O Licenciamento Ambiental e os Pagamentos por Serviços Ambientais Eder Zanetti, Pesquisador UFPR, doutorando em Manejo Florestal Sustentável



Constituem serviços ambientais dos ecossistemas, os benefícios por eles gerados e que são aproveitados pela sociedade, classificados em Serviços de suprimento: de necessidades como comida, água, madeira e fibras; Serviços regulatórios: que afetam clima, enchentes, doenças, resíduos e qualidade da água; Serviços culturais: recreação, estética e espirituais; Serviços de suporte: conservação da biodiversidade, formação de solo, fotosíntese e ciclagem de nutrientes.
O termo Serviço, vem do latim servitium (condição de escravo), o estado de que é servo, no dever de servir. Serviços, são ações que satisfazem imediatamente necessidades de outros indivíduos. São coisas intangíveis. O setor de serviços é responsável por mais da metade do PIB e emprego das economias modernas. O serviço é uma espécie de trabalho. Pode haver trabalho, sem que haja relação jurídica, mas só haverá serviço no bojo de uma relação jurídica. Não haverá Pagamento por Serviços Ambientais sem regulamentação jurídica do mesmo; 40% da economia global é baseada em produtos e processos biológicos (WEHAB, 2002).
Já os ecossistemas vêm do grego oykos = casa; σύστημα = sistema onde se vive. Os ecossistemas são o conjunto formado por todas as comunidades (animais, plantas, bactérias etc), que vivem e interagem em determinada região e pelos fatores abióticos (água, sol, solo, gelo, vento etc), que atuam sobre essas comunidades. Os ecossistemas do mundo formam a biosfera, uma complexa rede de relações entre os recursos naturais, habitat e residentes de uma área. Eles têm uma grande variação, mas cada um com características estruturais e funcionais próprias, e incluem plantas, animais, peixes, pássaros, microorganismos, água, solo e pessoas.
As pessoas são um componente particular dos ecossistemas que tem apresentado um comportamento de crescimento exponencial, o que pode comprometer a capacidade de suporte. A capacidade de suporte é interpretada como a quantidade de recursos expressada em número de indivíduos que podem ser sustentados por esses recursos.
Projetos de infra-estrutura como hidrelétricas, estradas, pontes e hidrovias tem efeitos diretos e indiretos sobre os ecossistemas. É exatamente para avaliar estes efeitos e buscar minimizá-los ou, eventualmente, compensá-los que a legislação ambiental institui a obrigatoriedade de estudos de impacto ambiental (EIA) para empreendimentos potencialmente danosos ao meio ambiente. Estes estudos, estabelecidos pela Lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938 de 31/08/81) e regulamentados pelas Resoluções 001/86 e 237/98 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), são obrigatórios e fazem parte do processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos. O licenciamento ambiental é um procedimento eficiente quando a implantação da obra é de interesse de todos, e quando há um projeto bem construído. Nesses casos, o EIA, executado por equipe multidisciplinar, analisa as conseqüências ambientais da implantação do projeto, incluindo o diagnóstico ambiental da área, a descrição da ação proposta e suas alternativas, e a identificação, análise e previsão dos impactos significativos.

para dar mais agilidade ao processo de licenciamento no Brasil é preciso resolver problemas como melhorar os procedimentos e aumentar os investimentos nos órgãos de licenciamento. “É preciso que se invista na capacidade dos órgãos ambientais de licenciamento. Porque esse milagre não aconteceu em lugar nenhum do mundo e não vai acontecer no Brasil. Licenciamento rápido e sem recursos para os órgãos que têm que fazer o licenciamento não vai funcionar, porque a preocupação do governo não é só com a agilidade do licenciamento, tem que ser também com a qualidade dele”.
