Arbitragem e a inclusão de convenção arbitral nos contratos sociais



A arbitragem é um instituto muito antigo, haja vista ter sido utilizada pelos povos passados como meio para a solução de litígios. Contudo, após a criação da figura do Estado, o processo arbitral caiu no ostracismo, visto que houve a centralização dos poderes por aquele. Não obstante, atualmente a arbitragem tem ganhado cada vez mais espaço, principalmente no ambiente empresarial e internacional. Isso se justifica pela globalização, a qual acarretou uma maior concorrência entre as nações e empresas, que demonstram seu poder mediante seu desenvolvimento econômico. Tal crescimento está diretamente ligado com a atividade de cada empresa, pois se desenvolve mais aquele que detém mais rápido seus recursos financeiros.
O mundo globalizado demanda por rápidas negociações e agilidade na resolução dos conflitos. É nesse cenário que a arbitragem aparece como uma vantagem. Vejamos, em seguida, os motivos que incentivaram a prática do processo arbitral.
A arbitragem é um instituto muito semelhante ao processo judicial. Seu conceito pode ser resumido como um caminho alternativo a fim de dirimir conflitos referentes a direitos patrimoniais disponíveis entre duas ou mais pessoas, as quais, por meio de uma convenção privada, atribuem o poder decisório a um terceiro (um árbitro ou um tribunal arbitral), o qual substitui o poder estatal, bem como se comprometem a cumprir a decisão final.
Desse modo, percebe-se que o objetivo do processo arbitral é o mesmo do processo judicial, qual seja, dirimir litígios. No entanto, a arbitragem possui características próprias, que incentivam sua escolha perante o Poder judiciário, o qual se encontra demasiadamente moroso.
A principal vantagem da arbitragem é sua celeridade, o que permite o alcance de decisões seguras e mais rápidas das emitidas pelo Poder Judiciário, o que também gera economia às partes. Isso porque o processo arbitral, além de resumir o processo de cognição, não permite a interposição de recurso. Não somente isso, os árbitros não estão adstritos aos horários dos cartórios e tribunais, devendo apenas respeitar o prazo máximo de seis meses ou outro estabelecido pelas partes para a entrega do laudo arbitral.
Ainda, a arbitragem tem característica de ser mais sigilosa do que o processo judicial, uma vez que o processo somente é público para as partes envolvidas, o que também vem de encontro com os anseios do mundo empresarial, pois as estratégicas mercadológicas ficam protegidas, já que não são publicadas.
Outra característica diz respeito aos árbitros, os quais são eleitos pelas próprias partes e não precisam ser formados em direito. Desse modo, pode-se escolher um árbitro que tenha conhecimentos sobre a matéria, objeto do litígio, o que gera maior segurança e confiança aos litigantes.
Por fim, destaca-se o baixo impacto de um processo arbitral na continuidade da relação entre as partes, pois estas constituem a arbitragem de forma voluntária.
Ademais, o processo arbitral é obrigado a respeitar os mesmos princípios e direitos dos processos judiciais, como a ampla defesa e o contraditório, igualdade entre as partes, imparcialidade dos juízos, no caso, dos árbitros, e livre convencimento destes.
Destarte, ao optar pelo instituto da arbitragem, se estará transferindo o poder jurisdicional, ou seja, o poder de decisão, do Poder Judiciário para o âmbito privado, instituindo-se o processo arbitral, o qual possui os mesmos princípios de um processo judicial.
Por todo o exposto, a arbitragem tem se demonstrado uma excelente escolha para as empresas, pois estas necessitam de rapidez em suas atividades, em razão do dinamismo do comércio, bem como podem se prevalecer do caráter sigiloso do processo arbitral, sem terem que publicar as estratégicas mercadológicas de seus empreendimentos, além de terem a opção de eleger um especialista no assunto para dirimir o conflito.
A fim de constituir o processo arbitral, as empresas possuem dois caminhos. O primeiro seria inserir em seu contrato/estatuto social uma cláusula arbitral. O segundo é a assinatura de um compromisso arbitral.
