Reflexão sobre o duplipensar moral onívoro



Israel, século 8 A.E.C.; Roma, século 1 A.E.C.; Arábia, século 6; Brasil, século 17. Escravos... Sendo de etnia ou nacionalidade dominada, eram tratados como propriedades. Sua existência era praticamente atrelada a seus senhores ou “donos”. Eram obrigados a lhes prover mão-de-obra, recebendo durante a vida apenas alimentação e algumas roupas em troca. Como eram propriedades, seus senhores se viam livres para lhes causar violências diversas, que variavam de acordo com o país e época: marcação a ferro quente, gritos de ordem, espancamentos no caso de demonstração de rebeldia. A liberdade era palavra proibida. Não viviam mais como fins em si mesmos, por suas necessidades, anseios, prazeres e interesses próprios, mas estritamente para os interesses do senhor que os tinha como propriedade. Eram seres dotados de sentimentos, desejos, anseios e capacidade de sofrer, mas seus “donos” não se importavam com isso.

Qualquer lugar do mundo, século 21. Animais rurais... Sendo de espécie dominada, são tratados como propriedades. Sua existência é. na prática, atrelada a seus senhores ou “donos”. São obrigados a lhes fornecer matéria-prima, recebendo durante a vida apenas alimentação em troca. Como são propriedades, seus senhores se veem livres para lhes causar violências diversas: marcação a ferro quente, fustigações como ordens, espancamentos no caso de demonstração de rebeldia. A liberdade é palavra proibida, um absurdo aos olhos da espécie dominante. Não vivem como fins em si mesmos, por suas necessidades, anseios, prazeres e interesses próprios, mas estritamente para os interesses do senhor que os tem como propriedade. São seres dotados de sentimentos, desejos, anseios e capacidade de sofrer, mas seus “donos” não se importam com isso.

Apesar de tantas semelhanças, enquanto a realidade descrita no primeiro parágrafo desta reflexão é hoje algo visto como abominável, desejando-se que nunca mais se repita, a do segundo parágrafo é largamente consentido, aceito e até defendido hoje em dia sem nenhum pudor ou peso na consciência. É aceitável ainda hoje que os animais sejam tratados da mesma forma que os escravos de antigamente, em nome da nossa alimentação e de outros interesses materiais humanos.

Convido você a refletir: por que isso acontece hoje? Por que, em nome de necessidades já ultrapassadas, ainda nos vemos autorizados a negar qualquer traço de respeito, empatia e compaixão às mais diversas espécies de animais rurais ou aquáticos? Por que, enquanto reprovamos o cárcere e assassinato de humanos, aprovamos o cárcere e assassinato de animais? Por que nossa moral proíbe que usemos, confinemos e matemos seres humanos para nossos interesses mas nos deixa livre para usar, confinar e matar animais de acordo com nossa vontade e conveniência? Por que dois pesos e duas medidas?

Será que vale mesmo que, em nome de nosso paladar, vejamos e tratemos bilhões de animais sem nenhum respeito ou empatia, nos arroguemos no direito de lhes cercear a liberdade e impor um sentido da vida baseado na exploração? Por que resistimos a admitir e aceitar que podemos mudar, nos libertar do duplipensar ético e passar a nos alimentar eticamente, sem sermos cúmplices da crueldade dos pastos, confinamentos e matadouros?

Costumamos ser (ou dizer ser) bons e generosos com o nosso próximo humano. Mas, com os animais rurais que abatemos ou exploramos e os aquáticos que levamos da água para a morte, não estamos sendo nada bons quando optamos por continuar comendo suas carnes e ovos e bebendo seus leites, quando pagamos para que continuem matando-os e roubando-lhes suas secreções alimentares. Enquanto repudiamos os costumes escravocratas dos senhores de escravos do passado, damos apoio aos costumes zooescravocratas dos senhores de animais do presente. Enquanto defendemos e contemplamos os direitos humanos e esperamos para o futuro o fim dos abusos contra mulheres e homens, ignoramos ou negamos os direitos animais e aceitamos para o mesmo futuro a continuidade de todos os abusos e violações éticas do sistema pecuário e pesqueiro. Isso de certa forma nos torna amorais, distantes da nossa autocontemplação como seres morais.

Um argumento comum para aceitarmos a exploração e matança de bichos no meio rural é que nós somos onívoros por natureza e só a pecuária e a pesca em grande escala podem fornecer alimentos para uma parcela mais larga da humanidade. De fato o onivorismo foi a única opção alimentar conveniente para o ser humano por muito tempo, quando ele não tinha conhecimentos avançados de nutrição nem acesso a uma diversidade suficiente de vegetais cultivados em sua região de morada. Mas hoje é diferente: ao contrário dessa época, temos hoje capacidade mais que suficiente para, sem nenhum ônus nutricional, substituir alimentos de origem animal e nos libertar da característica onívora que acompanhou nossa evolução biológica e neurológica por milênios. Assim sendo, a desculpa do determinismo biológico já não serve como antigamente.

Depois de defender acima por que a pecuária e a pesca não são eticamente convenientes e são dispensáveis graças à existência de alternativa alimentar ética válida, apresento a você duas pílulas.

Tomando a pílula vermelha (cor do sangue derramado em abatedouros), você ignorará que seu paladar está, independente de quanto você diz respeitar a ética e gostar de animais, implicando aprisionamento, exploração, sofrimento e morte violenta para um sem-número de animais que poderiam estar sendo poupados de nascer para uma vida miserável e sofrida. Viverá ignorando o sangue e a dor que são o custo de uma alimentação onívora.

Tomando a pílula verde (cor da exuberância vegetal), estará optando por aceitar que uma vida livre de implicações cruéis a outras vidas sencientes é possível. Viverá em comunhão com os direitos de seus irmãos de vida. Passará a ver os animais como seres que possuem tanto direito a viver e ser livres quanto nós. Não estará mais incidindo em evidentes contradições éticas.

A escolha é sua. Saiba melhor sobre o que o vegetarianismo oferece de melhor em ética, saúde e culinária e, em seguida, tome sua decisão.
Autor: Robson Fernando


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