(Re)Pensar a Educação Brasileira: Uma boa mercadoria?



CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A educação é discutida atualmente como instrumento de inclusão, formação de cidadãos através do estimulo à pesquisa e conhecimento, mas a trajetória da educação brasileira está vinculada a formação socioeconômica, inicialmente exploratória, e deixando nas mãos de outras instituições sociais o dever que deveria ser do Estado, que ainda estava em formação, e por este detalhe, por pouco não enfraqueceu o desenvolvimento dos que detinham o poder, os colonizadores, que ao deixarem nas mãos dos jesuítas a educação puseram em risco a dominação do povo pela colônia Portugal. Atualmente é retomada essa discussão, mediante inclusões distorcidas, que remetem a educação como instrumento de poder e um possível negócio. É preciso destacar inicialmente a importância da construção da educação básica no Brasil, em sua complexidade, pois é através desta que o ensino superior poderá maximizar-se enquanto núcleo de conhecimento e minimizando as lacunas ao retorno de muitos estudiosos às salas de aula como professores.

CONTEXTO HISTÓRICO: EDUCAÇÃO BRASILEIRA

A educação no Brasil desde o período colonial não possui prioridade, uma vez que a colonização foi exploratória e os primeiros “brasileiros” foram “educados” pelos jesuítas, configurando a entrega da responsabilidade da educação a outras instituições sociais, e como frisa ROMANELLI (1998) ainda neste período não havia uma educação estritamente brasileira, configurando a educação jesuíta como conflitante por instruir e castrar a cultura dos nativos, ou seja, educando e desconsiderando a realidade desses povos, além de aliená-los para extrair as riquezas, inicialmente vegetais, e em seguida introduzirem, como em Alagoas, o cultivo de outras espécies vegetais, como a cana-de-açúcar, ou animais, como o gado, tornando a educação um instrumento de dominação dos povos nativos e manutenção do poder dos abastados portugueses. Após a expulsão dos jesuítas, no fim dos anos 1700 o Brasil ficou carente de educadores, sendo os leigos, os que aprenderam com os jesuítas, os que repassaram informações às novas gerações, geralmente este grupo era formado por mulheres filhas de fazendeiros ou comerciantes, as que tinham acesso à educação. Apenas em 1820 ocorre à criação da primeira Escola Normal exclusiva para homens, e ensinada também por mulheres, inicialmente com duração de dois anos letivos, e posteriormente quatro anos letivos, e durante o aumento da duração, por volta de 1900 as mulheres são inseridas nas escolas como estudantes.
A dualidade educacional ainda não existia nesse contexto, pois iniciou a partir do momento em que foram criadas as políticas públicas educacionais resultantes dos embates entre classes sociais, grupos políticos, o governo e as religiões. Influenciado pela crise de 1929, que abalou o mundo capitalista, levando o Brasil dependente economicamente do mercado externo e exportação do café, o Estado estimulou os empresários industriais com a importação de maquinários e dificultando a entrada de produtos que possivelmente concorreriam com as indústrias nacionais, e na década de 1930 modificou o modelo de país estritamente agroexportador, impulsionando, à época, numa recente urbanização. Para suprir as necessidades das indústrias que necessitavam de mão-de-obra qualificada, a educação até então tratada em segundo plano, se rende ao sistema capitalista, desvinculando a aprendizagem moral, a construção de uma identidade nacional, estimulo à pesquisa e o conhecimento, e estimulam-na a formar exército de trabalhadores qualificados, e configura uma pedagogia tradicional. Ao passar dos anos, principalmente durante as décadas de 1960 e 1970 influenciados pela ditadura militar a educação recebe severa intervenção do estado, tornando-se cada vez mais tecnicista, para atender a demanda ditatorial, castrando os pensamentos sobre os porquês do momento histórico. Vale ressaltar que durante as ditaduras no Brasil, diversos movimentos em prol da educação, mesmo próximos de remodelá-la, foram impedidos por golpes como nos governos de Getúlio Vargas e Castello Branco.
Nos final dos anos 1990, com a Constituição Federal Brasileira em seu artigo 205 destaca que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, explicitando o pensamento da educação para todos, mas esta não deve estar baseada apenas a transmissão de conhecimentos, também em sua construção através da organização e socialização de conhecimentos acumulados ao longo da história, e que professor e aluno estão em constante aprendizado. Retomando o pensamento de TEIXEIRA (1961) a escola não deve ser um depósito de crianças, e não somente o lugar onde se aprendemos a conhecer, deve ser o local de produção e socialização de inúmeros conhecimentos, e como proposta pedagógica sugere três elementos integrados para melhorar a qualidade do ensino, como o trabalho, que consiste em atividade laboral, aperfeiçoamento, participação em oficinas, uma escola politécnica propedêutica unitária, voltada às ciências; o estudo, este desenvolvido em mais horas facilitando o entendimento e estimulando a leitura e interpretação de textos; e o jogo, voltado não simplesmente ao lazer por lazer, mas em atividades recreativas educativas; devendo os utilizar desde o ensino de base, numa escola com melhor infra-estrutura e gestão para desempenharem com qualidade estas atividades. O autor não restringe apenas a preocupação com a audiência, mas também com o mediador, o professor, por sua vez deverá estar qualificado e apto a planejar para exercer atividades dinâmicas que estimularão o intelecto dos estudantes, minimizando a alienação do ser humano, pelo sistema capitalista. Para SCHWARTZMAN (2005) a educação é um fator de desenvolvimento e consequência de investimentos na economia de um país, e no caso do Brasil, pesquisas sobre a temática devem ser estimuladas, pois muitos países que investem em educação, e esta gerida participativamente, refletem a melhora dos índices do Produto Interno Bruto (PIB).
Não basta inserir os estudantes na trajetória educacional, mas sim encontrar alternativas que os inclua não se resumindo a programas assistencialistas do governo, os superando através do fortalecimento das unidades de ensino, incluindo novas metodologias de ensino e incentivo a cultura, leitura e pesquisa, minimizando a estratificação articulada pela dicotomia entre currículo de escola pública e escola privada, e que não devemos restringir a reforma na educação apenas no ensino superior.
Através da criação de políticas públicas progressistas, LIBÂNEO (2003) sugere a não generalização da educação brasileira, a descentralizando, destacando que cada localidade possui sua singularidade, e o currículo de cada escola deve acompanhar a realidade ao redor a fim de integrar o estudante, não desconsiderando o conhecimento de outras localidades. Para tal é necessária uma remodelagem do atual modelo educativo e em longo prazo investindo no aperfeiçoamento do docente, oferecendo melhores condições de trabalho, estimulando a prática de metodologias que envolvam novas tecnologias, e através da gestão participativa e fiscalizada constantemente poderão reduzir problemas reproduzidos atualmente nas escolas e universidades, como a dificuldade na aprendizagem, reflexo do ensino na educação básica.

