A BRUXA DRUMMONDIANA: A SOLIDÃO DO O POETA NA METRÓPOLE
Nos primeiros versos o eu-lírico Drummondiano nos situa acerca do lugar onde e sobre o qual escreve: a cidade do Rio de Janeiro; mostra-nos que, mesmo em meio a dois milhões de habitantes, sente-se sozinho, são versos do poema: “Nesta cidade do Rio / de dois milhões de habitantes / estou sozinho no quarto / estou sozinho na América”. (ANDRADE, 2004, p. 18) Dois milhões de habitantes aglomerados numa metrópole e isolados por ela. Isolados por seu afazer diário, isolados pelo relógio que não lhes permite “perder tempo” no contato com o outro, pois para o habitante da cidade “tempo é dinheiro” e não pode ser desperdiçado. O paradoxo solidão/multidão na poesia de Drummond nos remete ao que foi preconizado por Charles Baudelaire “principalmente com sua descoberta de que as multidões significam solidão” (HYDE, 1998, p.275). Após a revolução industrial, o homem do campo, o trabalhador servil, viu na cidade várias outras possibilidades de trabalho e isso significava concretamente uma espécie de libertação. Nessa busca por melhores condições de vida, no dizer de Raquel Rolnik (1995, p. 12), “a cidade aparece como um imã, um campo magnético que atrai, reúne e concentra os homens”. Contudo, ao perder o acesso à terra, às plantações, o homem perde também a subsistência, caracterizando-se numa dupla condição: livre e despossuído, para muitos, a cidade trouxe a liberdade e também a pobreza. O trabalhador precisa agora correr contra o tempo, abrir mão de toda e qualquer atividade que não fosse o trabalho. O ritmo frenético da produção isolou o homem e os avanços tecnológicos lhe trouxeram o conforto e lhe trouxeram mais isolamento, como disse Walter Benjamin (1994, p.124), “o conforto isola. Por outro lado, ele aproxima da mecanização os seus beneficiários”. É neste estado de solidão e isolamento com uma individualidade desorientada, desvinculada do grupo social mecanizado, que o poeta se encontra. Ele agora é um ser exilado em sua própria terra, se vê em dissonância com o mundo onde prevalecem valores marcadamente burgueses, como a obsessão pela acumulação de capital que acaba por gerar uma sociedade individualista.
No poema de Drummond, o eu-lírico, ao se dar conta de sua angústia solitária, questiona: “Estarei mesmo sozinho?”, demonstrando sua inquietação a respeito de se viver rodeado por dois milhões de habitantes que não lhe fazem companhia. O poeta esclarece que nem precisa de tanto, precisa apenas de um amigo, precisa apenas de uma mulher; quantos estarão como ele nesse momento, tão próximos e tão distantes, tão acompanhados e tão sós. Quantas mulheres nesse momento se olham e se perguntam sobre o tempo perdido. Buscariam nesse momento também por uma companhia? Como saber? Já é tarde e a cidade dorme para acordar para o trabalho, o poeta que não ouse perturbar as poucas horas de sossego daqueles dois milhões de habitantes, como diz os seguintes versos de Drummond: “Estou só, não tenho amigo / e a essa hora tardia como procurar um amigo? [...] Mas se tento comunicar-me / o que há é apenas a noite / e uma espantosa solidão” (ANDRADE, 2004, p. 19 - 20). O barulho das máquinas, do trânsito, das buzinas... é cessado por algumas horas, mas esse silêncio ecoa para o poeta trazendo-lhe à tona um clamor, uma revolta e um desejo de ser ouvido por alguém que possa lhe fazer companhia, como podemos observar nos últimos versos de Drummond no poema A bruxa: “Companheiros, escutai-me! / Essa presença agitada / querendo romper a noite / não é simplesmente a bruxa. / É antes a confidência / exalando-se de um homem” (ANDRADE, 2004, p. 20). Esse homem inquieto, “presença agitada” em meio à calmaria do descanso da cidade não é simplesmente a bruxa que se vale da noite para, segundo a crença, realizar seus rituais; sua inquietação é, antes de tudo, a confidência de um homem, um homem comum que, inconformado com o isolamento do de dois milhões de habitantes escreve e exterioriza sua angústia, como já foi aludido anteriormente, a angústia do poeta sozinho em meio à multidão.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Record, 2004.
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. trad. BARBOSA, José Carlos Martins e BAPTISTA, Hemerson Alves. São Paulo: Brasiliense, 1994.
FONSECA, Aleilton Santana da. O poeta na metrópole: “expulsão” e deslocamento. In: FONSECA, Aleilton S. da; ALVES, Rubens. (org). Rotas & imagens: literatura e outras viagens. Feira de Santana: UEFS, 2000.
HYDE, G. M. A poesia da cidade. In: BRADBURY, Malcolm e McFARLANE, James. (org.). Modernismo: guia geral (1890-1930). Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1995.
Autor: Edilane Abreu Duarte
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