Notadamente, as discussões e regulamentações ambientais referem-se aos serviços ambientais prestados pelos ecossistemas, e que devem ser mantidos ou melhorados com a implantação da infra-estrutura. No Caso do Rio Madeira, os técnicos do Ibama apontaram vários riscos para a diversidade de peixes, falta de consideração das variações do nível do lago causadas por alterações na bacia hidrográfica a montante, dados sobre a deposição de sedimentos nas barragens, o que pode ampliar ainda mais a área de impacto dos lagos, incidência de malária e impactos nos países vizinhos, como alguns dos entraves para a implantação do projeto. Esses problemas mencionados, refletem a prestação de serviços ambientais relacionados com a biodiversidade, quantidade e qualidade de água e controle biológico de doenças – também atribuição da biodiversidade. Isso quer dizer que a neutralização desses impactos, poderia ter gerado uma certificação de biodiversidade para a empresa envolvida no processo. Com isso, ela teria garantido o licenciamento e ainda conseguido demonstrar para a sociedade seu comprometimento com as causas ambientais, melhorando a imagem do empreendimento e da empresa, junto ao público.
O mesmo se verifica no caso da usina de Belo Monte. Foram apontadas questões relacionadas ao EIA, que descreve 174 espécies de peixes, 387 espécies de répteis, 440 espécies de aves e 259 espécies de mamíferos, e os impactos da implantação da obra nessas espécies. Observou-se também os impactos de vazamentos do projeto, como o desmatamento na região, por conta dos empregos e da dinâmica econômica gerada, e a cultura indígena e tradicional. Foi mencionado o risco de produção de alimentos, fornecimento de água em quantidade e qualidade adequada, controle de doenças e pragas. Como no caso anterior, os impactos retratados na biodiversidade, qualidade e quantidade de água, cultura e produção, podem ser neutralizados e certificados, o que possibilita não somente que o empreendimento tenha justificada sua implantação, mas fornece uma ferramenta de marketing ambiental para melhorar a imagem do empreendimento junto a opinição da sociedade.
A BR 116, no trecho entre Curitiba e São Paulo, enfrenta problemas para a implantação do seu trecho duplicado por conta de sua importância natural como área produtora de água, para abastecimento público de grande interesse público local e regional, bem como, por apresentar peculiaridades históricas, culturais, ambientais, cênicas e antropológicas que lhe conferem identidade, enquanto espaço-território de referência turística e paisagístico. Todas essas características são passíveis de ser inventariadas, avaliadas, controladas, monitoradas e, mais importante, mitigadas e neutralizadas com ações passíveis de receberem certificação ambiental. A solução dos riscos ambientais para a implantação das obras de infra-estrutura, são uma oportunidade para que os empreendedores demonstrem o comprometimento ambiental, social e econômico das atividades. As certificações ambientais são uma forma de garantir para a sociedade a sustentabilidade dos negócios.
Há longa data que as pressões ambientais vem fazendo com que os negócios reflitam sobre seus impactos na sociedade, ambiente e economia. O movimento ambientalista nasceu como resposta, firme e decidida, ao processo de avanço desordenado da sociedade e sua economia sobre o ambiente, sem o devido e criterioso estudo das consequencias que isso possa ocasionar. Um alerta que ecoou e hoje é ativo agente formador de opinião pública, principalmente quanto a dominação do capital sobre o ambiente. O que parece um problema é, na verdade, uma oportunidade para demonstrar a capacidade da iniciativa privada, de responder rapidamente as mudanças sociais, ambientais e economicas modernas.
Não é novidade que os processos de licenciamento ambiental tem sido um dos principais entraves a implantação de infra-estrutura no país, principalmente de obras que tenham o interesse sinalizado da iniciativa privada. As exigências ambientais são fundamentadas, mas não claras, sequer para os próprios revisores dos processos, o que leva a atrazos carreados, muitas vezes, por objeções que não se verificam válidas na prática. São casos de espécies de plantas, peixes, pássaros, insetos, anfíbios ou mamíferos que parecem surgir no caminho do progresso, assim como estão os biomas, as reservas hídricas, os polinizadores, a beleza cênica e tantos outros ítens da agenda ambiental.
