um mito? Segundo o dicionário Aurélio mito é uma “narrativa de significação simbólica, transmitida de geração em geração dentro de um determinado grupo, e considerada verdadeira por ele”. Ainda, “Idéia falsa, que distorce a realidade ou não corresponde a ela” (Ferreira, 2001, p.466.). Como vimos, mito é um símbolo, é uma idéia criada para servir a um interesse, e no nosso caso, servir os interesses do capital e da elite brasileira. Mas por que e como esse mito foi criado? Que interesses ele encobre? Será que ele é tão poderoso quanto alguns pensam? Tentaremos desenvolver esses temas no decorrer deste trabalho e faremos um resgate histórico de alguns dos movimentos populares mais recentes ocorridos em nosso Estado.



A gênese do mito

Mesmo eles, tão próximos das doutrinas capitalistas não perceberam que eram apenas ferramentas para sua expansão e reprodução. Este grupo não enxergava essa manipulação e acabou perpetuando os ideais do capital, via Estado e seus organismos, aqui por nossas terras. Mas que ideais são esses? A ambição, o individualismo, o sonho de ascensão, a busca incessante pelo lucro, a concentração dos meios de produção, entre outros, fazem parte do legado que mantêm a força do capital viva nas entranhas de nossa sociedade.

Estes ideais servem de base e de sustentação para esse pensamento, e sem eles, o capital não sobreviveria. Sendo assim, a necessidade da difusão de seus dogmas é muito grande. A elite depende da sobrevivência desta doutrina e faz tudo o que for necessário para que ela seja transmitida e propagada. É neste contexto que o Estado brasileiro surge como arma doutrinadora das massas, e como representante do poder passa a emanar estes ideais através de uma doutrina de contenção das massas.

Durante o terceiro quartel do século XIX, a elite brasileira começa a se preparar para o inevitável, à ascensão das massas recém libertas da escravidão. A lei de terras de 1850 concentra a fonte do poder nas mãos dos já poderosos senhores de terras, dando a eles as condições legais necessárias para barrarem a tentativa de qualquer um que se atrevesse a perturbar o status quo vigente. Mas como veremos a lei de terras sozinha não conseguiria impedir o acesso das massas às terras, era preciso algo mais, era preciso moldar esse povo que crescia, de acordo com os interesses dos poderosos e, por conseguinte com os do capital.

A libertação dos escravos em 1888 e a constante chegada de imigrantes europeus fizeram crescer consideravelmente a população de homens livres no Brasil, e junto com esse crescimento populacional cresce também a pressão destes grupos em busca de uma vida digna. E nesta época, ou até hoje, ter uma vida digna está ligada à necessidade de se possuir um pedaço de terra, e estes excluídos, que eram a maior parte da população brasileira, buscariam uma maneira de conquistar seu espaço mesmo que tivessem que passar por cima da lei.

Percebendo esse perigo eminente, a elite usa o Estado, na figura do ministro Ferreira Vianna, para baixar uma medida contra a vadiagem e a desordem ainda em julho de 1888. Aos olhos dessa elite a abolição era uma ameaça aos privilégios ancestrais deste grupo e a ordem socioeconômica estabelecida. Os donos do poder possuíam um temor muito grande pela força de ruptura destas crescentes massas, pois enquanto os negros eram escravos podiam ser controlados, mas a partir da abolição, pelo menos os negros, deveriam ser considerados cidadãos. Isto poderia nivelar negros e brancos e causar um grande problema aos planos de dominação social da elite, pois os negros eram maioria e dar a eles os mesmo direitos de cidadania seria entregar o Estado as massas. Só havia uma saída: controlar essa ascensão.

