COMBATE AO TERRORISMO NA AMÉRICA DO SUL



A crise armada Colômbia-Equador à luz do Direito Internacional do uso da força no contexto da guerra contra o terrorismo internacional.

1. Introdução

O conflito entre o governo da Colômbia e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC é sem dúvida o maior barril de pólvora da América Latina. Trata-se de conflito interno armado com amplas repercussões internacionais, involvendo atores estatais e não estatais diversos. A natureza do conflito é eminentemente ideologica tanto do ponto de vista interno quanto internacional.

Internamente, o conflito é caracterizado pela luta entre marxistas e capitalistas. As FARC origináram-se nos anos sessenta, tal como facção armada do Partido Comunista Colombiano, o PCC. Nos anos 80, as FARC tornáram-se uma guerrilha, se separáram definitivamente do PCC, passando a adotar o tráfico internacional de drogas e atos de terrorismo internacional como meios de atuação. Tais métodos são contrários ao direito internacional e constituem violação de tratados internacionais em ambas as áeras. Além disso, o involvimento das FARC com diversos Estados, dentre eles Venezuela e Cuba, coloca o conflito colombiano em situação impar na relação Estados Unidos e America do Sul no contexto da guerra contra o terrorismo internacional iniciada à partir de 11 de setembro de 2001. Não inadvertidamente, o governo da Colômbia recebe a terceira maior ajuda financeira e militar do governo Estados Unidos, perdendo somente para Israel e Egito. A afinidade entre os governos Colombiano e Norte-americano, entretanto, parece extrapolar a seara econômica e repercutir diretamente no campo de batalha.

2. Fatos, Normas e Perspectivas internacionais envolvendo o estado de beligerância Colômbia-Equador, Março de 2008

No dia primeiro de março de 2008, o o exército da Colômbia bombardeou um acampamento das FARC situado em território equatoriano, matando o número dois da guerrilha, Raul Reyes, juntamento com outros dezesseis guerrilheiros. O uso da força da Colômbia contra o Equador não diz respeito a nenhum conflito existente entre esses dois Estados, mas ao conflito entre um Estado, a Colômbia, e um ator não-estatal, as FARC. Essa situação é, sem dúvida alguma, semelhante à situação enfrentada por Israel, pelos Estados Unidos e pela Turquia na guerra contra o terrorismo internacional. E a Colômbia, ao que tudo indica, passa a adotar o mesmo ponto de vista desses países no que se refere ao uso da força no direito internacional.

A pratica denominada 'target killing', significa o extermínio de lideranças de guerrilhas e organizações terroristas em guerras assimétricas entre Estados e forças armadas irregulares, ainda que tais operações sejam levadas a cabo em território de Estados soberanos, onde tais entidade encontram abrigo. Apesar de tais operações serem dirigidas contra alvos específicos, frequentemente tais assaltos terminam em verdadeiros massacres, resultando em extenso número de mortos e feridos.

Do ponto de vista do Direito Humanitário, tais atos são injustificáveis, e a regra do 'aut dedere aut judicare' prescreve soluções compatíveis com o Direito Penal Internacional, e não com o Direito Internacional do uso da força, mais propriamente, o jus ad bellum.

Do ponto de vista do Direito Internacional do uso da força, mais especificamente no tocante ao argumento da legitima defesa, com base no artigo 51 da Carta da ONU, a questão é fonte de grande divergência entre Estados, doutrinadores e juízes da Corte Internacional de Justiça. Tais divergências podem ser agrupadas em duas interpretações do artigo 51. A primeira, defendida pelos Estados Unidos, Israel e alguns Estados Europeus, considera que o direito de legitima defesa deve ser interpretado de maneira a permitir o uso da força em resposta a ataques armados executados por atores não estatais, tais como guerrilhas e organizações terroristas. A segunda corrente, defendida pelos países árabes e países não-alinhados, entende que o direito de legítima defesa passa a existir somente em caso de ataque armado levado a cabo por Estados. Isto é, não prescreve a possibilidade de uso da força em legítima defesa contra ataques armados, cujos autores são forças armadas irregulares.

