A agricultura está assistindo a banda dos serviços ambientais passar...



O agricultor foi o primeiro ecologista do mundo. Foi pela capacidade de estudar as estações, o comportamento das plantas, o período de frutificação e os processos para cultivar as sementes e depois retirar seu sustento delas, que o agricultor tornou os seres humanos capazes do sedentarismo. Foi pela mágica de entender o ecossistema, que o agricultor deu a humanidade a oportunidade de se agregar nas cidades, e deixar de ter de migrar e lutar para sobreviver coletando o que encontrava pelo caminho.

Esquecido disso, hoje o agricultor é considerado o
grande vilão dos ecossistemas – nada poderia ser mais equivocado.

De acordo com o Milenium Ecossystem Assessment – relatório sobre o estado dos ecossistemas mundiais, os serviços ambientais incluem: Serviços de suprimento: de necessidades como comida, água, madeira e fibras; Serviços regulatórios: que afetam clima, enchentes, doenças, resíduos e qualidade da água; Serviços culturais: recreação, estética e espirituais e; Serviços de suporte: conservação da biodiversidade, formação de solo, fotossíntese e ciclagem de nutrientes. É uma realidade o fato de que os serviços ambientais estão intimamente relacionados com as cadeias produtivas.

As formas de cultivo da terra têm grande impacto no fornecimento desses serviços ambientais, e o estoque e potencial de geração desses serviços pela agricultura, pela pecuária e pela silvicultura, ultrapassam em muito os serviços gerados por Unidades de Conservação, entretanto, de acordo com o Projeto de Lei que institui a Política Nacional dos Serviços Ambientais, o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, estabelece formas de controle e financiamento desse Programa, e dá outras providências, em seu art 2º. Parágrafo IV, somente é recebedor: “aquele que restabelece, recupera, mantém ou melhora os ecossistemas no âmbito de planos e programas específicos, podendo perceber o pagamento...”.

Esse artigo está retirando dos produtores rurais, os principais provedores de serviços ambientais para a sociedade, o direito de serem ressarcidos pelas suas atividades. E retira mais, o reconhecimento do Governo Federal de todos os benefícios gerados pela atividade agropecuária e silvicultura do país. A marginalização do setor produtivo rural não é somente desaconselhável, ela é perigosa, pois expõem o setor ainda mais a críticas de toda a sociedade, pois ele não está sendo reconhecido como provedor de tais serviços, o que é um equívoco de dimensões históricas. Nunca antes na história desse país, os agricultores foram tão desrespeitados.

Já existem e proliferam no mundo vários sistemas para pagamentos por serviços ambientais, entre eles podemos destacar: Mercados de carbono - Regulatório, voluntário, rotulagem (para reflorestamento industrial, práticas de plantio direto e uso de madeira na construção civil, entre outros); Mercados de água - Qualidade e quantidade, rotulagem (agricultores dos EUA já recebem por esse serviço); Mercados de biodiversidade - Mecanismos financeiros (GEF, spread), fiscais, rotulagem (cultivos mistos, sistemas silvipastoris, agroflorestais e etc); Mercados de beleza cênica - Paisagem, rotulagem (PGI) (hotéis na Suíça pagam pelo cultivo de áreas atrativas e em outros locais do mundo também) e; Outros mercados - Polinização, cultural, religioso, recreação, esportes e novamente, rotulagem.

A rotulagem tem sido o principal instrumento para remunerar os produtores, e ela está relacionada com a certificação de produção de serviços ambientais que está associado aos produtos comercializados. No Brasil alguns casos são a Carne dos Pampas, o Boi Verde, a Soja não-transgênica e outros, exemplos de que a produção rural pode sim, e muito, estar associada a prestação de um serviço ambiental, merecendo a justa remuneração por esse esforço.

Para receber o pagamento pelo serviço ambiental associado a sua produção rural, os proprietários precisam ser treinados para inventariar aqueles serviços que mais se destacam na sua cadeia produtiva. Como exemplo, a cadeia produtiva da pecuária de corte, apresenta como insumos para a produção de serviços ambientais o CO2 atmosférico, a Água, os Nutrientes, a Paisagem e a capacidade de Filtro do solo. Com esses insumos, ela presta serviços ambientais de Sequestro e fixação de CO2 no solo, Filtragem da água, Absorção de nutrientes, Fixação do solo, Alteração da paisagem e aumento da capacidade de carga do solo. Em sistema silvipastoril pode ser adicionado ainda o serviço de conservação da biodiversidade (se usadas espécies nativas). Para dimensionar o seu estoque e potencial de prestação de serviços ambientais, os inventários desses serviços devem ser realizados ao longo da cadeia produtiva, avaliando direta e indiretamente os benefícios gerados para a sociedade. Essas metodologias são derivadas dos inventários já existentes, e existem profissionais habilitados para assessorar os produtores rurais na tarefa.