Com o advento da República em 1889 e o decorrer do século XIX, surge outra força, o tímido proletariado, este formado na sua maioria por imigrantes europeus que trabalhavam nas pequenas indústrias têxteis de São Paulo e Rio de Janeiro, então capital do país. Estes operários não formavam um grande grupo, não eram considerados cidadãos e muito menos podiam participar da vida política do país, mas possuíam uma arma muito poderosa, a ideologia anarquista. Se esta base ideológica fosse passada a esse grande contingente de ex-escravos, de mestiços e brancos pobres, poderia aglutinar essas forças em torno de um ideal, dar fim ao poder do Estado que os oprimia e os excluía.

Isso não passa despercebido pela elite, que usa o Estado e todo seu aparato, principalmente sua força policial, para reprimir qualquer aglomeração destes grupos, proibindo-os de se manifestarem em público. Como podemos ver as reivindicações das massas ou sua participação em algum movimento, eram tratadas como crime, pois quem tentasse reverter o status quo, de acordo com a doutrina oficial, não deveria ser bem visto por todos. Esta tentativa de alienação ideológica e de supressão do sentimento de classe por parte do povo funciona, mas por um curto período, pois nas primeiras duas décadas do século XX as massas voltam à cena.



Mesmo oprimidas as massas lutam, se manifestam e mostram sua força

Alguns podem até não considerar Canudos como uma tentativa de subverter a ordem, mas na visão das elites do fim do século XIX este movimento foi um ataque aos princípios ditados pela elite e pelo capital, por isso foi tratado de maneira exemplar. O massacre da comunidade foi um aviso a todos aqueles que, por algum motivo, tentassem desenvolver uma alternativa ao modo de vida ditado pela doutrina capitalista oficial do Estado.

A violência empregada por parte do governo nesse movimento popular, foi muito divulgada por vários jornais da época, e mesmo assim não impediu que no início do século XX surgissem outros movimentos oriundos das massas por todo o país. A Revolta da Vacina no Rio de Janeiro, e as lutas operárias em São Paulo, são exemplos de que as massas não eram passivas e que não estavam sobre controle total do Estado. Nem mesmo com toda força doutrinária emanada por esta instituição, às vezes até de forma violenta, os grupos populares se intimidaram e deixaram de se manifestar contra a imposição dos dogmas socioeconômicos da elite brasileira.

A Revolta da Vacina que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro em novembro de 1904 foi um dos maiores levantes populares da história do Brasil. Em apenas poucos dias a força popular colocou em xeque o poder do Estado, e a sua eficácia como instituição doutrinadora. Nesta revolta, várias ideologias e segmentos sociais se misturaram, em torno de um propósito, afrontar e desestabilizar o Estado. As massas neste levante possuíam um perfil heterogêneo, pois os revoltosos que compunham a multidão enfurecida tinham uma origem social diversificada, característica esta, que não serviu de ponto desagregador.

No início do século XX, o capital internacional passou a exigir uma maior modernização dos países da América Latina, entre as exigências estava a necessidade de portos mais funcionais que atendessem a demanda das importações oriundas das potências européias e dos EUA. Mas esta modernização não se resumia apenas a área portuária, toda a sociedade e seus costumes atrasados deveriam ser transformados. Caso isso não fosse possível, seria necessário esconder do mundo este contingente humano, expulsando-o para o mais longe possível da área nobre da cidade.

E foi isso que ocorreu, com a desculpa de reforma sanitária, o Estado demoliu as casas populares situadas próximas ao centro do Rio de Janeiro e expulsou seus moradores para áreas periféricas. Até então, as pessoas que estavam sendo afetadas, eram aquelas que sempre sofreram com os desmandos do Estado, mas isto iria mudar. O poder não se contentou em oprimir um segmento social apenas, e começou uma campanha de vacinação obrigatória, que afetaria toda população sem distinção de classe. Sem perceber o Estado acabava de criar um ponto aglutinador das massas, pois a vacinação obrigatória agredia os costumes morais da época, e a isso se juntavam os fatos das demolições, dos problemas trabalhistas, das pelejas políticas, da exclusão social, e muitos outros combustíveis que acabaram detonando uma revolta generalizada.

