O fim da era CDI



REVISTA INVESTIDOR INSTITUCIONAL RISKOFFICE
JULHO DE 2007

Com a Selic em baixa e a inflação sob controle, taxa DI começa a perder espaço, apos três décadas de reinado, como referenda para as aplicações financeiras feitas no País

Taxa básica de juro (Selic) em queda, inflação sob controle, País as vésperas de receber o tão sonhado investment grade... O cenário econômico brasileiro nunca se mostrou tão propício para o investimento em mercado de capitais como agora. A nova fase pode ser considerada, sem dúvida, um divisor de águas. E é sob este pano de fundo que se desenrola uma outra revolução, silenciosa, no mer­cado doméstico: o fim da era CDI (Certificado de Depósito Interbancário). Ao longo de duas décadas, o CDI, título emitido pelos bancos e que acompanha a Selic, reinou absoluto como referenda para o custo do dinheiro. Aos poucos, porém, o indicador começa a perder espaço - e importância - como parâmetro para as aplicações financeiras.

Um dos principais indícios desse movimento é constatado, por exemplo, na mudança da composição da dívida pública federal. Há dois anos, praticamente 60% dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional estavam atrelados a Selic. Hoje, a parcela prefixada responde pela maior parte do endividamento (37,26%, em abril) ante os 36,53% dos títulos pós-fixados. "O CDI terá uma sobrevida enquanto a Selic ainda estiver em um nível alto, se comparada aos padrões internacionais", aposta Alexan­dre Zakia, superintendente de produtos de investimento do banco Itaú. "No entanto, quando a taxa de juro baixar para um patamar de 5% ao ano, a tendência é que o CDI desapareça."

Espécie de clone do overnight, surgido em meados da década de 1980, o CDI tem suas raízes fincadas na cultura inflacionaria brasileira. Um rendimento anual de 30% poderia significar, duas décadas atrás, um belo prejuízo caso a inflação do período fosse de, por exem­plo, 50%. Dai a necessidade de se ter um parâmetro para medir a remuneração do investimen­to como o CDI, cuja variação e diária. Até mesmo fundos multimercados que possuíam boa parte da carteira alocada em renda variável costumavam ter como benchmark o CDI. A comparação era valida porque, na cabeça do investidor, essa era a taxa mínima de retorno que ele estava disposto a aceitar para sair do porto seguro da renda fixa e assumir os riscos da renda variável. "Em muitas ocasiões, o CDI era uma meta difícil de ser batida, inclusi­ve, por esses gestores de renda variável", recorda Andre Segadilha, gerente responsável pela área de análise do Banco Prosper.

É certo que, atualmente, o dragão da inflação está sob controle. Mas seu domínio pelo governo veio acompanhado de uma taxa de juro alta e flutuante. Por isso, o vício inflacionário de indexar o retorno das aplicações permanece até os dias de hoje. Esse poder ostentado pelo CDI em balizar os investimentos no País, entretanto, começa a dar sinais de enfraquecimento. E um dos sintomas mais visíveis pode ser conferido na própria linguagem adotada pelo mercado. "Aquele hábito de medir a rentabilidade de um fundo pelo percentual do CDI tende a ser abandonado" observa Julio Cesar Martins, diretor do Prosper. "As conversas com os investidores estão tomando outro rumo." Em relação a renda fixa, esse novo rumo passa, segundo Martins, por uma busca de rentabilidade atrelada ao juro propriamente dito (prêmio) de um título, não mais ao indexador. "Estamos vivendo o inicio de uma grande mudança", relata.

Ao olhar mais para o prêmio do que para o indexador, os investidores brasileiros se movimentam em direção a um estágio ainda mais avançado de avaliação de performance: a análise em termos de retorno absoluto. A exemplo do "total return" americano, a rentabilidade das aplicações em renda fixa passará a ser medida pelo que ela realmente é — a diferença entre o montante final e o valor inicialmente investido num determinado período, e não mais o retorno sobre o que exceder o CDI. Essa é, aliás, uma medida muito utilizada pelos investidores de ações (composta pela variação do preço do papel e pelos dividendos distribuídos) para apurar a real criação de valor.