A novidade que tem insurgido dessas discussões, e pode se transformar um uma verdadeira revolução para os processos de licenciamento ambiental, é o crescimento das estratégias de Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA, que avaliam, quantificam, monitoram e valoram, prevendo compensações financeiras, os serviços ambientais associados aos ecossistemas, as espécies e mesmo a variabilidade genética dos indivíduos, sejam eles plantas, pássaros, peixes, insetos, anfíbios ou mamíferos. Os serviços ambientais incluem toda sorte de benefícios gerados pelos ecossistemas e que servem a sociedade, incluindo aspectos de suprimento, regulatórios, culturais e de suporte. São pelo menos 35 serviços ambientais identificados, incluindo: produção de alimentos, água de qualidade, biocombustíveis, madeira, regulação do microclima, controle de ventos, sequestro de carbono, redução de escorrimento superficial dos solos, controle de erosão, controle de doenças transmissíveis, combate de doenças crônicas, reciclagem de resíduos sólidos, líquidos e gasosos, formação de solos, redução de som, modificação do cenário, inspiração, cultura, religião, prática de esportes, recreação, conservação da biodiversidade, habitat para a biodiversidade, conservação da variabilidade genética local, ciclagem de nutrientes e aromas naturais.
Ora, com os serviços ambientais prestados pelos ecossistemas devidamente classificados, avaliados, quantificados, monitorados e valorados, é possível que a legislação do licenciamento ambiental incorpore todos esses requisitos para a elaboração dos estudos de impactos ambientais das obras de infra-estrutura. Havendo algum impacto que não possa ser mitigado pela própria obra, ele poderá ser compensado na sua medida precisa, de acordo com planejamentos que abordam a variabilidade genética, a biodiversidade, os biomas, a bacia hidrográfica e a bacia atmosférica, e todos os critérios e princípios técnicos que indiquem a existência e amplitude dos serviços ambientais impactados com a estruturação dos empreendimentos e sua compensação com os PSA. Dessa forma, as empresas que passam pelos processos de licenciamento, além de conseguirem entender melhor e participar ativamente do processo de neutralização dos impactos ambientais das obras de infra-estrutura, ainda podem utilizar das atividades ensejadas para promover o Marketing Ambiental dos empreendimentos.
Os inventários de serviços ambientais dos ecossistemas podem ser certificados por diferentes sistemas, assim como a neutralização dos impactos negativos que as atividades humanas possam ter no fornecimento desses serviços ambientais. Exemplos são as Reduções Certificadas de Emissões – RCEs, os VCU (do inglês Voluntary Carbon Units), a Pegada Hídrica (Waterfootprint), a Pegada Florestal (Forest Footprint), a Pegada Ecológica (Ecological Footprint), o WaterSense (certificação hídrica da Agência Ambiental dos EUA – EPA), o Programa de Neutralização da Biodiversidade nos Negócios - BBOP (Business and Biodiversity Offset Program), os certificados ISO para emissões de carbono, neutralização de carbono e água (em elaboração). Esses programas desenvolveram metodologias variadas para identificar, avaliar, monitorar e valorar os mais importantes serviços ambientais prestados pelos ecossistemas, em suas diversas escalas (locais, bacias hidrográficas, biomas, ecossistemas, países e global) e buscando o equilíbrio entre as demandas sociais, econômicas e ambientais do desenvolvimento.
Os selos de certificação validam o comprometimento ambiental dos negócios. Dessa forma, com a adoção de medidas de promoção do marketing ambiental dos empreendimentos, os investidores e as empresas ganham uma proteção extra contra os riscos que podem afetar a implantação de suas atividades. As empresas certificadas podem estar preparadas para competir dentro de um cenário econômico e social que, cada vez mais, aprecia as medidas de caráter ambiental tomadas pelos negócios. Os impactos positivos da adoção de práticas certificadas de neutralização dos impactos ambientais dos empreeendimentos, geram resultados que vão facilitar, por exemplo, a participação em audiências públicas e o processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos.
Sistemas de auditoria independente, que garantem a correta avaliação, mensuração, monitoramento e neutralização dos impactos dos empreendimentos na prestação de serviços ambientais dos ecossistemas em que se inserem, são uma forma de facilitar a análise dos processos pelos técnicos dos órgãos ambientais. Muitas das instituições que fornecem os selos de certificação possuem acordos de cooperação técnica ou observadores convidados dos próprios organismos ambientais – uma forma de garantir transparência e confiabilidade aos sistemas. O licenciamento ambiental de empreendimentos que demonstram a capacidade de receber esses selos, pode ocorrer de forma mais ágil.

Dr. Robson é Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 200 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante. www.robsonzanetti.com.br e [email protected]
Autor: robson zanetti


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