Direitos Humanos no Plano Internacional



Historicamente o homem parece mesmo aprender é com os erros, e não com divagações abstratas sobre liberdade, amor e justiça. Cada declaração ou convenção internacional que vise a garantia dos direitos humanos foi deflagrada por um acontecimentos histórico que a determinou.
É compreensível. Se os homens fossem invariavelmente bons e justos, de que nos valeria um acordo internacional pregando a bondade e a justiça? Seria como uma lei que nos obriga a respirar. É da natureza imperfeita da humanidade, e de sua tendência para o cometimento do mal, que emerge a necessidade de acordos supra-nacionais que reprimam a manifestação dessa natureza belicosa do homem. Essa má tendência do homem é inclusive estampada no pensamento socrático, que diz: “todos os homens, a começar desde a infância, fazem muito mais mal do que bem”.
Lamentavelmente essa tendência vem se manifestando incontinenti, através de guerras, holocaustos, genocídios, governos despóticos etc., e depois de cessada as causas que a determinaram, os homens, olhando para trás e reconhecendo seus erros, acordam entre si de no futuro reprimir as más inclinações a fim de se evitar novas atrocidades.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – 1789.

Nesse contexto, ressalta-se como um marco histórico de grande importância na defesa dos direitos humanos a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, decorrente da nova mentalidade dos filósofos iluministas e das efervescências sociais que culminaram com a Revolução Francesa. A Declaração de 1789 representa o grito de liberdade de um povo oprimido por seguidas monarquias tirânicas, em que merece especial destaque o governo de Luiz XIV, o Rei Sol, autor da simbólica frase L’ État c’est moi - o Estado sou eu. Representou o grito de uma burguesia cansada de sustentar a vida luxuosa e preguiçosa da nobreza, uma burguesia cansada de não se ver reconhecida como classe social geradora de riquezas.
A Declaração teve por escopo servir de garantia contra a volta do despotismo, de tal forma que, sejam quais forem as bases do novo governo Frances, os direitos ali elencados deveriam ser garantidos ao cidadão. Como se vê, a Declaração teve inspiração do pensamento jusnaturalista, pois parte do pressuposto que alguns direitos são inerentes à condição de ser – humano, e não caberia a nenhum governo negar à população sua garantia. Declarou-se então, como direitos naturais, imprescritíveis e inalienáveis, o direito à vida, à igualdade, à liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência à opressão estatal.
Seria por óbvio demasiadamente inocente de nossa parte supor que a Revolução Francesa e a conseqüente Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tiveram como alvo principal a garantia dos direitos das massas miseráveis. Foi uma Revolução feita por burgueses para burgueses. A nova classe social emergente, que se revelara a grande força motriz da economia, e por isso exigia estruturas sociais mais modernas, que dessem conta de absorvê-la. As massas tiveram participação na revolução, mas foram usadas como instrumento de manobra da burguesia, que se colocou ao lado do grosso da população até a justa medida de seus interesses.

Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948.

Em outro contexto histórico, quase dois séculos depois, o homem se vê novamente preocupado com as garantias fundamentais dos seres humanos. O fenômeno do Nazismo intensificou o desenvolvimento dos Direitos Humanos. Quando, ao final da Segunda Guerra Mundial, o homem tomou conhecimentos das odiosas práticas de extermínio em massa, cresceu para ele a importância da criação e fortalecimento de mecanismos internacionais de controle das decisões políticas de Estados soberanos, notadamente pelo fato de que o nazismo chegou ao poder na Alemanha por vias democráticas, com amplo apoio popular.
Foi nesse contexto que a Comissão de Direitos humanos elaborou, no prazo de 3 anos, o documento que veio a ser a principal referência dos direitos e garantias fundamentais do mundo moderno, a Declaração Universal do Direitos Humanos.
Em que pese o fato de a Declaração não possuir capacidade jurídica de vincular a ação de um Estado, pois não tem natureza jurídica de tratado internacional, ela vem sendo um importante instrumento político de difusão e proteção dos direitos humanos, de forma a influenciar Constituições por todo mundo, especialmente a brasileira, como se verá mais adiante.
Essa ausência de força vinculante da Declaração é compensada por tratados e acordos internacionais, estes sim com força vinculante, em que os Estados assumem o respeito aos direitos proclamados pela Declaração. Por esta razão entende-se que a natureza jurídica da Declaração é de resolução.
A Constituição Federal de 1988 é uma constituição reconhecida mundialmente pelos modernos institutos que incorpora, manifestamente pelos direitos e garantias fundamentais que em seu texto encerra. No art. 5º, em seus longos 78 incisos, encontramos diversos mecanismos de defesa dos Direitos Humanos, muitos dos quais nitidamente influenciados pela Declaração Universal do Direitos Humanos, assim o citado artigo é um verdadeiro reduto, na legislação brasileira, de direitos e garantias fundamentais. No inciso LXVIII assegura o direito de locomoção por meio do habeas corpus, no LV garante o princípio da isonomia processual, nos incisos LIX, LXI, LXII e LXV impõe restrições ao Estado quando este pender alguém, no LV assegura contraditório e a ampla defesa nos processos judiciais e administrativos, e assim por diante.

Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio – 1948.

A Convenção para Prevenção do Crime de Genocídio é nascida no mesmo contexto histórico da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ou seja, no pós-guerra. Nasceu também com vistas aos genocídios praticados durante o decorrer da Segunda Grande Guerra, em especial aquele praticado pelos Nazistas contra os Judeus.
Assim, tendo em conta que a Resolução 96 das Nações Unidas declarou que o genocídio é um crime contrário ao Direito Internacional e ao espírito do mundo civilizado, e que tal prática tem levado a humanidade a desastrosas e irreparáveis perdas humanas, convencidos de que a cooperação internacional é a saída para libertar a humanidade desse terrível flagelo, os países membros das Nações Unidas, em comum e inequívoca vontade, acordam entre si a prevenir e a punir a prática do genocídio, entendendo-o assim como a prática de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como: a) Assassinato de membros do grupo; b) Dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Submissão internacional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Transferência forçada de menores do grupo para outro.
O Brasil, em 1º de outubro de 1956, ou seja, oito anos depois da Convenção, sancionou a lei 2.889/1956, que define e pune o crime de genocídio, e em 1990, editou a lei 8.072/1990, considerando tal ilícito como crime hediondo, e portanto insuscetível de graça, fiança ou anistia, além de outros mecanismos penais que garantam tratamento penal mais severo.

Convenção para a Repressão do Tráfico, de Pessoas e do Lenocínio – 1950.

A Convenção para a Repressão do Tráfico, de Pessoas e do Lenocínio foi concluída em 1950, sendo, dessa forma, elaborada no período do pós-guerra. Entretanto, é de se notar, não foi a Segunda Guerra Mundial que a deflagrou, em sim um processo histórico mais amplo, que começou com o Acordo Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, de 1904, passando pela Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico das Mulheres e Crianças, em 1921, e pela Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, de 1933.
A prática da prostituição é um tema que atravessou os séculos gerando diversas discussões polêmicas. A própria Igreja Católica na Idade Média não tomava um posicionamento coerente sobre o tema, ora condenando-a, ora defendendo-a sob o argumento que os homens, descarregando suas energias sexuais nas “mulheres da vida”, poupariam as “mulheres sérias”.
Modernamente os países tem assumido três posturas frente ao assunto. Em um extremo temos os países mais conservadores que proíbem toda atividade relacionada com a prostituição, incluindo a prostituta, o cliente e aquele que explora a prostituição alheia. Em outro extremo temos os países mais liberais, onde a atividade é legalizada, porém regulamentada e fiscalizada pelo governo. Outros países, como o Brasil, adotam uma posição intermediária entre as duas anteriores, proibindo toda atividade que circunda a prostituição, tais como manter casa de prostituição (art. 229 do CP), exploração da prostituição (art. 230 do CP), o favorecimento da prostituição (art. 228 do CP) e o tráfico de mulheres (art. 231 do CP), não proíbe, porém, a atividade da prostituição em si, deixando de criminalizar a conduta da meretriz, bem como a do cliente que se vale de tais serviços para a satisfação de sua lascívia.
A Convenção para a Repressão do Tráfico, de Pessoas e do Lenocínio não teve repercussão na legislação brasileira, uma vez que nosso estatuto repressor data de 1941, antes do Convenção, que é de 1950. Como os institutos que reprimem as atividades relacionadas à prostituição já existiam, não se fez necessário a criação legislativa para dar eficácia às disposições da citada Convenção.
A polêmica sobre o tema parece residir no fato de que o grande mal social a ser combatido é o tráfico de mulheres, e não a prostituição. Combate-se a prostituição como forma de combater o tráfico de mulheres, pois obviamente aquela gera este. Entretanto é de se notar o fato de que algumas mulheres se submetem à prostituição livremente, e levam essa vida como saída de uma posição social desfavorável.

Para concluir essa exposição, que tem caráter propedêutico e não possuiu a pretensão de esgotar o assunto, é importante ressaltar que os direitos necessários para o homem buscar uma vida plena e realizada já estão satisfatoriamente fundamentados no plano internacional, mesmo por que muitas outras declarações de direitos existem que não foram aqui abordadas. As energias devem se voltar agora para a efetivação de tais direitos, o que importa na criação de mecanismos que possibilitem que o homem efetivamente goze dos direitos e liberdades já estabelecidos.
É para isso que chama atenção o jusfilósofo Norberto Bobbio, em seu livro A Era dos Direitos, entendendo que " o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los (...) Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados"
Autor: Carlos Henrique Franchin


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