Diferentes e Vencedores



RAZÃO CONTÁBIL
DEZEMBRO DE 2005

Desempenho das empresas que negociam nos segmentos especiais da Bovespa chancela êxito do sistema

Valou o esforço. Resultados positivos premiaram neste ano as empresas que entra­ram em processo de mudan­ça, submetendo-se à auto-regulação e adotando as práticas da Governança Corporativa. Os dados da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) são elo­quentes: até 20 de novembro, o índice de Governança Corporativa (IGC) va­lorizara 34,1 %, superando o indicador principal da casa, o Ibovespa, que su­bira 18,7%. Embora reúna apenas um sexto das 382 companhias abertas lis­tadas na Bovespa, as empresas do IGC representam 65% do valor total de mercado e 45% do volume de negó­cios. Mais: até novembro oito empre­sas abriram capital e outras cinco se adaptaram às regras do Novo Merca­do, segmento composto atualmente por 18 participantes.

"Há sinais fortes de que o ingresso de uma companhia no Novo Merca­do permite-lhe formar preços melho­res das ações", afirma o estrategista chefe do Unibanco, Sérgio Goldman. Ele lembra que todos os estreantes em bol­sa deste ano escolheram o Novo Mer­cado ou no Nível 2 de Governança Corporativa como porta de entrada. "Esse tipo de oferta atrai mais investi­dores", complementa.

Para o especialista, é natural que o crescimento dos segmentos diferen­ciados se dê por meio de novas ofer­tas, pois também é natural a postura mais conservadora de companhias veteranas no mercado de capitais. "É um processo lento de migração, pois na maioria das vezes envolve a conversão das ações ordinárias em preferenciais", diz.

Embora trabalhe tanto para in­centivar ofertas iniciais de ações quanto para convencer companhias tradicionais a migrar, a Bovespa reconhece tal quadro. "As antigas ainda têm a maioria das ações prefe­renciais, o que torna mais difícil a conversão", diz Wang Horng, geren­te de desenvolvimento e relações com empresas. "Há casos em que isso re­presenta a perda do poder controla­dor, o que não é o interessante para a empresa", explica.

Mudança radical

Algumas companhias, no entan­to, deram esse passo. É o caso da Lo­jas Renner, que colocou 20,9 milhões de papéis ordinários, 6,25 milhões deles em oferta primária (emissão de novas ações) e 14,672 milhões em se­cundária, a um preço de R$ 37,00.

O resultado para o investidor foi uma valorização de 162,5% das ações até novembro passado. Dessa forma a tradicional marca nascida gaúcha en­tregou o controle ao mercado, trans­formando-se numa corporation, con­dição societária comum nos Estados Unidos que identifica companhias cujas ações estão pulverizadas, sem um acionista majoritário.

Para aderir ao Novo Mercado, a Renner converteu todas as suas ações preferenciais em ordinárias, agrupando-as na proporção de uma nova a cada 253 existentes, além de realizar oferta pública de venda na Bovespa. Estima-se que quase 80% do capital da empresa tenha ficado nas mãos dos investidores estrangei­ros e que a captação toda tenha ren­dido R$ 774 milhões.

Outro exemplo de mudança radi­cal foi o da Tractebel Energia, cujas ações começaram a ser negociadas no Novo Mercado no dia 16 de novem­bro passado. Todo um processo de adaptação precedeu — e ainda está em curso - para garantir o sucesso daquele ingresso. A oferta de ações envolveu 66 milhões de ordinárias de titulari­dade dos acionistas vendedores.

"Houve o avanço da visão e das práticas. Está claro que o mercado di­ferencia favoravelmente as empresas com os melhores padrões", destaca o sócio-diretor da RiskOffice, Carlos Antônio Rocca, autor de um diagnós­tico, elaborado em 2002, onde reco­mendou medidas para o desenvolvi­mento dos negócios. Esse diagnóstico resultou na elaboração do Plano Di­retor para o Mercado de Capitais.

Não se mede ainda influência no desempenho

Uma das recomendações de Roc­ca era sobre a necessidade de as em­presas desenvolverem as práticas de Governança Corporativa, no senti­do de dar transparência nos padrões de contabilidade e critérios de divul­gação de modo a assegurar amplo acesso dos investidores e demais agentes do mercado a todas as infor­mações relevantes para a correta ava­liação das expectativas de risco e re­torno das aplicações.

Rocca observa que há uma preocupação crescente das empresas com a gestão de ris­co. Outro avanço foi o aumen­to do número de ações com formadores de mercado, res­ponsáveis pelo aumento da negociação. "Apesar do núme­ro de companhias abertas ter reduzido, houve melhora na qualidade. Estamos subindo a um padrão mais elevado. Não é fácil ingressar no Novo Mer­cado", afirma.

