Formação De Professores: Entre Piadas E Verdades



Wilson Correia 

Na atualidade brasileira, a formação de professores centra-se nos cursos Normal Superior e no de Pedagogia. O primeiro tem carga horária menor e enfoca a formação para o magistério. O segundo, além de formar para a prática pedagógica, também prepara os estudantes para exercerem atividades de coordenação e orientação.

Criado pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96), a existência desse curso mais curto nomeado Normal Superior tem sido questionada, pois há entendimentos que sustentam haver superposição de finalidades e objetivos entre ele e a Pedagogia.

À parte essa discussão, enfoco aqui alguns aspectos da formação docente. Não sei se os movimentos sociais e a sociedade civil estão realmente cientes do que se passa nesse campo. Também não sei se, cientes, acompanham de perto o trabalho que é feito nessa área pelas instituições formadoras.

Dada a importância do assunto, parece não ser de bom tom acatar com hipocrisia certas ocorrências no setor, mas admiti-las, com humildade e realismo. Se possível, analisá-las a contento.

Por conta de uma série de problemas inerentes ao magistério e advindas do modelo societário com o qual estamos formatando o Brasil, fundado na idéia geral de que dinheiro é que é poder, há uma ostensiva desvalorização dos professores e das professoras porque eles são intrinsecamente ligados ao saber e ao conhecimento.

As piadinhas depreciativas sobre a condição sócio-econômica e sobre o status e a cidadania do professor e da professora revelam essa tendência, além de evidenciarem que a saída pela comédia esconde uma possível tragédia. Aliás, não é sem motivo que essas duas manifestações humanas caminham de mãos dadas, vindo a incidir sobre os cursos Normal Superior e Pedagogia.

A gravidade dessa questão é encoberta por operações ideológicas e práticas, entre elas o chiste, pois, no fundo, a verdade é esta: esses cursos formam os profissionais que formam nossos filhos. Se assim é, quando ri do professor, é do formador do próprio filho que o cidadão está rindo. Ao depreciar a professora, é a nossa própria formação que estamos depreciando.

Isso provoca um efeito colateral imediato: quando os estudantes dão início à própria formação escolar, quem tem condições de propor relações construtivas na escola, fundadas no respeito mútuo, na cooperação, solidariedade e envolvimento para a formação comum? Se a criança já entra para a escola tendo aprendido a troçar dos professores, como propor a ela atitudes de comprometimento e consideração?

À primeira vista, parece faltar-nos a noção de que a educação é um bem comum a cargo da sociedade e do Estado, ainda que o atual estágio de rearranjo capitalista insista em colocá-la apenas nas mãos particulares do cidadão e do estudante. Se a educação escolar integra aquilo que em uma percepção republicana se associa à coisa pública, só excepcionalmente a educação escolar pode ser concedida como serviço que a iniciativa privada também pode oferecer à sociedade. Essa idéia está sendo sistematicamente preterida em benefício da concepção de educação como mercadoria, nem mais um objeto ela é, desvinculada que está de seus valores reais e de seus significados sociais mais destacados.

Claro: isso abre caminho para que o capital explore a educação de um modo muito parecido à maneira como um supermercado atua no âmbito do comércio, fazendo surgir a mercoescola e a mercouniversidade, de um lado, e o cliente empoderado pelo pagamento de mensalidades, de outro. Nesse esquema, queiramos ou não, prevalece a sanha pelo lucro, o qual tem de ser sempre máximo e alimentar a lógica da acumulação do sistema pela via do consumismo e da satisfação de necessidades artificiais. As necessidades reais de letramento, o qual implica o uso significativo do atos de contar, ler, escrever e debater, vão para um lugar de somenos.

Em nome do lucro, então, a contratação de professores devidamente qualificados para formar os formadores de nossos filhos cai na esfera do impedimento. Boas bibliotecas? Como, se o que vale é engordar o caixa da instituição? Ter boa infra-estrutura? Para que, se Normal Superior e Pedagogia podem muito bem ser ministrados com a tradicional saliva e seu irmão gêmeo, o giz? Investir em pesquisa, em produção acadêmica e em divulgação e eventos científicos? Não, não... isso cabe ao Estado. Implementar programas robustos de intervenção social por meio da extensão? De modo algum, pois isso demanda "custos", exatamente o que se deve cortar porque o objetivo é ganhar dinheiro.

Como fica patente, uma coisa leva à outra: a valorização do lucro e a centralidade atribuída ao dinheiro desqualificam a formação docente e seu exercício, levando-os ao descrédito social. O círculo vicioso se instala e acaba vitimando os professores, mas não só eles: é a sociedade inteira que, no médio e longo prazos, sentirá os prejuízos desse tipo de coisa, além de ter de dormir com o barulho do darwinismo social do todos contra todos – a menos que ela acorde e passe a exigir formação digna para aqueles que terão nossos filhos em suas mãos.


Autor: Wilson Correia


Artigos Relacionados


Para O Dia Das MÃes - Ser MÃe

Educação Física Escolar

Educação Física E Qualidade De Vida

Psicologia E Educação

A Ética Docente Como Influência No Ensino – Aprendizagem De Crianças Nos Anos Iniciais Do Ensino Fundamental

O Lúdico Como Forma De Ensino Em Matemática

Resumo Histórico Sobre Os Médicos Sem Fronteiras