Onde recolher o ISS, na sede da empresa ou no local da prestação de serviços? O problema no critério espacial do ISS



Robson Ochiai Padilha

Sumário: 1 A regra matriz de incidência tributária. 2. Os conflitos no critério espacial do ISS. 3. Conclusão

1. A regra matriz de incidência tributária do ISS

O sistema tributário nacional recebeu rigoroso tratamento constitucional, pois restaram claramente definidos os campos materiais de incidência dos impostos. Quanto ao ISS, em tudo de aplica esse entendimento, razão pela qual deve se analisar o tributo em questão à luz dos mandamentos constitucionais.
O artigo 156, III da CF, estabelece que os Municípios possam instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza. Vê-se que o ISS é um imposto sobre serviços, porém, o problema reside no fato de que serviço, assim como uma enorme gama de palavras contidas na CF, possui tanto significado vulgar como técnico. Por esse motivo, se justifica a análise dessa expressão de conteúdo jurídico central para o tributo, bem como dos demais critérios da regra de incidência. Nesse ponto, traz-se à colação as indispensáveis lições de PAULO DE BARROS CARVALHO:

O antecedente das normas representará, invariavelmente: 1) uma previsão hipotética, relacionando as notas que o acontecimento social há de ter, para ser considerado fato jurídico; ou 2) a realização efetiva e concreta de um sucesso que, por ser relatado em linguagem própria, passa a configurar o fato na sua feição enunciativa peculiar. Lá, na norma geral e abstrata, um enunciado conotativo; aqui, na norma individual e concreta, um enunciado denotativo. Ambos com a prescritividade inerente à norma jurídica.

No antecedente da norma jurídica encontram-se os critérios da hipótese de incidência , são eles: a) o critério material, b) o critério espacial e c) o critério temporal.
O critério material faz referência a um comportamento de pessoas que encerram em um fazer, um dar, ou um ser. Na norma jurídica tributária comumente encontraremos o critério material da hipótese de incidência ao individualizarmos o verbo da situação indutora do pagamento do tributo, assim temos as expressões, v.g., vender mercadorias, importar mercadorias e prestar serviço. Portanto, o critério material da hipótese abarca uma ação ou condição, quer sejam de pessoa físicas ou jurídicas. Tais verbos serão acompanhados de complementos, os quais auxiliam na identificação do critério material.
Mas, o comportamento do contribuinte (verbo + complemento) será também definido segundo espaço e tempo, o que origina os dois outros critérios da hipótese.
O critério espacial está relacionado com a localidade em que o fato deve ocorrer. Isto é, reúne as indicações do antecedente que aponta o local em que deverá ter ocorrer o fato jurídico tributário, para que se dê a incidência e a subsunção. Outrossim, possibilita o reconhecimento da condição que marca, no espaço, o acontecimento fático, em determinado território.
O critério temporal permite a identificação da coordenada que limita no tempo a ocorrência do fato jurídico. Corresponde às indicações do descritor normativo que ocorre no momento exato em que se considera ocorrido o fato jurídico, por meio da subsunção.
O lapso temporal indica com exatidão em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que une devedor e credor. MARY ELBE QUEIROZ destaca que no critério temporal, os princípios constitucionais da anterioridade e irretroatividade ganham relevo, com o fim de assegurar que o lançamento reporte-se sempre ao tempo da hipótese de incidência.
Nesse sentido, vale lembrar que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, tais garantias que limitam a eficácia da norma no tempo e estão previstas no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Conclui-se, como eficaz, e, portanto aplicável, somente a lei de seu tempo.
Como já verificado o critério material somente pode ser definido como um comportamento humano representado por meio de um verbo pessoal transitivo. Mas, prestar serviço não basta para preenchimento da hipótese de incidência. O serviço deve envolver obtenção de riqueza pelo prestador, ou seja, remuneração pelo trabalho realizado para uma terceira pessoa.
Não há incidência de ISS, por exemplo, em serviços prestados sem obtenção de receita (serviço gratuito), ou mesmo realizados em benefício próprio (reforma na sede própria). Outro obste ao campo de incidência do ISS é a prestação de serviços obrigatórios, tais como: serviço militar, serviço eleitoral, serviços indenizatórios, que possuem também a característica de ausência de remuneração.
MARCELO BAPTISTA comenta que parte da doutrina sustenta a incidência do ISS no ato de contratação do serviço, e não propriamente na execução do serviço. A matéria é por demais relevante, na medida em que modifica o critério material do tributo. Todavia, esse entendimento não parece ter assento constitucional, visto que o serviço futuro, por exemplo, não coincidiria com o momento da contratação. Também há problema nessa conceituação quanto aos serviços de obrigações omissivas: “não fazer” e “não dar”.
Entretanto, a palavra “serviços”, constante do artigo 156, III, da CF, afasta o problema de obrigações omissivas, pois a idéia de prestação é incompatível com a idéia de deixar fazer ou de dar. Prestar demanda uma ação positiva, em alguns casos até pró-ativa do prestador.
Como desdobramento da distinção fundamental entre prestações de dar e de fazer, surge à necessidade de admitir que um esforço humano, no contexto de uma relação jurídica contratual, não assegura ao intérprete, por si só, tratar-se de uma prestação de fazer, e ainda tributável pelo ISS. Nesse contexto o contrato ganha especial relevo, pois a investigação da expressão de vontade pode revelar qual o objeto do acordo.
Sempre que intérprete conhecer o fim do contrato (prestação fim) saberá que todos os demais atos relacionados a tal comportamento são apenas “prestações meios” da sua realização. Em outras palavras, incide o ISS no momento em que se faz (finaliza) o serviço.
O serviço pode ser realizado ainda que não haja concretamente algo a ser entregue. O ISS incide mesmo quando o serviço é puramente intelectual. Por exemplo, serviços de pessoas com poderes extra-sensoriais (pensamentos positivos).