Mais atrativo

"O fato é que as empresas, tanto as novas quanto as tradi­cionais, buscam melhorar as práticas numa tentativa de va­lorizar as ações", completa o analista da Geração Futuro Corretora, Mau­ro Giorgi. O comportamento do acio­nista majoritário é importante para o mercado. "A cotação passa a se aproxi­mar da realidade da empresa. O inves­tidor está mais maduro para analisar este tipo de situação. As companhias estão preocupadas com uma série de controles e isso abre caminho para o minoritário pedir que os princípios sejam mais claros", resume.

Os ganhos são para todos. "As empresas e os executivos estão tomando medidas na direção do coman­do e do acionista. A remuneração dos gestores e o nível de informação estão mais claros. As empresas que têm es­sas práticas acabam se diferenciando no mercado", acredita o diretor da Agora Sênior, Álvaro Bandeira. Na avaliação dele, o Novo Mercado e a Bovespa Mais, por reunirem as corpo­rações que oferecem melhor informa­ção ao público, definirão quem conse­guirá preços melhores para seus papéis. O Bovespa Mais é o segmento no qual atuarão as companhias que prepa­ram-se para participar do Novo Mer­cado às quais serão feitas menos exi­gências, numa primeira fase. "Os es­pecialistas deixam de se preocupar com números e passam a analisar me­lhor os ativos intangíveis como a go­vernança e a responsabilidade social. As empresas do mesmo setor com práticas diferentes terão preços dife­renciados", prevê.

Medir o quanto o mercado tem premiado as empresas com Gover­nança Corporativa é uma das dificuldades enfrentadas. Ou seja, não se sabe até onde o bom desempenho da empresa (ou de seu setor) no dia a dia dos negócios orienta o investi­dor e onde começa a influên­cia do fato de a empresa ter boa governança. "Tentamos, mas não conseguimos quantificar o peso da governança. Mas as práticas no Brasil são bem re­cebidas, pois alinham o inte­resse do minoritário com o da empresa e reduz o prejuízo", complementa Ricardo Cava­lheiro, estrategista da Santander Corretora.

No exterior, a governança tende a melhorar a atratividade do Brasil. "Há a maior conquista da confiança e melhora da percepção de risco. Existe uma pressão para a adoção das práticas e o reconhecimento de quem toma as medidas. Se duas empresas têm o mesmo valor, prefiro a com Governança Corporativa", diz Cavalheiro. Esse movimento se inten­sificou após o escândalo da Enron.

Cumprimento da lei

Na avaliação da Comissão de Va­lores Mobiliários (CVM), um dos prin­cipais passos dados pelo mercado nos últimos anos foi a busca pela auto-regulação, pois adotar voluntariamente regras de conduta faz mais efeito que seguir uma lei. "Ninguém é obrigado a adotar as regras do Novo Mercado. A auto-regulamentação é melhor que a lei. Esta última sempre corre o risco de não pegar, já a auto-regulamenta­ção faz com que ninguém seja obriga­do a fazer aquilo. As empresas aderem às normas porque desejam. As regras do jogo estão expostas", ressalta a che­fe do gabinete da presidência da CVM, Aline de Menezes Santos.

Nos anos de 2002 e 2003, a CVM se concentrou em melhorar a legislação ao mercado. Neste perío­do, o desempenho dos papéis foi ne­gativo devido a problemas, tanto in­ternacionais (os balanços maquiados da Enron e da Worldcomm), quan­to internos (a campanha eleitoral no Brasil). "Enquanto o mercado esta­va deprimido, a CVM se dedicou a melhorar a regulamentação. Foi um trabalho intenso de modernização do aparato e melhora dos regulamen­tos", observa Aline. O trabalho vi­sou o fomento da retomada do mer­cado e melhorar a governança. Os esforços foram concluídos no fim de 2003. O período foi de mudanças do mercado e resultou na queda da ve­locidade média do julgamento dos processos e na melhora do enforce­ment - garantia de respeito a leis e contratos pela eficaz operação de ór­gãos reguladores.

A credibilidade do órgão aumen­tou com as leis se fazendo cumprir mais rapidamente. Como nos recen­tes casos das decisões contra a Cosan e a Guararapes, ambas punidas com adiamento de oferta pública por que­bra do período de silêncio durante o processo. A lei é guiada pela instru­ção 400/03 da CVM, que trata da oferta pública primária. "É preciso que a empresa esteja atenta para o período de silêncio, onde não se pode divulgar algum fato que vá alterar o julgamen­to do investidor sobre a decisão, ou seja, esquentar a oferta", ressalta Ali­ne. Ela lembra que é necessário fazer valer a lei na prática. O investidor pre­cisa de tempo para analisar a oferta sem ser influenciado.