O ENSINO SUPERIOR: MERCADO DO CONHECIMENTO?

JOHNSTONE, J. & EXPERTON, W., em 1998 elaboraram um relatório chamado The Financing and Management of Higher Education, na tradução Financiamento e Gestão da Educação Superior, e neste recomendam a flexibilização e redução de custos, ao Banco Mundial, em relação a educação, visando modificar a estrutura das unidades de ensino superior, as transformando em escolas de elite e centros de massas, reestruturando os modos de contratação de professores de ensino superior em contratos, refletindo na perversidade da reforma educacional. E para ALPHA (2010)


[...] no âmbito educativo, flexibilizar significa tratar o conjunto dos recursos, isto é, os edifícios, as bibliotecas, os laboratórios ou os professores como ativos que devem ser inseridos o mais produtivamente possível e que devem ser combinados de modo “flexível” e variável, reordenando os títulos e ensinos segundo módulos aleatórios a gosto do consumidor.

SANTANA (2009) relembra Weber sobre o objeto de estudo da sociologia compreensiva que trata das ações sociais dos indivíduos, e para o estudioso a educação é um instrumento para a estratificação social, condicionando o indivíduo. A educação como ação social deve ser repensada, quebrando os paradigmas weberianos, pois não estão resumidas apenas as ações racionais dos indivíduos, mas está vinculado também ao processo de relações existentes entre os elementos da comunidade escolar. A educação deve ser assumida pelo Estado, e ao firmar parcerias público-privadas deveria funcionar sem fins lucrativos reais, influenciando a minimização do pensamento consumista.