A provável mudança de um padrão CDI para o de retorno total não exclui, entretanto, a utilização de indicadores para a avaliação dos investimentos (incluindo a própria taxa DI). O que está, realmente, com os dias contados é a predominância do CDI como referenda geral do mercado financeiro brasileiro. Fernando Lovisotto, sócio da consultoria RiskOffice*, lembra que, antes de 2000, só existiam dois benchmarks: CDI e Ibovespa (Índice Bovespa). À medida que o mercado foi cres­cendo e se sofisticando, esse número, obviamente, passou a ser insuficiente. Hoje, existe uma gama variada de índices, tanto para a renda fixa quanto para a renda variável. O Índice de Renda Fixa de Mer­cado (IRF-M), por exemplo, foi criado como uma alternativa ao CDI para a avaliação de performance dos investimentos em papéis prefixados. De fato, como o investimento em título pós-fixado tem lógica inversa a da aplicação em prefixado, a evolução da taxa DI acabava por não captar a rentabilidade dos papéis prefixa­dos num cenário de juro básico decrescente. "Dos 130 fundos de pensão que acompanhamos, 20 trocaram o CDI por outro benchmark" conta Lovisotto.

Migração - As consecutivas quedas da taxa Selic tem estimulado tanto inves­tidores individuais quanto institucionais a procurarem outros ativos, especialmente

aqueles de maior risco, para engordar a rentabilidade das aplicações. E a migração desses investidores é outro fenômeno que vem ajudando a destituir o CDI de seu trono. Para se ter idéia, os fundos referenciados DI acumulam, no ano (até 30 de maio), saques num total de R$ 8,37 milhões, enquanto os multimercados com renda variável registraram ingresso de R$ 23 milhões no mesmo período, de acordo com levantamento da Associação Nacional dos Bancos de Investimen­to (Anbid). É natural, portanto, que o investidor também mude de parâmetro se quiser comparar o rendimento de sua carteira de maneira mais adequada. "Mas é preciso lembrar que muitas pessoas que estão chegando somente agora na indústria de fundos tendem a começar pelos produtos mais conservadores. Para esses novatos, o CDI deve continuar servindo como referenda", pondera Marcelo Giufrida, vice-presidente do BNP Paribas Asset Management. Giufrida não acredita que o CDI sofrerá um corte cirúrgico no curto prazo. Mas ele ressalta que, as vezes, a velocidade do mercado costuma surpreender. "Até outro dia, quem diria que fosse possível haver dívida pública atrelada ao dólar?" comenta.

No caso dos fundos de pensão, além da maior participação em renda variável (como os investimentos em ações e pri­vate equity), as instituições têm procurado, na renda fixa, comprar papéis atrelados a índices de preço. A demanda é tanta que o Tesouro Nacional tem intensificado as colocações de NTN-B. No último leilão de maio, foi elevado para três mi­lhoes o total de papéis ofertados - o dobro da quantidade emitida no início daquele mesmo mês. A procura permaneceu tão aquecida que, no curto espaço de tempo entre as duas emissões, o prêmio pago caiu significativamente. De acordo com dados da Associação Nacio­nal das Instituições do Mercado Financeiro (Andima), as taxas médias dos papéis com vencimento para 2024, 2035 e 2045 ficaram, no ultimo leilão de maio, em 5,86%, 5,84% e 5,82%, respectivamente, contra 6,25%, 6,2% e 6,18% da oferta imediatamente anterior.

As fundações que ficaram atentas ao cenário econômico que estava sendo desenhado e, há cerca de dois anos, procuraram diversificar seus investimentos em renda fixa, comprando títulos atrelados a inflação e alongando os ativos em carteira, se deram bem. De lá para cá, os prêmios caíram bastante e está se tornando cada vez mais difícil alcançar a meta atuarial. "Não existe mais nada sem risco que ofereça o rendimento de um índice de inflação mais 6%”, afirma Lovisotto, da RiskOffice. Na opinião do especialista, se as fundações costumavam destinar 30% de seus recursos para a compra de títulos atrelados ao CDI, essa proporção tende a diminuir para algo entre 5% e 10% - hoje, a média é de 11,73%. A diferença tende a ser destinada para fundos multimercados, de private equity e de direitos creditórios (Fides). "Acabou a mamata.”

*A RiskOffice é dirigida também por Marcelo Rabbat, consultor de investimentos especializado em gestão de risco de crédito e de mercado.
Autor: Assessoria de Imprensa Web


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