Aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas por acordo ou analogia a sociedade limitada



Tem-se constatado com muita freqüência a confusão feita com relação a aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas à sociedade limitada, segundo o novo Código Civil. A confusão reside no fato em se tomar como sinônimos os termos da aplicação "supletiva" com aplicação "subsidiária" da Lei das Sociedades Anônimas à sociedade limitada. Desta forma, nos propomos a resolver essa questão nesse artigo.
O artigo 1053 do Código Civil estabelece que nos casos de omissões a sociedade limitada será regida "pelas normas da sociedade simples".
O contrato social pode prever "a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima" segundo estabelece o parágrafo único deste artigo.
A Lei das Sociedades Anônimas exerce um papel supletivo, o que não deve ser confundido com aplicação subsidiária. Sendo supletiva, serve para suprir as omissões do contrato social, incidindo nas hipóteses a respeito das quais poderia dispor o contrato.
A aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas só ocorre nas matérias a respeito das quais os sócios podem contratar e desde que previsto contratualmente(1) e não a toda matéria prevista na Lei das Sociedades Anônimas. Assim, existe um limite a aplicação supletiva ao que for compatível com a natureza e a condição da sociedade limitada(2).
Dessa forma, no cômputo da maioria dos votos na sociedade, deve-se considerar o valor da quota subscrita ou integralizada? Como se trata de matéria que pode ser objeto de negociação entre os sócios, omisso o Código Civil e estabelecida a regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas no contrato social, aplica-se o artigo 110 dessa última, a qual dá o mesmo direito de voto ao acionista com quota subscrita ou integralizada.(3) Para que somente o quotista com quota integralizada tenha direito a voto, isso deve estar estabelecido no contrato social.
A aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas não é absoluta, pois, se o tema não é estabelecido no contrato social e não o poderia, então a legislação das sociedades anônimas é inaplicável às limitadas. Existem muitos institutos e regras que são típicos da sociedade anônima e, por conseguinte, funcionalmente incompatíveis de serem aplicadas de forma supletiva a sociedade limitada(4), assim por exemplo, uma sociedade limitada não pode emitir debêntures, ações e bônus de subscrição, mesmo que haja essa previsão no contrato social.
Da mesma forma, não se aplica a Lei das Sociedades Anônimas em matérias de constituição e dissolução societária, pois, a sociedade limitada é contratual e a sociedade anônima é institucional, sendo antagônicas as regras previstas na lei do anonimato e a classificação das limitadas sobre essas matérias.(5)
A Lei das Sociedades Anônimas será aplicada á sociedade limitada de forma analógica quando os sócios não puderem dispor sobre determinado assunto(6). A aplicação analógica se dá quando diante da omissão do Código Civil, em matéria não passível de negociação entre os sócios, o julgador tem a alternativa da aplicação analógica da Lei das Sociedades Anônimas (LICC, art. 4.º) para integrar o direito; assim ocorre no caso de reconhecimento da condição de substituto processual do sócio minoritário, para demandar, em nome da sociedade, o majoritário que exerce a gerência.(7)
A sociedade simples que adotar a forma limitada é regida pelas normas da sociedade limitada e nas suas omissões, pelas normas da sociedade simples e na ausência dessas pelas normas das sociedades anônimas se previstas no contrato social, pelas normas sobre as associações, usos e costumes comerciais, analogia, princípios gerais do direito e equidade.(8)
Notas
(1) Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial: de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 368.
(2) Muito feliz é a colocação de José Edwaldo Tavares Borba, Direito societário, 8ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, pg. 102.
(3) Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial: de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 368.
(4) José Edwaldo Tavares Borba, Direito societário, 8ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, pgs 102 e 103.
(5) Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial: de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 369.
(6) Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial: de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 369.
(7) Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial: de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 369.
(8) Jorge Lobo. Sociedades limitadas ( arts. 1052 a 1059 e 1071 a 1086 do Código Civil ), vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pgs. 58 e 59.
Robson Zanetti é Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 150 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante. [email protected]
Autor: robson zanetti


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