A cláusula arbitral, ou cláusula compromissória, consiste em um acordo inserido em um contrato principal, no caso de uma empresa pode ser incluído no contrato/estatuto social, pelo qual as partes se comprometem a instaurar um processo arbitral no surgimento de um litígio. Já o compromisso arbitral caracteriza-se por ser um documento apartado, pelo qual as partes se comprometem a se submeterem à arbitragem depois que o conflito já surgiu.
A convenção de arbitragem possui alguns requisitos para que possa ser considerada válida. Primeiramente, somente podem ser objeto do processo arbitral direitos patrimoniais disponíveis, os quais não comprometam a ordem pública. Explica-se que direitos patrimoniais são aqueles suscetíveis de apreciação econômica para fins de alienação por seu titular, ou seja, aqueles que possuem valor pecuniário. Já os direitos disponíveis são os que podem ser livremente exercidos, podendo ser negociados ou alienados, não havendo norma impositiva que exija o seu cumprimento. Em virtude disso, apenas pessoas capazes de contratar podem instituir uma convenção arbitral, pois possuem disponibilidade de seus direitos, bem como podem contrair obrigações. Destaca-se que, para que uma pessoa jurídica constitua uma convenção de arbitragem é exigida sua regular constituição, bem como a autorização de seus representantes para a utilização da arbitragem.
Outra condição para a validade de uma convenção arbitral é a livre manifestação de vontade das partes em constituírem a arbitragem, haja vista tal procedimento basear-se no princípio da autonomia da vontade. Desse modo, percebe-se a semelhança da convenção arbitral com o contrato previsto no código civil. Isso porque a manifestação de vontade é pressuposto da realização de um negócio jurídico, ou seja, é imprescindível o consentimento das partes.
Desse modo, para que haja vinculação das partes à instauração do processo arbitral, estas devem manifestar sua vontade de forma livre e espontânea, do contrário, a convenção se configurará nula. Contudo, destaca-se que a partir do momento que for assinada a convenção de arbitragem, as partes ficam obrigadas a instaurar o processo arbitral, tendo em vista que este segue o princípio do pacta sunt servanda, o qual estabelece a vinculação das partes ao contrato firmado. No entanto, não vinculam terceiros, os quais não manifestaram sua vontade em submeter o conflito ao processo arbitral.
Tal vinculação das partes à convenção arbitral dá ensejo ao efeito positivo de seu acordo, tendo em vista que há a obrigação da instauração do processo arbitral a fim de dirimir o conflito. Outro efeito é o negativo, o qual se constitui em razão de haver a subtração do poder decisório do Poder Judiciário, atribuindo-o ao juízo de natureza privada.
De tal modo, é de se ver que quando uma empresa firma uma convenção de arbitragem, todos os sócios se vinculam a ela, devendo instituir o Juízo Arbitral para dirimirem seus litígios.
INSERÇÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NO ESTATUTO SOCIAL DE UMA SOCIEDADE ANÔNIMA
Nesse contexto, surge um impasse com relação às sociedades anônimas. Tais empresas têm como característica a constante sucessão de contratantes, tendo em vista a cessão de ações. Em razão disso, questiona-se se há vinculação da convenção de arbitragem inserida no estatuto social da sociedade anônima, a todos os sócios, inclusive dos novos acionistas, os quais não participaram da assembléia de constituição da empresa, ou seja, não manifestaram sua vontade de submissão ao processo arbitral quando da negociação da referida convenção.
O grande problema enfrentado resume-se, então, à vinculação dos acionistas que não participaram da deliberação com relação à adoção da convenção de arbitragem, inserida no estatuto social da sociedade anônima. De tal modo, discute-se a possibilidade de aceitação tácita da convenção arbitral pelos referidos sócios.