De posse dos inventários de serviços ambientais para as propriedades rurais, é possível trabalhar em conjunto, através de cooperativas de serviços ambientais ou de Arranjos de Prestadores de Serviços Ambientais Locais – APSAL, para buscar a melhor estratégia, a nível regional, para implantar um sistema de pagamento que contemple cada produtor de acordo com a sua contribuição para manutenção da qualidade de vida da sociedade como um todo. Na verdade, para que o pagamento por serviços ambientais seja uma realidade, ele deve gerar incentivos (monetários e não-monetários), estar alicerçado em sistemas de pagamento baseados em performance (monitoramento de Critérios & Indicadores – inventários de serviços ambientais), tem de valorar as práticas locais, passar por um processo de negociação (priorizar serviços com maior demanda), reconhecer a relação de serviço (em contrato específico), estar normalizado (evitar degradação ambiental, determinar áreas de risco etc - valoração) e fazer um enfoque nas fragilidades e suscetibilidades a nível de propriedade, bacia hidrográfica e ecossistema.

Além disso, a Política Nacional de Serviços Ambientais precisa nascer descentralizada, fazendo com que os municípios tenham a oportunidade de ensejar pagamentos por serviços ambientais que sejam reconhecidos localmente. É preciso notar que a intervenção federal tem sido, muitas vezes, resultado de pressões externas, e as comunidades locais é que depois pagam por isso.

Em 2002, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – UDSA, fez um estudo sobre grandes obras de infra-estrutura no país, e demonstrou claramente que os EUA teriam prejuízos bilionários com a implantação da BR 163 no Brasil, que deixaria os preços dos fretes até 75 % mais baratos, em uma região com tremendo potencial agrícola. No mesmo ano, o Departamento de Assistência dos EUA – USAID, junto ao Banco Mundial e WWF, deu suporte ao programa de Áreas Protegidas da Amazônia – ARPA, que criou milhões de hectares de Unidades de Conservação, exatamente ao longo da BR 163. Esses colonizados trazidos pelo Governo Federal para ocupar e desenvolver a agropecuária e silvicultura naquela região, hoje estão marginalizados, são invasores das referidas UCs. Já existem vários processos no Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Em 2005, o WorldWatch Institute, publicou extenso artigo, onde revela que a Usaid age junto ao Banco Mundial e WWF, para promover programas de interesse dos EUA nos países de terceiro mundo, oferecendo dinheiro para que as ações desses governos sejam revertidas em seu favor. Vale lembrar que após a implantação do ARPA, a Embrapa fez estudo sobre o território brasileiro da Amazônia, e revelou que não havia mais espaço para as pessoas viverem na região, na verdade, falta 8% da Amazônia para atender as exigências que a criação dessas UCs criaram. Um absurdo técnico e político, que certamente não é sustentado pelos brasileiros.

Naquele caso, como no caso dos pagamentos por serviços ambientais, os produtores rurais estão sendo marginalizados para promover programas supostamente ambientais, mas que são voltados para tornar permanentes as intervenções externas na condução das políticas públicas nacionais. Não é possível negar a contribuição do agronegócio e de suas cadeias produtivas na prestação de serviços ambientais, ignora-la na formulação das políticas é mais uma forma de pressionar os produtores rurais brasileiros e suas formas de cultivo da terra.

É preciso agregar aos sistemas de cultivo da terra o inventário dos serviços ambientais, como forma de capacitar o produtor rural a dimensionar sua produção de acordo com sua capacidade de gerar e receber serviços ambientais. Com a remuneração gerada por esse pagamento, estão lançadas as bases para que a mudança nos sistemas de cultivo ocorra naturalmente, tornado o produtor rural, além de gerador de comida e fibras, em um prestador de serviços ambientais para a sociedade, favorecendo e fortalecendo as práticas rurais sustentáveis.

Naturalmente que o produtor rural precisa trabalhar, e lhe falta o tempo para tratar de todas essas questões. Entretanto, se ficar novamente assistindo o desenrolar desse Projeto de Lei, não restará espaço para que a agricultura possa respirar nesse país, e sua imagem vai sair mais uma vez desgastada, em prol de supostas ações ambientais, que não tem respaldo na técnica. As Unidades de Conservação, por exemplo, não prestam a mesma quantidade e qualidade dos serviços ambientais prestados por cultivos florestais mistos, ou mesmo por sistemas agroflorestais e silvipastoris, mas mesmo assim estão sendo priorizadas na atual política. Com isso, recebe quem contribui menos, enquanto quem mais contribui, fica vendo a banda passar...
Autor: robson zanetti


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