Superproteção (ou Até que ponto alguém é responsável pelo outro)



Alguns dias atrás li uma matéria sobre uma pesquisa desenvolvida numa universidade japonesa (Universidade de Gunma, trabalho de Kosuke Narita e equipe) que relata, depois de analisar os cérebros de 50 jovens de 20 anos, que aqueles que foram superprotegidos pelos pais tinham menos massa cinzenta no córtex pré-frontal, região do cérebro que se desenvolve durante a infância, sendo que anomalias nessa região cerebral têm ligação direta com esquizofrenia e doenças mentais. Kosuke Narita acredita que esse crescimento anormal da referida parte do cérebro se deva a elevadas taxas de cortisol (hormônio do estresse) e baixa produção de dopamina (neurotransmissor estimulante do sistema nervoso central). Claro, é uma pesquisa nova, muitos outros pesquisadores e cientistas ou discordam dos resultados ou apontam para a necessidade de mais estudos a respeito, porém, não é preciso ser cientista para concluir algo que é muito visível: a superproteção, não só na infância, mas em todas as idades, prejudica o desenvolvimento e o crescimento das pessoas.

Se nas crianças esse prejuízo pode se dar em nível fisiológico cerebral, mesmo que nos jovens e adultos isso não ocorra mais, a superproteção freia o desenvolvimento, a iniciativa, a liberdade e a maturidade da pessoa. Proteger quem precisa, acolher, ensinar, orientar, quando necessário são coisas positivas; superproteger, limitar, é diferente.

A superproteção, além de ser reflexo de um amor meio "sem noção", ocorre quando se parte do princípio de que o outro não é capaz de cuidar de si, subestimam-se as capacidades dele e o superprotetor considera-se onipotente e onisciente, o que não raro o torna arrogante e achando-se dono da verdade. Repito, deve-se proteger e ajudar quem precisa, como uma criança, uma pessoa com problemas físicos ou mentais, mas, a menos que a pessoa seja totalmente incapacitada, permanentemente, mesmo quem exige mais cuidados deve ter um grau de autossuficiência, o mais possível, para que cresça interiormente e sinta-se vivo, produzindo algo, não dependente total, frágil.

Quem superprotege acha que ama da melhor forma possível. Alguns até sentem que não deveriam agir assim, mas não conseguem romper esse comportamento. O superprotetor, além de considerar o superprotegido como incapaz para muitas coisas, pega para si uma carga enorme, exaustiva: é responsável por sua vida e também se responsabiliza pela vida do outro, além do que seria adequado. Ora, já é tão complexo, às vezes trabalhoso, a gente ser responsável pela própria vida, quanto mais pela de outra(s) pessoa(s)! O superprotetor tem um trabalho multiplicado por dois, três... Sofre demais quando acontece algo (que entende como) ruim na vida de quem superprotege, acumula estresse, ansiedade, cansaço, mau humor e rispidez para consigo e para com os outros.

Quem é superprotegido sente-se amarrado, sufocado, tolhido em suas liberdades, percebe a mensagem de que é "incapaz" e nutre uma revolta por causa de o considerarem assim e/ou introjeta isso e passa, mesmo que inconscientemente, a acreditar nessa mensagem. Torna-se inseguro, dependente, não consegue tomar muitas decisões sozinho, fica mais frágil perante as vicissitudes da vida, tem possibilidade de desenvolver alto grau de ansiedade e até depressão.

Fora que com esse esquema de superproteção surgem chantagens de ambos os lados. O superprotetor pensa deter o controle, ameaçando retirar a sua "cria" de debaixo das asas, deixá-la ao "relento", entregue à selvageria do mundo se ela não seguir as regras impostas. Ameaça cortar as regalias, mas só ameaça, porque na verdade jamais poderia pensar em fazer isso com pessoa(s) tão frágil(eis). Ameaça cortar suporte econômico, psicológico, o que existir e for relevante caso seu objeto de superproteção fizer algo "errado". Impede-o de desenvolver muitas atividades de diferentes aspectos pois não o considera apto, limitando assim seus horizontes e vivências.

Quem é superprotegido também possivelmente vale-se de chantagem. Podendo viver num misto de raiva pela situação e concordância com ela, coloca sua "fragilidade" como elemento para que quem o superprotege faça as coisas para ele. Acomoda-se, alimenta medos, deprime-se... Tem às vezes pânico dos desafios, de mudanças que poderiam ser muito positivas.

A revolta, interior e/ou exterior, é possível para ambos os lados. O superprotetor pode sentir-se exausto por ter de arcar com a responsabilidade da vida do outro, até mesmo usado, maldizer a vida por lhe dar um fardo tão pesado do qual não pode nem deve se livrar. O superprotegido revolta-se por ser tão podado, subestimado, não levado a sério, considerado sempre uma criancinha, e, quando acredita que é incapaz de "andar com as próprias pernas", também maldiz a vida por tê-lo feito tão despreparado, fraco.

E há muitos outros aspectos negativos relacionados à superproteção, que não serão todos mencionados aqui para não tornar este artigo um livro. A conclusão que se pode ter, depois de refletir sobre este assunto, reflexão a qual o presente artigo deseja fomentar, é de que a superproteção não é sinônimo de um amor maior e melhor e nem ajudará alguém a viver bem. Nem significa (porém às vezes pode), falando em superprotetor e superprotegido, uma forma disfarçada de sadismo, masoquismo, prepotência, mau caráter, preguiça. A superproteção nasce de equívocos (percepção de incapacidade para um lado e supercapacidade e onisciência para outro), gera muitos problemas, que podem ser solucionados, claro, mas isso demandará esforço, boa vontade de ambos os lados e tempo. Melhor seria não entrar nessa.

Convido os leitores a fazerem uma autoanálise, se for o caso, e perceberem se há indícios de que superprotegem (excesso de zelo, responsabilidade, limitação, proteção para com o outro, sofrimento com tudo isso) ou se são superprotegidos (excesso de limitações, cuidados impostos por alguém, sensação de estar "sufocado", ideia de falta de condições de gerenciar a própria vida introjetada ou manifestada pelo outro em relação si). Caso um desses dois mecanismos ocorra (ou mesmo os dois ao mesmo tempo, pois muita gente que é superprotegida acaba achando que isso é o certo, apesar de todo o peso da coisa, e repete esse comportamento, então como superprotetor, para com filhos, cônjuges, amigos, etc.):

- para quem superprotege: será que as pessoas são tão incapazes assim, não sabem se cuidar, e não poderiam aprender a fazê-lo; e você é tão poderoso e sempre tão certo assim para administrar vidas alheias? Ensinar a pescar não é melhor que continuar sempre pescando para os outros, até porque um dia poderá não mais ter como fazer isso e aí sim as pessoas sofrerão muito mais ao verem-se sozinhas e sem saber como se cuidar?

- para quem é superprotegido: será que você não tem capacidade de cuidar mais de si? Quem o superprotege está sempre certo? Vai deixar sua vida nas mãos de terceiros, sua felicidade, suas escolhas? Mesmo que isso seja cômodo, é tão frustrante...

Revolta e brigas, rompimentos brutais,culpas, não precisa nem ajuda. Trabalho de conscientização, autoconhecimento, empatia, boa vontade e perdão, dos dois lados, leva a um novo modelo de relacionamento, com sentimentos mais leves, amor, amizade melhores. Vale a pensa pensar sobre tudo isso.
Autor: Marcus Facciollo


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