A erradicação do binômio fornecedor-consumidor na busca do equilíbrio contratual



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Palestra realizada em São Paulo, a convite do International Business Communication – IBC dia 27 de outubro de 2005.
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O Código de Defesa do Consumidor utiliza metodologicamente a qualidade dos contratantes para estabelecer quem é o destinatário final nas relações contratuais de consumo, porém, ele mostra ser impreciso( I ) também na doutrina e jurisprudência.

Como ensinava Aristóteles, a justiça comutativa não leva em conta a qualidade das partes e sim o equilíbrio que deve estar presente nas prestações dos contratantes.1 Desta forma, adotando esta teoria milenar de aplicação geral, a utilizaremos como método de proteção dos contratantes no Código de Defesa do Consumidor ( II ) para que se atinja o equilíbrio entre direito e obrigações contratuais, abandonando-se o binômio fornecedor-consumidor.

I – A inadaptação do método de proteção do consumidor

Além do objeto representado por bens ou serviços ( A ) que devem estar presentes nas relações contratuais de consumo, o legislador organiza a proteção contratual criando duas categorias diversas de contratantes: o fornecedor ( B ) e o consumidor ( C ). A qualidade das partes se apresenta como um fator determinante para caracterização das relações de consumo. Se não existe uma das partes, não existe relação de consumo.

A ) O objeto da relação de consumo

A noção de relação contratual de consumo envolve grande de bens ( a ) e serviços ( b ).

a) Bens

O parágrafo primeiro do Código de Defesa do Consumidor fala em produto como objeto das relações de consumo, porém, preferimos utilizar o termo bens tendo em vista que estes têm uma amplitude maior que aquele.

Os produtos podem ser qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial ( §1º, do art. 1º do CDC ).

Os bens podem ser objeto de consumo quando forem adquiridos pelo destinatário final e não pelo destinatário intermediário.

b) Serviços

O Código de Defesa do Consumidor, segundo estabelece o art. 3º, §2º, se aplica também aos serviços, considerando serviço “ qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista “.

Os serviços podem ser de natureza material, como os serviços de dedetização e/ou intelectual, cuidados médicos quando fornecidos aos destinatários finais.

Não são incluídos como serviços os prestados pelo próprio Estado e remunerados a título de tributos “ tributos “ em geral, ou “ taxas “ e “ contribuições de melhoria”, tendo em vista sua natureza tributária. Os serviços públicos onde não existe uma remuneração específica estão excluídos do regime jurídico das relações de consumo2 , assim ocorre com o serviço de saúde, educação, fornecimento de água e esgoto3 , iluminação pública,4 por exemplos. Estes serviços são conhecidos por próprios ou Uti universi, sem possibilidade de identificação dos destinatários.

Os serviços impróprios ou Uti singuli podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos. Esses serviços são remunerados por tarifa ou preço público e estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor5 . Neste caso podemos citar como exemplos: o fornecimento de água, energia elétrica e transporte.

Também, a multa diária não deve ser considerada um serviço, tendo em vista sua natureza processual, no sentido de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo. Não se aplica o CDC aos serviços realizados pelo perito judicial, não sendo possível a exigência de orçamento prévio.6

É discutível se o Código de Defesa do Consumidor se aplica às relações locatícias, sobretudo de imóveis, onde neste caso, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça se mostra contrário, porém, parece difícil sustentar este posicionamento quando ampliamos a noção de serviços à locação de veículos.

A análise da prestação de serviços deve ser feita de forma real e não formal, assim, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não basta o consumidor ser rotulado de sócio e formalmente anexado a uma Sociedade Anônima para que seja afastado o vínculo de consumo, quando evidenciada a administração de recursos de terceiros.7

B) O fornecedor

O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor define o fornecedor como “ toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços “.

A qualidade de fornecedor é muito importante para que haja um maior equilíbrio nas relações de consumo, pois, aumentando-se o número de fornecedores ( 1 ) teremos uma aplicação maior da justiça comutativa, já que esta não é baseada na qualidade das partes. A definição de fornecedor passa pelo estudo no que seja uma atividade profissional ( 2).