2. Os conflitos no critério espacial do ISS

O critério espacial ganha destaque no ISS comporta duas interpretações a primeira de que a importa para a concretização do fato imponível o local em que o serviço é prestado, e a segunda interpretação defendida pela maioria dos fiscos municipais, a de que importa a sede da prestadora de serviço em determinados em algumas atividades.
Somente uma interpretação está correta, e por conseqüência somente se verifica o recolhimento do ISS a um Município.
Interessante notar que tais discussões convergem para o ponto crucial de repartição de competência dos Municípios. Mas, cabe indagar a origem desse dúvida hermenêutica. Sendo oportuno, partir a presente analise das disposições do Decreto-Lei n° 406/1968, que antecedeu a atual norma em vigor Lei Complementar nº 116/2003.
Consoante, previsto no artigo 12 do dito Decreto, recolhe-se o ISS no estabelecimento do prestador do serviço (sede da empresa), o que implica dizer que o imposto dever ser pago ao Município onde está localizado o prestador. A única exceção a essa regra era aplicada nos serviços de construção civil, para os quais o recolhimento do imposto deve ocorrer no local em que se executa o serviço, ou seja, local da obra.
Durante aproximadamente duas décadas o critério espacial previsto no Decreto não causou grande polêmica, porém com a promulgação da Constituição Federal de 1988, nova interpretação passou a ser dada ao tema. Dentre alguns doutrinadores, ROQUE ANTONIO CARRAZZA passou a defender que o Município competente para cobrar o ISS era aquele em que fora realizado o serviço, sendo este de engenharia civil ou não:


O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é sempre devido (e não é só no caso de construção civil) no Município onde o serviço é positivamente prestado. É nesse Município, também, que devem ser cumpridos, pelo contribuinte, ou por terceiros a ele relacionados, os deveres instrumentais tributários.


