Um breve estudo do Valor Justo sob o princípios fundamentais da Contabilidade



A avaliação de ativos e passivos pelo valor justo (também conhecido como justo valor ou fair value, na expressão em inglês) talvez seja um dos assuntos mais discutidos atualmente na comunidade contábil mundial, especialmente com a expansão das normas ditas internacionais, processo que, no Brasil, se iniciou com a entrada em vigor do novo padrão contábil originado pelas recentes alterações na lei das S/A e por diversos pronunciamentos e resoluções do CPC e da CVM.
Para quem ainda não sabe, o fair value é o valor pelo qual um ativo pode ser trocado ou um passivo pode ser liquidado entre partes independentes, interessadas e conhecedoras do mercado. Em outras palavras, consiste na substituição do custo histórico pelo valor de mercado como a base para a mensuração.
Considerando que muitos especialistas alertam para o fato de que as demonstrações contábeis baseadas em informações históricas tendem a perder gradualmente, com o passar do tempo, a utilidade para os usuários interessados no valor econômico do patrimônio, o justo valor, a priori, aparece como um “salvador”, com o poder de atualizar os ativos e passivos ao ser valor atual, tornando as informações produzidas pela Contabilidade muito mais relevantes e tempestivas, já que passam a se basear não mais em dados históricos, mas sim em valores presentes.
No entanto, como podemos determinar se o valor justo é, de fato, justo?
Para os ativos, por exemplo, enquanto a mensuração pelo custo histórico registra os itens patrimoniais pelo custo efetivo de sua aquisição/produção, o valor justo utiliza a marcação ao valor de mercado como base de sua avaliação. Especialmente para bens e direitos que não são transacionados freqüentemente, o cálculo desse quantitativo é feito com base em critérios essencialmente subjetivos, através de estimativas derivadas da aplicação de técnicas de avaliação por especialistas.
Assim, o correto funcionamento do fair value fica a mercê do que muitos estudiosos da contabilidade têm chamado de “subjetivismo responsável”, que significa, de modo geral, o compromisso do profissional contábil com a transparência e a veracidade da essência econômica da entidade.
Ainda que em uma primeira vista soe muito bonita e coerente, a expressão “subjetivismo responsável” é quase uma antítese, pois o que é subjetivo depende de uma avaliação pessoal, a qual pode facilmente estar impregnada de vícios e interesses obscuros. Apenas o objetivo e o científico são responsáveis e, desta forma, justos.
Neste sentido, pode-se recorrer aos Princípios Fundamentais da Contabilidade, estrutura conceitual construída através de anos de doutrina científica e que serve de norteadora para a prática profissional, sendo aceita pelo Conselho Federal de Contabilidade através da sua Resolução 750/93 e pela Comissão de Valores Mobiliários através da deliberação CVM nº 29/86.
O fair value, em sua forma atual, fere direta ou indiretamente alguns desses princípios que regem (ou deveriam regir) a escrituração contábil, conforme segue:

a) Princípio da Prudência – Diz respeito à preocupação da Contabilidade em não fornecer ao usuário informações ilusórias, adotando, entre duas alternativas igualmente prováveis, a que resultar no menor valor ao patrimônio líquido (menor valor para os Ativos e maior valor para os Passivos). Nesse entendimento, o valor de mercado só deve substituir o custo histórico quando este for menor do que aquele para os bens destinados à venda. Considerando que o mercado é extremamente oscilante e manipulável, prudente seria adotar o menor valor para os ativos, evitando o entusiasmo demasiadamente hipotético dos usuários da Contabilidade ao aumentar o valor registrado dos bens e direitos para um valor justo que seja superior ao custo histórico. Deve-se tomar muito cuidado com o reflexo contábil imediato de oscilações bruscas no mercado.

b) Convenção da Objetividade – Ainda que não esteja presente de forma direta na Resolução CFC 750/93, a objetividade está prevista na doutrina contábil e na Deliberação CVM nº 29/86. Segundo a redação desta última, entende-se da convenção da objetividade que “para procedimentos igualmente relevantes, na aplicações dos princípios, preferir-se-ão, em ordem decrescente: a) os que puderem ser comprovados por documentos e critérios objetivos; b) os que puderem ser corroborados por consenso de pessoas qualificadas da profissão, reunidas em comitês de pesquisa ou entidades que têm autoridade sobre princípios contábeis...”. Nota-se que, para os redatores desta deliberação da Comissão de Valores Mobiliários, os ativos e passivos devem ser registrados preferencialmente pelo valor apresentado em documentos e critérios objetivos, tal como o do custo histórico, que, como regra, é baseado em documentos hábeis (como, por exemplo, notas e cupons fiscais). Qualquer método de avaliação baseado no subjetivismo (mesmo que seja o dito “responsável”) vai de encontro a essa convenção.

c) Princípio do Registro pelo Valor Original – O referido princípio é uma extensão natural do Postulado Ambiental da Continuidade, o qual define que, até o surgimento de forte evidência do contrário, as entidades devem ser vistas pela Contabilidade como empreendimentos em contínuo andamento, sem a previsão do encerramento de suas atividades. Desta forma, os ativos devem ser avaliados com base em valores de entrada, tal qual se percebe pela redação do inciso I do Art. 7º da Resolução CFC 750/93, que assim institui: “a avaliação dos componentes patrimoniais deve ser feita com base nos valores de entrada, considerando-se como tais os resultantes do consenso com os agentes externos ou da imposição destes”. Assim, a adoção do valor justo (que tem como base valores de saída) vai também de encontro ao Princípio do Registro pelo Valor Original (pelo menos em uma interpretação mais literal).

Neste ponto, é importante esclarecer que este artigo não tem o objetivo de expor o justo valor como um “monstro” ou mesmo desmerecer totalmente seus méritos.
Contabilmente, ainda há muito o que se discutir quanto à mensuração de ativos e passivos e, obviamente, tanto o custo histórico quanto o fair value apresentam vantagens e desvantagens, cabendo aos contabilistas a árdua tarefa de estudar a melhor maneira de informar os usuários da contabilidade.

Referências Bibliográficas

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Deliberação 29 de 05 de fevereiro de 1986.
CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução nº 750 de 29 de dezembro de 2010.
LOPES, Jorge; PEDERNEIRAS, Marcleide; RIBEIRO FILHO, José Francisco. Estudando teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas, 2009.
SÁ, Antônio Lopes de. Valor justo e o princípio da prudência. Disponível em http://www.administradores.com.br. Acesso em: 30 mar 2010.
SCHMIDT, Paulo. Et al. Teoria da contabilidade: Introdutória, Intermediária e Avançada. 5 edição. São Paulo: Atlas, 2007.
Autor: André Charone Tavares Lopes


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