À espera dos institucionais

Fundos de pensão ainda mantêm distância da renda variável; empresas com boa governança podem atraí-los

A intensa movimentação que ocorre no mercado de capitais até agora não foi suficiente para estimular os investidores institucionais com maior poder de fogo do País, os fundos de pensão. Quando a Natura abriu o capital, por exemplo, conseguiu captar deles apenas R$ 15,1 milhões; a Cyrela, uma das últimas a se adaptar para ingressar no Novo Mercado, em uma oferta total que somou 22,4 milhões de ações, colocou 321,6 mil delas junto a fundos de pensão, enquanto pessoas físicas adquiriram 4,75 milhões e investidores estrangeiros 5,74 milhões.

Um dos problemas é que a maioria dos fundos de pensão opta por investir em ações pertencentes ao Ibovespa e isso já limita a compra. Outro, é que o processo de lançamento é muito rápido, menos de um mês - da inscrição na CVM à oferta. Somente os fundos mais estruturados têm agilidade para conseguir as análises e participar das operações. Além disso, as entidades de previdência complementar reclamam da falta de liquidez e alternativas do mercado para aplicações na renda variável. "A liquidez é pequena porque muitos fundos retêm o papel, ao mesmo tempo que reclamam da falta de liquidez", rebate o sócio-diretor da RiskOffice, Carlos Rocca.

Outra causa importante do afastamento dos fundos é a alta taxa de juros brasileira. "A baixa liquidez ainda é causada pelas questões macroeconômicas marcadas pelos altos juros, que desestimulam tais investimentos", diz a conselheira do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e vice-presidente de Finanças e Controle do Grupo Abril, Eliane Lustosa. Os fundos deixam os recursos apenas na renda fixa e obtêm o equilíbrio atuarial. "E uma posição confortável. A redução das taxas de juros deve permitir a busca por alternativas para a diversificação do portfólio", aguarda.

Para 2006, a perspectiva é de continuidade da redução da Selic para 15,5% ao ano. "O Brasil está condenado ao crescimento com a inflação em queda e juros controlados. Estou otimista com a Bolsa de Valores no próximo ano", resume o coordenador de investimento da Associação Brasileira das En-tidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Manuel Cordeiro. "A palavra chave é alongamento. Obter 12% em 20 anos é melhor que 20% em dois anos", recomenda.

Segundo Rocca, à medida que os juros caírem e houver redução da relação dívida pública/PIB, as instituições passarão a alocar recursos nos papéis de dívida do setor privado. Além da renda fixa, os fundos começam a olhar as ações de empresas que fazem parte dos segmentos diferenciados da Bovespa -Novo Mercado, Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa, por oferecerem maior proteção ao investidor e transparência na divulgação de informações. "A questão é que ainda existem poucas empresas", lamenta o diretor da Previma (Sociedade de Previdência das Instituições do Mercado), Antônio Jorge Vasconcelos.

Os próprios fundos, contudo, podem virar esse rumo. No mês passado, o Previ - dos funcionários do Banco do Brasil e o maior do País e da América Latina, com R$ 70 bilhões em ativos - começou um trabalho de conven-cimento com 30 das empresas nas quais investe. Em um comunicado, afirma que "privilegiará participações em companhias que adotem os mecanismos oferecidos pela Bovespa." Ou seja, que migrem para os segmentos diferenciados.

O Petros, dos funcionários da Petrobras, cujos investimentos em renda variável somam 25% da carteira total, vai na mesma direção. As companhias que receberam seus investimentos terão de adotar algumas práticas de governança e de responsabilidade social para não saírem da carteira. "Estamos trabalhando para que as empresas se comprometam a atingir padrões diferenciados de governança. É fundamental, mas isso não significa que só investiremos em papéis do IGC", explica o diretor de investimentos da Petros, Ricardo Malavasi. Entre boa liquidez e boa governança, o fundo escolhe a segunda, assegura o executivo. "Estamos dando o recado. Só ficaremos com companhias de boas práticas de gestão e responsabilidade social. Não respeitar o minoritário pode gerar um prejuízo maior que a baixa liquidez. Prefiro ações de companhias com comprometimento que reduzem os riscos", destaca.

Eliane Lustosa observa que, com as experiências passadas, os fundos aprenderam na pele a importância da governança. "Perceberam que sem uma postura mais ativa acabariam perdendo", diz.
Autor: Assessoria de Imprensa Web


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