3. A jurisprudência Corte Internacional de Justiça

A posição majoritária adotada pela Corte Internacional de Justiça entende pela interpretação restritiva do artigo 51. Tal posicionamento foi estabelecido em 1986, no caso Nicarágua, envolvendo o uso da força dos Estados Unidos, através dos contras, ator não-estatal, no conflito entre Nicarágua e El Salvador. Segundo a maioria dos juízes da Corte, o Estado que for vítima de um ataque armado levado a cabo por um grupo irregular deverá atribuir os atos do referido grupo a um Estado. Isto é, a relação entre o grupo irregular e o Estado que lhe oferece abrigo deve atingir elevado grau de interdependência, a ponto que tal grupo seja equivalente a outros órgãos estatais.

A racional da CIJ diz respeito ao uso indireto da força entre Estados, mais precisamente a situação em que um Estado contrata mercenários ou envia tropas irregulares para executar ataques terroristas armados contra alvos ligados ao Estado inimigo, sem entretanto revelar sua identidade para a comunidade internacional. O conflito entre Estados Unidos e Líbia, nos anos oitenta reflete tal racional. O governo de Qadafi promoveu atentados terroristas contra alvos americanos, tais como aeronaves e clubes frequentados por soldados americanos. Os Estados Unidos responderam com o uso da força, alegando o direito de legítima defesa em 1986, em resposta ao atentado a La Belle discoteque em Berlin. A ação norte-americana foi amplamante criticada na ONU, e deixou de ser condenada no Conselho de Segurança em razão do veto norte-americano.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, ficou claro para a comunidade internacional que a situação envolvendo tais eventos não se enquadrava ao contexto do uso da força indireto. Apesar disso, o Conselho de Segurança prontamente reconheceu o direito de legítima defesa dos Estados Unidos, com base no artigo 51 da Carta da ONU, sem qualquer referência ao autor dos atos. Isto é, a posição adotada pelo Conselho de Segurança contraria o entendimento fixado pela Corte no caso Nicaragua.

Em 2005, no caso Congo v. Uganda, a Corte manteve o entendimento fixado no caso Nicaragua. Tal posicionamente foi amplamente criticado pela posição minoritária, que critica a Corte por deixar de esclarecer a relação entre Estados e atores não-Estatais, quando o ato de tais atores não possam ser atribuídos a outros Estados. Crítica semelhante aparece nas posições minoritárias dos juízes Higgins, Buerguental e Koroma no Parecer Consultivo sobre a Legalidade da Construção de um Muro nos Territórios Ocupados da Palestina, em 2003.

4. Do Global ao Regional

Na Organização dos Estados Americanos, a OEA, a incursão do exército colombiano foi considerada violação da soberania e da integridade territorial do Equador, e de princípios de Direito Internacional. A Resolução 930, aprovada em 05 de março de 2008 pelo Conselho Permanente da Organização em Washignton, ao condenar o uso da força sem o consentimento expresso do governo do Equador, também chama atenção para o fato de que tal ataque tinha por objetivo atingir membros de um grupo irregular das FARC que se encontrava clandestinamente acampado no setor fronteiriço equatoriano. A resolução da OEA refere-se às FARC como grupo irregular, isto é, um ator não-estatal, como por exemplo organizações terroristas, guerrilhas e insurgências, sem entretanto fazer mençao a existência de quaisquer direito de legítima defesa da Colômbia.

Por fim, o governo da Colômbia apresentou pedido de desculpas formal ao governo do Equador, e os dois Estados retomaram relações diplomáticas. A crise chegou ao fim sem intervenção da ONU ou envio de forças de paz para a região. Para o Presidente do Equador a 'América Latina começa uma nova era, na qual vão sobressair os princípios, a justiça e o direito internacional, e na qual nunca mais deve sobressair o poder'. É possível que a crise Colômbia-Equador de março de 2008 se trate de evento isolado, e qualquer semelhança com a guerra contra o terrorismo internacional seja mera coincidência.
Autor: Cacildo Alves Junior


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