A Revolta estoura em novembro de 1904 e o Rio de Janeiro, então capital da República, sente a força das massas por duas semanas, que apesar de doutrinadas dentro do mito de passividade e a alienadas de cidadania se mostram presentes no cenário político e social. Mas uma vez podemos perceber que apesar de todo o adestramento por qual passou o povo não era tão passivo assim, só precisava de um detonador social e foi isso que o Estado proporcionou com sua “reforma urbana e sanitária”.

Um pouco depois, em São Paulo, surgia uma nova força que apesar de pequena em contingente, era forte em ideais. Os sindicatos dos trabalhadores das fábricas paulistas, em sua grande maioria formado por imigrantes europeus, se mostraram fortes, principalmente após a greve geral de 1917 em São Paulo e do advento da Revolução Russa, que influenciou a fundação do P C B em 1922, fato que deu novo animo ao movimento. Sua força já incomodava tanto os segmentos da elite, que após a Revolução de 1930 estes grupos foram incorporados ao jogo político, só que sob a tutela do Estado.

Entre 1930 e 1945, as massas foram extremante doutrinadas e manipuladas, pois havia um jogo de ideologias no país, de um lado as elites e seus problemas de sucessão poder, de outro as classes médias buscando participação nas estruturas políticas, e o povo, que neste contexto de massiva propaganda, era levado a acreditar que fazia parte do jogo.

Se houve um período onde as massas realmente estavam sob controle do Estado, foi na Era Vargas. Elas foram incorporadas ao jogo político sob as rédeas estatais, principalmente sob comando da pessoa de Getúlio. Este exímio político aglutinou os sindicatos, criou uma série de leis trabalhistas, e usou a força de seus inimigos em seu beneficio. O governo varguista usou todos os meios de comunicação da época, para adestrar o povo e transforma-lo em sua principal base e arma contra seus opositores. Poucos tentavam desafiar Getúlio, pois quem ousasse cometer este ato, estaria desafiando também o proletariado, o verdadeiro poder por de trás do poder. Por isso quando Vargas promove o golpe que cria o Estado Novo em 1937, quase não é contestado, apoiado incondicionalmente nas massas, que serviam de alicerce para sua política autoritária e centralizadora, o presidente conseguiu paz interna para governar.

Mesmo neste contexto de intensa manipulação, as massas mostram sua força, pois se fossem passivas, como alguns alegam, não haveria necessidade de controlá-las e mais, um líder como Getúlio, não garantiria seu poder em um segmento social desprovido de força de ruptura. O fim do Estado Novo e de seu controle social em 1945, não representou a chegada de autonomia ideológica para o povo. Pois surgiu o populismo, mais um modelo de controle de participação política, exercido de cima para baixo, ou seja, outra forma de manipulação dos trabalhadores.



As massas quase chegam ao poder

Na área urbana, neste período, já existia um grande contingente de trabalhadores, e eles sofriam com as regras de acumulação de capital vigente. O governo JK só intensificou a transferência de capital dos mais pobres para os mais ricos, gerou uma grande desigualdade social e aumentou o custo de vida nas cidades. Somavam-se a isto os interesses do capital internacional, que neste momento estava associado ao nacional, e todo o contexto da guerra fria. O país era uma bomba relógio, as massas eram a onda de choque, só faltava um elemento detonador para libertar todo esse poder. A autonomia dada ao proletariado somada à extrema exploração dessa classe pelo capital, pareciam ser os ingredientes vitais, para uma explosão.

No início da década de 1960, começam a surgir várias manifestações contrarias a realidade socioeconômica do país. Principalmente após a renuncia de Jânio Quadros a presidência. Seu vice, João Goulart tinha uma ligação muito forte com o sindicalismo e sua posse como presidente não agradava a elite e nem o capital internacional. Goulart tentou usar o apoio das massas, como Vargas, para governar, mas não possuía o carisma e a astúcia do velho político. Promoveu a ascensão do proletariado ao jogo político, só que agora sem nenhum elemento que mantivesse as massas sob suas rédeas. A força popular foge do controle de Goulart e passa a agir por conta própria, percebendo o perigo eminente a burguesia começa a agir e desenvolve um plano radical para cessar o que parecia uma ruptura.