Há dois posicionamentos relativos a tal impasse. Uma das correntes entende que deve ser previamente comunicado ao novo sócio sobre a existência da convenção de arbitragem no estatuto social da empresa e que ele deve manifestar seu consentimento específico em relação a ela. Um dos fundamentos defendidos por tal corrente é de que o ingresso em uma sociedade anônima implica na adesão do novo acionista ao contrato social. Portanto, verifica-se que há uma equiparação do estatuto social com um contrato de adesão, ou seja, o novo sócio teria que manifestar especificamente seu consentimento quanto à adoção da arbitragem. Outro argumento suscitado pelos defensores deste posicionamento é de que a convenção arbitral é um acordo personalíssimo, o que não permite sua transferência. Ainda há aqueles que explicam que a adoção da arbitragem tem que ser manifestada expressamente, por entenderem que há a abdicação do direito de acesso à justiça, descrito no artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal.
Corrente contrária a esta defende a vinculação automática dos novos acionistas ao ingressarem na sociedade. Entendem os defensores deste pensamento que, não obstante a convenção de arbitragem seja autônoma ao contrato no qual está inserido, ela faz parte de um contrato principal. Assim, como está disposto no artigo 287, do Código Civil, todas as características do contrato são transferidas para o cedente quando de sua cessão.
Sendo assim, explica-se que, como a convenção arbitral faz parte do corpo social da empresa, ela é transferida em conjunto com o estatuto da sociedade, sem a necessidade de haver o consentimento expresso do novo sócio em relação à adoção da arbitragem, pois já constitui manifestação de vontade o próprio ingresso na sociedade. Por isso, a compra da ação já caracteriza o consentimento do novo sócio.
Em contrapartida ao posicionamento contrário, esta corrente ainda explica que não há renúncia ao princípio do acesso à justiça, mas tão somente a subtração do poder de julgar do Poder Judiciário, atribuído então ao Juízo Arbitral. Não somente isso, o fundamento de tal posição é no sentido de que a arbitragem é uma faculdade e não uma obrigatoriedade. Tal impasse já foi inclusive objeto de discussão no Supremo Tribunal de Justiça, o qual entendeu pela constitucionalidade da Lei de Arbitragem, n° 9.307/96.
Quanto à alegação de que a convenção arbitral incluída no estatuto social seria um contrato de adesão, alguns autores esclarecem que a redação do § 3° ao artigo 109 da Lei das Sociedades Anônimas, a qual permitiu a inclusão da cláusula compromissória nos estatutos sociais, é enfática em afirmar que a inclusão de convenção arbitral no estatuto já é suficiente para a vinculação dos acionistas ao juízo arbitral quando do surgimento de uma controvérsia entre eles, ou entre eles e a sociedade, o que, para o autor, demonstra que a convenção de arbitragem não pode ser confundida com um contrato de adesão. Além disso, o conceito de contrato de adesão oferecido pelo Código de Defesa do Consumidor prevê a existência de relação entre fornecedor e consumidor, o que não se configura nas relações societárias. Isso porque o contrato de adesão tem por objetivo a proteção das partes hipossuficientes, o que não se observa no fato de um novo sócio ter ingressado em uma sociedade anônima por meio da compra de ações. Assim, a referida equiparação não seria possível.
Desse modo, verifica-se que para tal corrente, a convenção de arbitragem vincula todos os acionistas, signatários originários do contrato social ou não.
Após análise de ambas as correntes, percebe-se que a vinculação de todos os acionistas de uma sociedade anônima deve ser obrigatória a fim de dar efetividade à convenção arbitral, uma vez que se estaria afastando a validade da arbitragem caso somente sua instituição fosse indispensável a apenas alguns sócios. É de se ver que no caso do surgimento de uma controvérsia não seria lógico que alguns associados se valessem da arbitragem, enquanto outros recorressem ao Juízo Estatal, pois a arbitragem perderia suas características. Isso porque estaria atrelada a uma decisão judicial.
Assim, para um melhor desenvolvimento da arbitragem societária, conclui-se que os novos sócios, os quais adquiriram ações após a constituição do estatuto ou contrato social que contenha cláusula compromissória, se vinculam a ela sem a necessidade de consentimento expresso específico, sendo possível a aceitação de forma tácita da referida convenção arbitral.
INSERÇÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NO CONTRATO SOCIAL DE UMA SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
Conforme já mencionado, a arbitragem fundamenta-se no princípio da manifestação de vontade. Portanto, a fim de que os conflitos societários sejam submetidos ao processo arbitral, os sócios devem manifestar sua vontade de forma espontânea.