SORJ (2003) destaca que no contexto histórico a globalização possui como vantagem o avanço tecnológico, onde com boa utilização na educação, a Internet, por exemplo, torna-se ferramenta importante para o desenvolvimento da sociedade, porém o sistema capitalista influencia o consumismo de tecnologias impedindo sua melhor utilização, e as telemáticas agem para excluir ao ampliar o consumismo e desigualdades, remetendo-nos ao pensamento de que nem tudo proporcionado pela globalização é para o bem geral, e quanto aos Cursos de Educação à Distância, amplamente questionados, trás a tona a unificação entre espaço e tempo, além de flexibilizar o horário do estudante, que deverá ele mesmo estudar, a fim de integrá-lo nas atuais condições impostas pela sociedade, cada vez mais marginalizada e conflitante, e cauteloso deverá estar ciente que nem tudo no mundo virtual é conhecimento, mas este meio digital deve ser utilizado para disseminá-lo, destacando também a importância de através do portal do Ministério da Educação e Cultura (MEC) identificar se o curso é ou não reconhecido. Não se detendo apenas aos Cursos à Distância, GRENDENE (2010) destaca que a informática na educação brasileira também recebeu influência da educação de outras culturas e na década de 1980 o movimento Filosofia e Linguagem LOGO, ao divulgar idéias, defendiam que o computador é um instrumento que catalisa conceitos complexos, permitindo assim que o aluno trabalhe estes conceitos de maneira simples e lúdica. A partir desse entendimento desenvolveu-se uma linguagem de programação para crianças, tal qual estimulou adequações para ensino superior, como a inserção de tutores e novas metodologias com feições de ensino presencial, como participação em debates em fóruns, trabalhos em grupo.
BEZERRA (2010) relembra que a importância da Conferência Mundial sobre Educação Superior realizada em Paris, em 1998, que originou a Declaração Mundial Sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação, e ocorrida também em 2003, influenciaram a edição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394 de 20/12/1996 e seus desdobramentos na nova organização de instituições, cursos e programas na área do Ensino Superior, além da modalidade Educação à Distância, e graduação de curta duração os inserindo as tecnologias da informação e comunicação, portanto o Ministério da Educação e Cultura (MEC) deve estar atento aos padrões de qualidade em todas as instituições de ensino superior, a fim de democratizar o acesso, que em longo prazo reflete a ascensão das classes sociais C, D e E conduzindo estudantes a inserção mais rápida no mercado de trabalho, porém, diga-se de passagem, a educação superior não deve apenas estar voltada a este cunho. Quanto ao surgimento de uma nova classe média MEIRELLES (2010) argumenta que atrelado à melhora salarial paralelamente as famílias estão, através da educação, inserindo a primeira geração de familiares universitários oriundos das classes C, D e E, estimulando a economia brasileira em estimada movimentação de R$ 830 bilhões em 2010, consequência da crescente demanda por profissionais no nível tecnológico, não apenas no ensino superior público, também no privado, e também de projetos de cunho social e movimentação da economia diversificada.
Em 15 de abril 2008, em palestra na Universidade Federal de Alagoas, Ronaldo Mota, à época Secretário do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura, frisa que a educação não é apenas desvalorizada pelo governo, mas também pelos educadores, que deveriam aproveitar-se da conquista da democratização do Brasil para cobrar o melhor desempenho da instituição social, recortando as dificuldades econômicas outrora, e com a estabilidade inflacionária influencia o melhor funcionamento da gestão pública, com o controle dos gastos fiscalizados através do estimulo à Lei de Responsabilidade Fiscal, e para “revolucionar” a educação devemos deixar de lado o discurso, não fragmentando a educação, apesar da contradição, em não destacar a ênfase nas modalidades de ensino (fundamental, médio e superior) e tampouco na inclusão com adaptação e melhor estrutura à população, e não retalhando a cultura nacional ao implantar formatos de outros países visando um “padrão único de qualidade” que reproduzirá um exército de mão-de-obra qualificado apenas para o recorte tecnológico ou bacharelado para “construir” um país mais sólido, mas o ex-secretário esqueceu-se de frisar a importância do educador nesta construção, e nós devemos nos atentar a valorizá-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tal pergunta “A educação é uma mercadoria?” é uma grande polêmica, pois para muitos pode ser assim considerada, mas há ainda movimentos que não restringem a educação em todas as esferas, apenas à ascensão social, mas também a busca por uma renovação de pensamentos, pois a educação que liberta não da forma radical que imaginamos, pode se tratada como mercadoria alienar e infringir ao estudante a não querer conhecer e respeitar as diversas áreas do conhecimento e em conjunto melhorar esta instituição social, não importando o recorte deste ciclo educacional, pois esperar não nos leva a lugar algum, uma vez que o espaço está em constante movimento, e neste devemos ser cautelosos.

REFERÊNCIAS


BEZERRA, R. C. F. Educação Superior no Brasil e a Inclusão Social. In: Informativo Aqui você Pode. nº 4, ano II, abr. 2010. p. 2.


BROCK, C., SCHWARTZMAN, S. (orgs.). Os desafios da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2007.


MEIRELLES, R. Investir em Educação aumenta a Renda de toda a Família. In: Informativo Aqui você Pode. nº 4, ano II, abr. 2010. p.3.


MONOGRAFIA ALPHA. Educação Superior e Mercado. Disponível em: . Acesso em: 02 mai. 2010.


MOTA, R. Ensino Superior. In: Extensão da Universidade Federal de Alagoas para o Sertão. Relatório da palestra ministrada no Centro de Educação CEDU-UFAL Maceió, realizada em abril, 2008.


GRENDENE, G. K. O uso da Informática no Meio Educacional. Disponível em: . Acesso em: 02 mai 2010.


LIBÂNEO, J. C., OLIVEIRA, J. F., TOSCHI, M. S. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003, p. 227 a 267.


ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. Fatores atuantes na evolução do sistema educacional brasileiro. In: História da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. 20. ed. p.33-46.


______. A educação e o Desenvolvimento Brasileiro após 1930. In: História da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. 20. ed. p.47-125.


SANTANA, E. C. M. O Pensamento Sociológico de Max Weber. Disponível em: . Acesso em: 02 mai 2010.


SORJ. B. [email protected]: A luta contra a desigualdade na Sociedade da Informação. Disponível em: . Acesso em: 30 ago. 2008.


TEIXEIRA, Anísio. A Educação Escolar no Brasil. In: Educação e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. v. 35, n. 81, jan./mar. 1961. p. 71-92.
Autor: RICARDO SANTOS DE ALMEIDA


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