Em março de 1964 Jango é forçado a abandonar a presidência em meio a uma grande instabilidade popular, as massas têm nesse momento histórico a oportunidade de tomarem para si o controle do Estado. Mas por falta de articulação entre os grupos populares e a resposta rápida da elite em forma de golpe militar, acabaram barrando a ascensão das massas ao poder. Se o proletariado fosse realmente passivo, dócil e ordeiro por natureza, os poderosos, na ânsia de manterem seu poder, não teriam entregado o Estado a uma ditadura militar que duraria mais de vinte anos.

Neste mesmo período os trabalhadores rurais, historicamente oprimidos pelos “coronéis”, se organizaram e lutaram pela terra. As Ligas Camponesas foram uma mostra, de que até no campo, onde existia uma cultura de medo e terror contra aqueles que tentassem mudar as estruturas seculares da posse da terra, que o controle ou passividade social não passava de um mito. As Ligas eram tão fortes, que foram dizimas exemplarmente, servindo assim de lição para qualquer levante camponês futuro. Seus líderes foram mortos, perseguidos e taxados de traidores da pátria, o Estado alegava que havia ligação do movimento camponês com as ideologias socialistas. E estas ideologias eram entendidas pelas elites, no contexto da guerra fria, como uma grande ameaça aos seus privilégios e ao seu poder.

Se as massas camponesas não tivessem força, o tratamento dado ao seu levante teria sido diferente. Não se daria tanta importância a um movimento fraco e destinado ao fracasso, ou seja, o trabalhador rural mostrou que tinha força e que não era passivo. O advento das Ligas Camponesas funda uma nova era no campo, pois trouxe para o jogo político, o mais excluído dos grupos sociais brasileiros. Além disto, trás uma nova dinâmica para as relações de trabalhadores rurais, elite e Estado. Não que as coisas tenham mudado muito nestas relações, mas o simples fato de se pensar em uma reforma agrária em um país que tinha sido fundado economicamente no campo, é sem dúvida o reconhecimento da força das massas camponesas.

Teria sido de grande importância à articulação entre o movimento camponês e o urbano, mas isto não ocorreu, e a oportunidade de romper com o sistema vigente foi perdida. A partir de 1964 as coisas se endureceram no que se diz respeito à questão das massas e sua autonomia, mas mesmo assim elas não se mostraram inertes.



Nem a ditadura transformou o mito em realidade

Durante o período da ditadura militar no Brasil (1964 – 1985) o controle social violento volta à cena. O autoritarismo militar, que agia sob o lema: “segurança e desenvolvimento” ou leia-se “acumulação de capital e repressão”, nasce para garantir a posição de liderança da grande burguesia brasileira, e suprimir todos os movimentos populares existentes. A força popular já era tão grande que foi preciso usar todo o aparato das forças armadas para dispersa-las e afasta-las novamente do jogo político. Mas isto não ocorreu sem resistência, às massas por vezes enfrentaram o poder do Estado e se fizeram notar.

A fase que vai de 1964 a 1974 é de grande repressão aos movimentos políticos populares. A perseguição, os seqüestros, a tortura, os assassinatos e muitos outros instrumentos de coerção popular, foram às armas encontradas pelos militares e pela grande burguesia brasileira, para conter em um primeiro momento, as massas. Em seguida, os poderosos começam um massivo bombardeio ideológico através dos meios de comunicação, com o intuito de trazerem as massas para sua tutela, esta propaganda transformou os que lutavam pela liberdade em perigosos terroristas e criminosos. Com esta estratégia, o Estado conseguiu diminuir consideravelmente a participação povo nos movimentos. Foram momentos de uma aparente paz social aqueles primeiros anos da década de 1970, o milagre econômico anestesiava o proletariado, e, a censura e a propaganda encobriam os fatos aterradores praticados pelo sistema. Mas este aparente marasmo que encobria a transferência de capital dos mais pobres para os mais ricos chega ao fim com a crise do petróleo no Oriente Médio.