Em uma sociedade limitada, caso haja o interesse na solução de litígios perante o Juízo Arbitral, os sócios devem incluir no contrato social da empresa uma cláusula compromissória. Desse modo, no momento da constituição da sociedade, os sócios podem optar pela inclusão da referida cláusula.
Na hipótese de ingresso de novo sócio, cumpre ressaltar que no caso das sociedades limitadas, deve haver a alteração contratual. Assim, com a assinatura de tal alteração, o novo sócio manifesta sua vontade em adimplir todas as disposições do contrato social, inclusive no que se refere à cláusula arbitral.
Ocorre que, as sociedades limitadas encontravam um impasse quando optavam pela inserção de cláusula compromissória em momento posterior à constituição da empresa. Isso porque se questionava a oponibilidade da cláusula compromissória aos sócios, os quais eram contra tal admissão ou nem mesmo participaram da assembléia.
Atualmente, tal impasse já foi solucionado, tendo em vista que a própria lei prevê no artigo 1.072, § 5°, do Código Civil, que as deliberações sociais vinculam todos os sócios, mesmo aqueles ausentes e dissidentes, haja vista que o conteúdo do contrato social deve ser aplicado a todos os sócios de maneira igualitária.
Destarte, tendo havido quorum mínimo na deliberação referente à inserção da cláusula compromissória no contrato social, todos os sócios se vinculam a ela.
Embora a arbitragem ainda sofra preconceitos, cumpre ressaltar que suas características, principalmente a celeridade, também trazem vantagens à sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Um exemplo de tais benefícios pode ser verificado no caso de necessidade da exclusão de um sócio.
Até a entrada em vigor do Novo Código Civil de 2002, as sociedades limitadas eram reguladas pelo Decreto n° 3.708/1919, o qual era muito genérico, o que permitia aos sócios diversas condutas, que hoje são limitadas pelo Código.
Antigamente, era fácil a exclusão de um sócio minoritário sob a alegação de quebra de confiança, pois não havia norma alguma que dispunha sobre isso. Hoje, o Código Civil prevê as possibilidades de exclusão de um sócio, o que veio a proteger os sócios minoritários. Assim, pode haver exclusão quando o sócio for remisso, ou seja, quando não efetuar contribuição para a sociedade; por meio extrajudicial, mediante alteração contratual e existência de cláusula de exclusão de justa causa no contrato social; por meio judicial; e exclusão de pleno direito, quando o sócio for considerado falido.
De tal modo, no caso de ausência de cláusula de exclusão no contrato social, o afastamento de um sócio só pode ser feito de forma judicial. No entanto, a sociedade limitada pode optar pela submissão do conflito em razão da exclusão de um sócio ao processo arbitral.
Tendo em vista a morosidade que se encontra o Poder Judiciário, é interessante às sociedades limitadas escolherem pelo Juízo Arbitral, já que alcançariam uma decisão mais rapidamente, o que no caso da exclusão de um sócio, inadimplente ou que tenha incorrido em quebra de confiança, é muito vantajoso, já que se resolveria tal questão de maneira muito mais célere.
Outro problema enfrentado pelas sociedades limitadas é a onerosidade do processo arbitral. É de se ver que grande parte de tais sociedades constitui-se em microempresas e empresas de pequeno porte.
É verdade que o custo inicial de um processo arbitral não é barato. No entanto, tendo em vista sua celeridade, há uma economia por ser mais rápido do que o processo judicial. Sendo assim, embora tenha de se dispor de elevado valor no início da arbitragem, ela acaba por se tornar mais econômica em virtude de não se prolongar por décadas como ocorre na Justiça Comum.
Desse modo, verifica-se que a arbitragem tem se demonstrado uma vantagem para as empresas, inclusive para as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, microempresas e empresas de pequeno porte.


Flávia Muniz Félix é advogada do escritório Tedeschi & Padilha Advogados Associados, especializado em assessoria e consultoria jurídica empresarial preventiva.
Autor: Tedeschi & Padilha Advogados Associados


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