A postura de aderência ao opressor e o solipsismo anacrônico na sociedade brasileira.



Em uma daquelas arrumações típicas de final de ano, me deparei com um texto que escrevi em 2007. Naquela época, o país discutia muitas coisas e, uma delas, era os destinos de nossos jovens, o futuro de nosso país. Reli o texto e percebi que sua essência ainda é atual. Tomei a liberdade de apresentá-lo à você, caro leitor.

A postura de aderência ao opressor e o solipsismo anacrônico na sociedade brasileira.

No último dia 02 de maio, vasculhei a internet procurando ao menos uma linha nos principais jornais e revistas, inclusive de educação, sobre o aniversário da morte do grande educador Paulo Freire.

Alcancei uma enorme decepção e gigantesca frustração, pois, não encontrei absolutamente nada! Fui então para a televisão e, consegui, depois de muito custo, assistir a um especial sobre Paulo Freire, pena ter passado em um canal sem expressão e em horário nada “nobre”, seis da manhã.

O Brasil, mesmo sem saber, passou pelo décimo aniversário da morte de um Educador como poucos foram, de um homem liberto, acima de tudo, e com uma visão de educação única e simples. Paulo Freire pregava a libertação pela educação, pregava a autonomia do saber, a liberdade de aprender a aprender.

Em seu célebre livro Pedagogia do Oprimido (1968), ele estabelece a situação do opressor e do oprimido, esclarece seu pensamento de forma brilhante e elegante – não poderia ser diferente vindo de Paulo Freire – a questão da relação do homem com ele mesmo sendo que de um lado se estabelecem os opressores do próprio homem, que em muitas vezes se tornam opressores de si mesmos, e do outro lado os oprimidos que tentam superar a situação de oprimido para serem homens libertos e se tornarem homens, também opressores (na visão dos oprimidos). Ele, Paulo Freire chamou esse fenômeno de aderência ao opressor. Na visão de Freire, o homem para se tornar verdadeiramente homem (no sentido antropológico), deve buscar sua liberdade pela educação, e não se sentir livre oprimindo outros homens, ou tendo a liberdade de oprimir.

Essa questão lhe valeu alguns amargos e longos anos no exílio, mas também trouxeram visibilidade à sua teoria, e angariou adeptos em grande parte do mundo. Ganhou prêmios, Educação para a Paz (ONU- 1986), Educador das Américas (OEA-1992), escreveu outras obras não menos importantes no campo da Educação.

Mas e aí, como ficamos após dez anos sem Paulo? Um mês antes do aniversário de sua morte, o governo na figura ilustre do Presidente da República e o não menos ilustre Ministro da Educação, Fernando Haddad, lançaram o PDE – Programa de Desenvolvimento da Educação, que visa estabelecer o desenvolvimento do ensino desde a educação básica até o ensino médio, visa também inserir o país em médias internacionais de educação ( 6,0 média dos países desenvolvidos, e no Brasil 4,0), com a convocação do povo brasileiro como parte integrante do motor educacional brasileiro, “a mobilização da sociedade é fundamental para o sucesso do plano” .

Não posso deixar de lembrar também que, nessa mesma semana de aniversário de sua morte, a Câmara dos Deputados votaram e aprovaram a diminuição da maioridade penal, ou seja, nossos “grandes homens” legisladores, entenderam que o melhor para nossa sociedade seria dar aos nossos jovens um grande prêmio, o de poderem ir para a cadeia, o de assumirem responsabilidades de gente grande.

Ah, como faz falta a voz de Paulo, como ecoa em nossos ouvidos a dicotomia do homem liberto (opressor e oprimido), como dói em nossas cabeças os descaminhos de nossa sociedade que reafirma a condição de opressor dela mesma, que consolidam a teoria da postura de aderência ao opressor. O sentimento não pode ser outro senão o de pesar, pesar pela sociedade que se desenha, pela torre de Babel que se apresenta em nossa sociedade, onde de um lado o executivo se diz contra a diminuição da maioridade penal e lança as bases para a libertação educacional a la Lula (ainda que de forma pífia), e do outro, o legislativo empobrece o discurso e toma uma atitude arcaica e medieval (não poderia ser diferente, vindo de onde vem), e quem paga o preço dos descaminhos e da incompetência como sempre é o mesmo oprimido da teoria de Paulo Freire.

O Brasil deixa a cada dia de tomar seu desenvolvimento nas mãos e deixa passar o tempo, deixa o mundo girar enquanto ele, Brasil, fica parado, deixa as coisas acontecerem enquanto aqui nada acontece.
Um país forte se faz com economia forte, com um fluxo de mercado exterior forte, com distribuição de renda justa e equânime, com bom padrão de vida dos cidadãos. Claro tudo isso faz sim um país ser forte e com alto desenvolvimento, mas, antes de tudo, passa obrigatoriamente pela educação de seus cidadãos, de sua sociedade, de seus jovens e crianças.

Educação para libertar nosso “homem” da opressão e da vontade de oprimir, de libertar as mentes vindouras, de libertar nosso futuro, de libertar nossas futuras gerações. O Brasil não precisa passar pelo equívoco de colocar sobre os ombros de nossas crianças a falta de competência dos governantes e de nossas autoridades (desautorizadas), de décadas.

Vivemos hoje um país perdido e sem rumo, sem objetivos concretos, pois, que país pode ter objetivos concretos onde não contemple os seus jovens de mente sã e corpo são, onde é mais fácil imputar-lhes a responsabilidade de gente grande?!

Nossos “grandes homens” deveriam pensar em como inserir nossos jovens no contexto do desenvolvimento, como atores atuantes e não como meros coadjuvantes. Deveriam pensar em como colocar nossas crianças o maior tempo possível e também saudável, dentro de uma ótima escola, como dar condição para que o jovem brasileiro desperte seu senso crítico, sua capacidade de raciocínio lógico e sua capacidade de empreender, de buscar, de lutar, de se libertarem dos algozes, de não participarem da aderência do opressor, de se transformarem em homens verdadeiros, de alma liberta de alma lavada.

Para tanto, claro que a sociedade brasileira precisa aceitar sua condição de opressora e oprimida ao mesmo tempo, ou seja, parte da sociedade age como opressora e também é oprimida, como uma espiral, e de modo contínuo. Isso perpetua a condição resultante de sempre oprimido.

A sociedade brasileira precisa abrir sua mente para os devaneios dela própria, precisa assumir suas responsabilidades perante os acontecimentos que, muitas vezes, poderiam ser evitados com maior atuação política de cada cidadão. Ao concordar com a aberração legal de se diminuir a maioridade penal, acompanhando assim, alguns países “desenvolvidos”, como alegam os ardentes defensores dessa teoria, estaremos sim, reafirmando nossa condição de oprimido que estabelece a postura de aderência ao opressor, mas agora na forma de Lei.
Autor: Carlos Daniel da Silva


Artigos Relacionados


Educação Para A Liberdade Em Paulo Freire

Hegemonia X Autonomia

Monografia EducaÇÃo De Jovens E Adultos

Anotações Sobre Ensino E Os “tipos” De Educação Em Paulo Freire

Nossas Escolas Devem Cumprir O Papel De Libertar

Resumo De ''pedagogia Do Oprimido''

Paulo Freire às Avessas