A alta do petróleo fez com que se diminuísse o consumo de veículos e de derivados do combustível. O Milagre tinha seu alicerce nas grandes montadoras de veículos, que além de serem o principal segmento industrial brasileiro da época, eram também onde se encontrava a maior parte da mão–de-obra urbana do Brasil. Quando a crise atinge esse setor o Milagre acaba, e todas as desigualdades e espoliações sociais, que estavam maquiadas, são reveladas. A crise gerada pelo fim do Milagre trás as massas de volta a cena, só que agora organizadas e independentes.

Surge em meados da década de 1970 o movimento sindical independente, liderado pelo torneiro mecânico Luis Inácio Lula da Silva, que dá início a uma nova era nas lutas sindicais brasileiras. Este novo segmento sindical não é atrelado ao Estado como eram os sindicatos pelegos criados na era Vargas. Por isso se mostrou forte e audacioso, desafiando o governo do general Geisel e a grande burguesia industrial brasileira. Este grupo de trabalhadores mobilizou a massa proletariada e organizou grandes movimentos de greve, em um momento histórico dos mais adversos para este tipo de manifestação. Pois os movimentos grevistas estavam proibidos, além disto, existia o perigo constante de ser preso e torturado. Mas as massas não tomaram conhecimento desta pressão e se fizeram notar, conseguiram parar a linha de montagem das maiores indústrias brasileiras da época forçando o governo militar negociar uma saída para aquela situação. Isto já era uma grande vitória, pois a ditadura militar resolvia qualquer questão social usando a força, a violência e o terror. Este movimento dos trabalhadores mostrou que era possível organizar as massas, resistir ao autoritarismo e revelar as elites que apesar de passar algum tempo inerte, a força popular não estava sob seu controle.

O grupo que iniciou este movimento fundou o Partido dos Trabalhadores, hoje um dos maiores partidos do Brasil, e o líder daquele movimento popular, Luis Inácio Lula da Silva, se tornou o nosso atual presidente, eleito por esse mesmo partido. Se não possuíssem força, as massas não teriam criado uma alternativa sindical independente, nunca levariam os militares para a mesa de negociação e muito menos poderiam participar do jogo político do país com tanta força. Estes acontecimentos só reforçaram o poder e a dinâmica dos movimentos populares brasileiros, que apesar de diminuídos e tratados como banditismo se mostraram fortes e renovados.

No final da década de 1970 começa ocorrer uma abertura política, que é marcada pela anistia de presos e exilados políticos do regime. A posse do ultimo presidente militar, o general Figueiredo, em 1979, da inicio a um período de transição de volta a democracia, que se completa em 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência.

Mas a década de 1980 não se resume a apenas um período de transição simples e tranqüilo. Neste Período houve grande mobilização das massas, a campanha de eleições diretas para presidente uniu vários segmentos sociais. Mas este movimento foi corrompido pelas elites, que passaram a usá-lo em seu beneficio, pois a ditadura já não atendia mais seus interesses. Então podemos dizer que a campanha “Diretas já” foi um movimento da elite, para a elite e por isso não alcançou o êxito esperado. Pois dentro das elites havia vários interesses diferentes em torno deste assunto. O que era certo é que as elites queriam o Estado de volta, não que em algum momento ele tenha deixado de ser delas, mas a presença dos militares era incomoda.

Com o fim da ditadura os movimentos sociais perdem o cunho ideológico, e ganham um perfil violento. Isto ocorre porque as desigualdades sociais são imensas, as massas famintas sem teto, sem terra, sem emprego, sem nada, são cada vez mais excluídas e oprimidas. A concentração de renda chega a níveis nunca experimentados antes, a sociedade de classes cria mais um segmento, o dos miseráveis. Dentro dessa perspectiva pessimista, ocorrem eleições diretas para presidente em 1989, depois de mais de duas décadas de espera e de lutas.