Portanto, importa para a materialidade do ISS o local em que o serviço é prestado, de modo a afastar a regra prevista no artigo 12, alínea “a” do Decreto-Lei n° 406/1968. Sugere-se, então, que o recolhimento do ISS observa o local do serviço, em detrimento da regra que estipula como competente o estabelecimento do prestador do serviço, consoante se extrai da regra matriz constitucional de incidência.
Tal entendimento acerca do critério espacial ganhou força. A ponto dessa tese prevaleceu perante o Superior Tribunal de Justiça:

Para fins de incidência do ISS – Imposto Sobre Serviços, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea ‘a’ do Decreto-Lei n.º 406/68.


Devido ao evidente ambiente de insegurança jurídica, até porque os fiscos municipais continuavam tributando o ISS com base na sede da empresa. Em 2003, editou a Lei Complementar de nº 116, a qual viria pacificar o conflito de interesses.
Todavia, tal esforço não se traduziu em franca conformidade constitucional, já que a Lei Complementar n° 116/2003 adotou um sistema misto para incidência do ISS, conforme dicção do artigo 3º: “O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:”
Com efeito, o problema do critério espacial persiste, a exemplo do que fora exposto alhures acerca do artigo 12, alínea “a” do Decreto-Lei n° 406/1968, pois não foi observada pelo legislador a regra matriz de incidência extraída da Constituição Federal, é como entende ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA:


Temos que a lei complementar nacional não pode definir local, para fins de ISS, alterando critérios constitucionais. Como vimos, a Constituição traçou a regra de todos os tributos. Esta regra matriz – que vincula o Poder Legislativo das várias pessoas políticas – indica, dentre outras coisas, o aspecto espacial possível da hipótese de incidência de cada exação (ou seja, os limites do aspecto espacial da hipótese dos tributos).
O postulado vale também para o ISS. De acordo com a Constituição, este imposto só pode alcançar os serviços de qualquer natureza (exceto os referidos no art. 155, II, da CF) prestados no território do Município tributante. Porquê? Porque nosso Estatuto Magno adotou um critério territorial de repartição das competências impositivas, que exige que a única lei tributária aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu. (...) Nem mesmo a lei complementar nacional pode alterar a seguinte diretriz da Lei das Leis: “o ISS é sempre devido no Município onde o serviço for efetivamente prestado ainda que seu prestador esteja domiciliado ou sediado em outro Município”.

Tanto é assim, que foi preciso o Superior Tribunal de Justiça reafirmar o entendimento jurisprudencial que fixa como regra de incidência do ISS o local da prestação de serviço, consoante registra o acórdão relatado pelo Ministro ANTÔNIO HERMAN BEJAMIN:


A jurisprudência do STJ pacificou que, mesmo na vigência do art. 12 do Decreto-Lei 406/1968, revogado pela Lei Complementar 116/2003, a municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local em que efetivamente foi prestado o serviço, ou seja, onde se concretiza o fato gerador.


3. Conclusão

Ainda que a doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já tenham se posicionado vigorosamente, o assunto está longe de um entendimento, principalmente porque os agentes de fiscalização municipais, hoje com base na regra matriz da Lei Complementar n° 116/2003 insistem na ofensa ao princípio da territorialidade, no momento em que cobram o imposto considerando o estabelecimento do prestador, por mais que o serviço tenha sido realizado em outro Município.
A insegurança no entendimento sobre o assunto faz com que o contribuinte por vezes recolha erroneamente o ISS, e isso acontece também porque as orientações tributárias são buscadas justamente nos Municípios (Secretarias de Fazenda Municipal) que violam a correta aplicação da regra matriz de incidência, constitucionalmente prevista, conforme exposto alhures. Portanto, deve o contribuinte buscar orientação de um jurista especializado, para que não ocorra justamente o recolhimento do ISS ao Município indevido ou em duplicidade.
Autor: Tedeschi & Padilha Advogados Associados


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