1 – Uma diversidade de fornecedores

Através desta definição percebe-se que o conceito de fornecedor ultrapassa aquele de empresário ( i ) e dos operadores privados ( ii ).

i) Além do status de empresário

O fornecedor pode ser uma pessoa física ou jurídica, não importando seu porte. A qualidade de fornecedor não se esgota na qualidade de empresário. A qualidade de empresário desaparece em proveito daquela mais ampla que é do fornecedor. O empresário é absorvido pela qualidade de fornecedor. Da mesma forma o é o banqueiro, o profissional liberal, o segurador, o importador, o exportador,...

ii) Além do status de operadores privados

O conceito de fornecedor do artigo 3º do CDC é amplo, pois abrange a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, os “ entes despersonalizados “, como por exemplos, a Itaipu Binacional, a massa falida ou o espólio de um empresário, em nome individual, cuja sucessão é representada pelo inventariante8 .

Não são considerados fornecedores de serviços as associações desportivas ou condomínios.

2 – A atividade profissional

i) A organização de uma atividade habitual

Para que a atividade seja considerada profissional, o fornecedor a deve exercer de forma habitual, ou seja, não ocasional, podendo ser empresarial ou civil.

ii) A finalidade lucrativa

A atividade é considerada profissional quando ela busca uma remuneração em contrapartida da prestação fornecida. A gratuidade de atividade se contrapõe ao caráter especulativo da atividade. A gratuidade se contrapõe à noção de justiça comutativa.

O fim do lucro deve ser entendido de forma ampla, não somente direta como indireta9 . Assim, ainda que não cobrem entrada, os Shopping Centers visam lucros ao oferecer serviços as pessoas que lá se encontram, mesmo que não adquiram nenhum produto.10 Da mesma forma, os supermercados visam lucro ao oferecem gratuitamente estacionamento aos compradores e potenciais compradores.

A qualidade de profissional vem ao encontro com a finalidade comutativa que deve imperar no Código de Defesa do Consumidor.

Se a qualidade de fornecedor não é difícil de ser definida, o mesmo não ocorre com o conceito de consumidor.

C) O consumidor

O artigo 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o consumidor “ é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária final “.

Partindo desta definição, verifica-se que não existe um método preciso na legislação, na doutrina e nem na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de proteção do consumidor, os entendimentos são variados e dependem da observação de cada caso.

Como se observa, existe uma preocupação em se proteger um dos contratantes (o consumidor destinatário final ), porém, não somente o consumidor destinatário final é protegido pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, de forma fictícia, pessoas determinadas ou não, sem terem sido contratantes ou destinatárias finais dos objetos das relações de consumo, serão protegidas por equiparação ( art. 2º, § único, art. 17 e art. 29 ).

Para tentar resolver o problema de quem é o destinatário final no Código de Defesa do Consumidor, duas tendências se apresentam: a subjetiva ou finalista ( a ) e a maximalista ( b ).

1) Teoria finalista11

i) A doutrina

A teoria finalista é restritiva, ela parte de um conceito econômico de consumidor e entende que não basta ser o adquirente ou utente destinatário final fático do bem ou serviços, deve ser também o seu destinatário final econômico, isto é, a utilização deve romper a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, não podendo ser reutilizado, o bem ou serviço, no processo produtivo, ainda que de forma indireta.

O consumidor aqui é o não profissional e somente ele merece a proteção do Código de Defesa do Consumidor.12

Para a teoria finalista, a qualidade das partes é observada como um critério determinante para se direcionar a proteção do consumidor.

ii) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

O conceito de consumidor se restringe, em princípio, as pessoas físicas ou jurídicas, não profissionais, que não visam lucro em suas atividades e que contratam com profissionais.13

A linha de precedentes adotada pelas Quarta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça vão ao encontro da teoria subjetiva, restringindo a exegese do art. 2º do CDC ao destinatário final fático e também econômico do bem ou serviço.14

O Superior Tribunal de Justiça decide, por maioria de votos, através da Segunda Seção, que não é considerado destinatário final quem utiliza equipamento de serviço de crédito prestado por empresa administradora de cartão de crédito, pois este serviço tem o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, sendo considerada uma atividade de consumo intermediária15 , o mesmo ocorrendo com o consumidor intermediário que adquire produto ou usufrui serviço com o fim de direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo.16 Desta forma, fica demonstrado que o consumidor deve adquirir ou utilizar produtos ou serviços fora de sua atividade profissional17 , independentemente dele visar ou não o lucro.18

Robson Zanetti é Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 150 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante. [email protected]
Autor: robson zanetti


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