Nestas eleições velhos caciques políticos e antigos aliados da ditadura se candidatam a presidente, mas no final, dois candidatos chegam ao segundo turno, Fernando Collor e Luis Inácio Lula da Silva. O primeiro representando os interesses da elite e é apoiado pelos principais meios de comunicação da época, o segundo foi aquele que enfrentou a ditadura e conduziu as massas proletariadas de volta a cena política. Fica claro que Collor não era o candidato dos sonhos da elite, mas entre um homem que tem origem nas massas e poder de aglutiná-las, e outro que poderia ser facilmente cooptado e controlado, os poderosos não tinham dúvida e depositaram todas as suas esperanças de manterem o controle do Estado, em Collor.

Com o apoio dos poderosos, Collor se elege, mas logo nos primeiros meses de governo se mostra instável, a elite logo nota esse perfil do presidente e fica resguardada. Fernando Collor seguia uma política independe, isso o deixou isolado e sem apoio, como não conseguiu barganhar com a elite acabou sendo acusado de criar uma rede de corrupção. O pedido de impeachment de Collor foi levado ao congresso, mas a votação demorava, percebendo isso os poderosos usam o mesmo dispositivo manipulador que o elegeu para retirá-lo do poder, a mídia. Os meios de comunicação passam a provocar maciçamente uma reação da única força capaz de obrigar o congresso a apressar a votação do impeachment, as massas. Na campanha “Fora Collor”, no ano de 1992, as pessoas saíram às ruas pedindo a retirada do presidente, que renunciou ao cargo. Mas isso não o livrou da cassação, por afrontar a elite, Collor foi punido com oito anos de suspensão dos seus direitos políticos, e quase eliminado da política.

Em mais um fato histórico do país as massas estavam presentes e foram decisivas. E para aqueles que defendem a idéia de passividade das massas brasileiras, a queda de Collor foi sem dúvida uma mostra do poder transformador que possuem estes segmentos. E uma mobilização popular que se iniciou com o intuito de servir os interesses da elite ganhou independência e deu origem a outros movimentos sociais.



As massas e a luta total

As lutas sociais e a mobilização das massas nestes últimos anos, tanto no campo como nas cidades estão ligadas explosões momentâneas de violência. A população vai relevando sua condição miserável, até que um fato isolado detona uma revolta generalizada que marca mais pela violência do que propriamente pela reivindicação de uma condição de vida melhor. Isto acontece porque já não existem apenas reivindicações isoladas, a vida em sua totalidade precisa ser revista.

Com a eleição de Lula em 2002 criou-se uma perspectiva de mudanças, mas o modelo e a estrutura do Estado quase não mudaram, pois a política neoliberal estava entranhada nesta instituição. Nos últimos anos os protestos sociais continuaram ocorrendo, demonstrando que apesar de tudo, as massas continuam instáveis. Mas sua participação podia ser de uma maneira mais intensa, e de uma vez por todas provar que sua passividade é um mito ancestral, criado pela elite para diminuir o valor de suas participações históricas de protesto e conquistas.

Passeamos brevemente pela história recente do país, e em todas as fases a participação das massas é forte e transformadora. Desmontando o mito de que as massas não participam, e pior, não o fazem porque não querem. Mas mesmo sem perceber estes grupos sociais, todos os dias, ajudam a modelar a história do nosso país. Mostram-se extremamente participativos, organizados e ideológicos em alguns momentos, e em outros, desorganizados e levados pela emoção, mas uma coisa estes grupos não são: passivos, inertes e dominados.



REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA

MARX, Karl. Marx. São Paulo, Abril Cultural, 1978, Coleção Os Pensadores.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Miniaurélio Século XXI Escolar.Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 2001.
Autor: Mario Fernando Calheiros Barbosa de Souza


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