O Julgamento da História



Ao falar sobre a História, sempre mencionamos vários de seus protagonistas e por eles demonstramos extremos sentimentos, que vão da extrema adoração à mais incontrolável ojeriza. E, curiosamente, essa variedade reacional ocorre com aqueles que se destacaram pelas matanças perpetradas. É o caso, por exemplo, do mitificado Gênghis Khan e do odiado Adolph Hitler. Por que, tendo causado um número de mortes proporcional ao do Hitler, Khan é tão amado?

Inicialmente, tal deve ser atribuído aos padrões morais de cada época, aos objetivos e aos resultados de cada empreitada. Temudjin (prenome de Khan) nasceu e cresceu, como escravo, em um território cuja maior parte da população, organizada em soberanos e dispersos clãs, desejava a incontida reação sobre os vizinhos estrangeiros por meio da conquista territorial e sua posterior unificação política. Como, desde criança, já havia demonstrado extrema habilidade e destreza militar, se atribuiu essa missão. Com a adesão voluntária, e, por vezes, forçada de diversos clãs, iniciou sucessivas anexações e não mais cessou, vindo, por isso, a unificar seu povo sob aquele que, territorialmente, foi o maior Estado surgido na História Humana: o Império Mongol, cuja extensão ia desde o leste da China e da Rússia até a Hungria. Suas façanhas renderam-lhe o já mencionado título de Gênghis Khan (que significa “Imperador Universal”).

Durante as conquistas, o próprio Khan, como comandante supremo, não se abstinha de lutar. Há, inclusive, uma lenda de que parabenizou um soldado inimigo que conseguiu ferir seu rosto (uma demonstração de reconhecimento que, da parte de Hitler, seria impensável). Concretizadas as vitórias, dava aos vencidos a opção de a ele se juntarem ou morrerem, aumentando exponencialmente suas forças de ataque. O reconhecimento e a integração – embora forçosa - de antigos inimigos às hordas mongóis, independentemente da etnia a que pertenciam, foi um dos fatores que, em grande parte, explicam seu sucesso militar.

Aliás, a apreciação de Khan por quaisquer habilidades não se limitou ao campo bélico. Como grande parte de seu povo, sempre vivera de forma nômade. Por isso, um dos principais fatores que o fizeram fundar Karakorum, a capital do Império, foi alocar os grandes filósofos, astrônomos, matemáticos, músicos, artistas e demais gênios dos povos anexados, pois somente se continuassem a viver em um local fixo, e não numa obrigatória adaptação ao estilo nômade mongol, poderiam exercer suas atividades, e, assim, contribuir para a grandiosidade daquela nova sociedade.

Outros institutos advieram das empreitadas de Khan, como uma das mais antigas formas de imunidade diplomática, dada a variada composição étnica do Império, que, por diversos fatores, dentre os quais as dificuldades de comunicação, não durou mais que décadas. Entretanto, o neto Kublai Khan governou um dos rincões remanescentes e era um homem extraordinário, que aceitava quaisquer liberdades individuais.

Florescimento de talentos. Variedade étnica. Encorajamento intelectual. Imunidade diplomática. Administração à frente de seu tempo. O banho de sangue realizado por Khan ocorreu dentro dos padrões morais então vigentes na Ásia e em grande parte do mundo, gerando, posteriormente, impactos positivos. Por isso o povo da Mongólia ainda o reverencia, enxergando-o como um conquistador dotado de glória, de superioridade tática e de rara inteligência, e não como um assassino (embora, de acordo com os valores hoje em vigor, assim o consideremos).

Com Hitler não houve nada disso. Transgrediu todas as convenções sociais e jurídicas de sua época, quando já havia toda uma concepção internacionalmente consagrada de direitos do homem e de inviolabilidade de vida humana (algo inexistente durante a Era Khan), especialmente ao iniciar uma guerra cujo objetivo principal, embora não o único, era o extermínio de determinados grupos humanos - não é à toa que, ao começar a 2ª Guerra Mundial, primeiramente invadiu a Polônia, país que em 1939 possuía a maior população judia da Europa. Foi um criminoso até mesmo para os padrões medievais.

Khan, Napoleão e o Império Romano objetivavam a anexação (os romanos, inclusive, incorporavam ao seu Panteão os deuses dos povos conquistados). As mortes no rastro de suas conquistas seriam a conseqüência, e não a razão de suas ações. Ao fim de suas sangrentas jornadas, cada um deles, ao menos, deixou algum bom legado. Já Hitler, além da ausência de quaisquer contribuições positivas, queria, muito mais que adquirir “espaço vital”, apenas sufocar, esmagar, mutilar, aniquilar, exterminar, derramar sangue humano ao exteriorizar seu ódio doentio. Não era um conquistador, mas um mentecapto genocida. Perto dele, qualquer governante anterior merece um atestado de bons antecedentes. Por isso, a História jamais o perdoará.

Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho
Autor: Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho


Artigos Relacionados


As Idéias Perigosas

Resumo Do Livro O Livreiro De Cabul

Resumo De ''roma - O Grande Império''

Davi, O Hitler Da Bíblia?

As Causa Da Segunda Guerra Mundial

Entendendo Melhor A Segunda Guerra

A Questão Da Nacionalidade Na Obra De Delius.