A Pseudo-Ciência do Código Florestal



A verdade, diz o provérbio Árabe, é um diamante de mil faces, a cada nova que se lhe acrescenta, aumenta o seu brilho. A verdade é um conceito fugidio. A palavra verdade pode ter vários significados, desde “ser o caso”, “estar de acordo com os fatos ou a realidade”, ou ainda ser fiel às origens ou a um padrão. Usos mais antigos abarcavam o sentido de fidelidade, constância ou sinceridade em atos, palavras e caráter. Outro assim, "a verdade" pode significar o que é real ou possivelmente real dentro de um sistema de valores.
A verdade científica, por sua vez, sobrevive de um intrincada rede de interesses, dentro da qual pode ser manipulada para atender os casos, ou o que é real dentro de um sistema de valores que, não raramente, são reflexos de conjunturas, mais do que fatos. Notório o que vem acontecendo com a suposta ciência do Código Florestal, que não apresenta fatos ou estudos conclusivos, mas argumentos com bases em aproximações, para justificar o que é, na verdade, pseudo-ciência do Código Florestal.
É isso que se detem em analisar, por exemplo, declarações de que os estudos sobre APP realizados ao longo dos anos, determinaram que é a declividade da encosta próxima ao leito fluvial, a textura e espessura do solo desta encosta, que justificaria sua existência. Esses três supostos critérios para determinar APP, integram os sete critérios do Banco Mundial, apresentados como alternativa para o Código Florestal brasileiro em 2005. Aliás, essa alternativa já foi estudada em outros países da América do Sul e também no Brasil, no estado do Paraná, Mato Grosso e Minas Gerais. É a proposta de análise de fragilidades do terreno, através do conceito de Terras de Vocação Florestal – TVF. Esse sim, de fato, um estudo sobre legislação e sua adequação técnica.
A TVF prevê que a análise das fragilidades inclua: declividade, erosividade, uniformidade, pedregosidade, drenagem, textura e profundidade dos solos. Dessa forma, a proposta de alternativa para o Código Florestal engloba todas as características de fragilidade, para qualquer situação de terreno. Além disso, ao analisar com critérios técnicos específicos as fragilidades do solo, permite que sejam iniciados programas de compensação financeira para contornar essas fragilidades. São os Pagamentos por Serviços Ambientais de conservação dos solos nas propriedades rurais, que já rendem mais de US$ 1,5 bilhão ao ano para produtores rurais dos EUA.
Mas não são somente esses os equívocos da pseudo-ciência. Alternativas de uso da terra para contribuir com a qualidade e quantidade da água nos leitos dos rios, já foram testadas ao longo de dezenas de anos em todo o mundo civilizado. Existem inúmeros casos disso por toda a Europa e nos EUA, realizados ao longo de períodos superiores a 15 anos e, esses sim, com resultados conclusivos sobre APP nos leitos de rios. Vejam que no caso dos corpos d’água, não há largura recomendável, mesmo porque se houver tráfego de fauna nas margens dos mesmos, a qualidade da água estará comprometida. É de amplo conhecimento o fato de que os animais, ao se aproximarem da água, comprometem a sua qualidade, é por isso que é exigida que seja cercada a APP das propriedades rurais.
Esses estudos técnicos apontaram várias soluções para melhorar as condições do terreno nas margens dos corpos d’água, nenhuma delas apontou para a manutenção da vegetação nativa, ou de florestas, como sendo a melhor opção. As evidências em torno disso são várias no Brasil, as cheias e vazantes dos rios rotineiramente arrancam toda a vegetação das margens, não importa que tipos de árvores tenham nelas. As estratégias para isso vão desde o controle de cheias e vazantes, até a incorporação de obras de infra-estrutura para contenção das margens e aplicação de mantas protetoras. A “volta a natureza”, promovida em rios dos EUA e Europa, trata de aspectos estéticos dessas margens.
Reserva Legal e APP são conceitos artificiais, que não tem respaldo técnico. A técnica está tentando justificar uma medida política. A política se modifica com o tempo, acompanhando o desenvolvimento da sociedade. Tentar encontrar justificativas técnicas para movimentos políticos, compromete, como se demonstrou, os objetivos da ciência.
As áreas de fragilidade do terreno, precisam ser avaliadas com critérios técnicos e científicos para determinar a sua possibilidade, ou não , de uso para produção agropecuária. Existem inúmeras alternativas desenvolvidas ao longo dos milênios de ocupação humana, como cultivos em curvas de nível, degraus e outras práticas comuns em todo o mundo. A decisão pelo cultivo florestal da propriedade, quando se dá por imposição legal, tem de ser remunerada na medida da compensação por serviços ambientais, e com agricultores que se interessem pela atividade. Obrigar um agricultor a ser um reflorestador parece aconselhável somente pela pseudo—ciência, a vocação florestal de uma região não pode ser determinada de fora pra dentro, ou “goela abaixo”, como se diz no popular.
A isso se acrescente a absurda prática do Manejo Florestal Sustentável – MFS, preconizada no Brasil hoje, um exemplo gritante da pseudo-ciência em sua mais forte representação. Essa prática, de corte seletivo com regeneração natural, levou a exaustão das florestas em todo o mundo. No mundo tropical, essa prática já deu todas as provas necessárias de ser inadequada. Tese de doutorado recente, que estudou práticas silviculturais de MFS em 20 dos principais países tropicais do mundo, demonstrou claramente que o corte seletivo e regeneração natural levou ao declínio nas florestas na América do Sul, África e Ásia-Pacífico. Em todo o mundo as plantações florestais estão substituindo as florestas naturais. Enquanto a ciência florestal brasileira não estudar sequer a sua própria história, não pode ser considerada como uma opinião válida para o setor.
Na Europa, até por volta de 1750, a prática do corte seletivo e regeneração natural, levou a formação de um estoque médio de espécies de uso de 100 m3 / ha. Foi quando iniciou-se o manejo científico das florestas, com base em seleção de indivíduos promissores, produção de mudas e reflorestamentos. Isso fez com que, em 200 anos, as florestas elevassem a sua média de estoque para 300 m3 / ha. Desde 1950 essas práticas tem sido intensificadas, fazendo com que haja um incremento médio maior a cada década. A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação), apresenta relatório bi-anual sobre o estado das florestas mundiais. Esse estudo demonstrou que, ao longo dos últimos 25 anos, os países que investiram em manejo científico e uso industrial das florestas, viram aumentar sua cobertura florestal, enquanto em todos os países que usam corte seletivo e regeneração natural, como o Brasil, essa cobertura florestal tem diminuído.
Não há justificativas científicas para a manutenção de conceitos como Reserva Legal, APP e Manejo Florestal Sustentável de corte seletivo e regeneração natural no Brasil. As tentativas da pseudo-ciência em fazer eco com essas determinações evidentemente políticas, coloca os seus defensores a mercê do julgamento implacável do tempo, que finalmente faz desaparecer todas as pretensões, artificialmente oferecidas para a sociedade como contribuição científica.



Dr. Robson é Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 200 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante. www.robsonzanetti.com.br e [email protected]
Autor: robson zanetti


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