Apontamentos Para A História De Rondônia



Apontamentos para a história de Rondônia

Entender a história de Rondônia, exige a compreensão de algumas das múltiplas transformações que o capitalismo provocou e sofreu no último século. O que ocorreu ao longo das últimas décadas do século XX nos leva a situar Rondônia e a Amazônia no contexto das transformações pelas quais estava passando a sociedade capitalista no final daquele século, exigindo que nós olhemos para esta localidade a partir do que estava ocorrendo em Rondônia, na Amazônia e no Brasil. Essa compreensão deve ser feita a partir da perspectiva das migrações, mas também, das acomodações sócio-político-econômicas que aconteceram principalmente no período que vai do início da década de 1960 até o final da década de 1980.

Os anos da década de 1960 desenvolveram-se sob a sombra da Guerra Fria, período em que temíamos os horrores de uma possível – mas sempre evitada – guerra global. Entretanto, a partir da década de 1970, aconteceram vários encontros e acordos entre os dois expoentes máximos do mundo capitalista e socialista da época, a partir dos quais foi sendo afastada, lentamente, a ameaça de um conflito global aberto e direto, como era o temor no contexto da Guerra Fria.

Dessa forma, se o perigo da Guerra Fria estava se afastando, o mesmo não se podia dizer dos problemas econômicos, que se avolumaram a partir da década de 1970, especificamente a partir de 1973, principalmente com a crise do petróleo. Essa situação se agravou tanto que ao período das duas décadas seguintes – 1970-1980 – Hobsbawm (2001) chamou de "décadas de crise", referindo-se à instabilidade que se instalou naquele período.

A história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise. E, no entanto, até a década de 1980 não estava claro como as fundações da Era de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmente. (HOBSBAWM, 2001, p. 393)

Quando concordamos com a afirmação desse autor, e com o que ele chama de "era de ouro", especificamente as décadas de 1950-60 do pós-guerra, perceberemos que o cenário era de uma crescente aceleração econômica, em virtude do processo de industrialização. Todas as destruições provocadas pelas duas Grandes Guerras apresentavam um cenário que precisava ser reconstruído. Para essa reconstrução, principalmente nos Estados Unidos, foram criadas linhas de financiamento que injetaram valores e vigor para a reconstrução da Europa e Japão. Dentro desse panorama, se fez necessário o desenvolvimento da indústria e, de acordo com a análise de Brito (2001), o desenvolvimento de uma política de "pleno emprego" no pós-guerra, o que se concretizou em vários países – veja-se o desenvolvimento industrial do Japão – mas de modo muito mais acentuado nos Estados Unidos.

A continuidade dessas políticas durante o período da Guerra Fria, no pós-guerra, deu-se fundamentalmente por meio dos programas armamentistas e de reconstrução dos países europeus e do Japão, sustentando, desta maneira, a demanda e mantendo aquecidas as economias dos países capitalistas centrais, base da política de pleno emprego. Simultaneamente, alargaram-se os mercados para bens de capital dessas economias, pela implantação de indústrias em países da América Latina e Ásia, entre outros, ou pela ampliação dos financiamentos, em larga escala, nestas regiões. Também nestes casos, o manejo das condições políticas e econômicas destes países foi prática largamente utilizada, contando com o apoio decisivo dos governos das nações capitalistas hegemônicas. (BRITO, 2001, p. 265, grifo no original).

Podemos dizer que a lucrativa indústria da guerra colocou em movimento a engrenagem do capital que se modernizou, a fim de atender as exigências do mundo que se reconstruía nos anos das duas décadas do pós-guerra. Isso nos permite dizer que se difundiu e solidificou a idéia de que a guerra é mais lucrativa que a paz visto que ela produz destruição em larga escala, abrindo frentes de trabalho e possibilidades para a comercialização de produtos para a reconstrução. Algo de que até a paz depende.

Além dessas alterações, que foram conflitivas e nasceram das contradições do capitalismo, devemos destacar que na primeira metade do século XX os acontecimentos de duas Guerras Mundiais foram reflexos das alterações que vinham se verificando desde o século anterior. Ou seja, as duas superpotências que emergiram da Segunda Grande Guerra se confrontavam para ampliar sua área de influência. Hobsbawm sugere que as superpotências mantinham um acordo não formal para não atacar-se. Diz ele que as "duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio de poder desigual, mas não contestado em sua essência" (HOBSBAWM, 2001, p. 224). Isso não impedia, entretanto, que aqui e acolá, surgissem confrontos particulares em que as duas superpotências estivessem envolvidas, mas nos bastidores.

Podemos dizer que as contradições entre os blocos socialista e capitalista chegaram ao ponto em que o confronto armado aparecia, ao mesmo tempo, como solução para a disputa pela supremacia internacional e também como mecanismo de ampliação e consolidação de avanços tecnológicos e do processo de industrialização, que tinham suas raízes na chamada "revolução industrial" Todas essas alterações de cenário, na visão de Hobsbawm, demarcaram o que ele denomina de "breve século XX".

A partir disso, podemos dizer que os golpes militares que se sucederam na América Latina, durante as décadas de 1960-1970, tiveram como pano de fundo, não somente eventuais escaramuças da política interna de cada nação, mas foram reflexos do conflito Leste x Oeste (OLIC, 1996), indicando que ao lado do processo de desenvolvimento científico-tecnológico, caminhava, paralela e simultaneamente, a disputa pela supremacia mundial que caracterizava o fenômeno da Guerra Fria. E no caso da América Latina, aos poucos foi se consolidando (MAIRA, 1980) e se impondo a dominação exercida pelo bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos.

Os avanços tecnológicos levaram Hobsbawm (2001, p. 260) a dizer que "multiplicaram-se não apenas produtos melhorados de um tipo preexistente, mas outros inteiramente sem precedentes, incluindo muitos quase inimagináveis", os quais foram colocados à disposição de quem os quisesse – ou pudesse – comprar. Mesmo com o fantasma da Guerra Fria, os avanços tecnológicos que surgiram, permitiram que a vida cotidiana das pessoas melhorasse contínua e rapidamente. Chama a atenção, nesse processo, o fato de que quanto maior a inovação tecnológica, possibilitando maior lucro, contraditoriamente, necessitava-se de menos força de trabalho, quando ela não era substituída, criando outro fantasma, o do desemprego. Essa situação, que ganhou os contornos de uma crise concretizada planetariamente no final da década de 1970, entrando pelo século XXI, ocasionou, além do desemprego, o fim do emprego. Era o "Estado do Bem-Estar Social" perdendo sua atratividade em face da crise pela qual estava passando o capitalismo. Dessa forma, o Estado estava se tornando impotente, ou seja, à "era de ouro" se seguiu o "desmoronamento" e as "décadas de crise" que se evidenciaram após a década de 1970. Éilustrativa, sobre essa situação, as palavras de Schweder (1990) dizendo:

No século XX, principalmente em sua segunda metade, as condições de trabalho e de vida têm mudado com tremenda rapidez. As coisas que cercam o dia-a-dia do homem passam por uma série de mudanças bruscas e violentas. A revolução técnico-científica é a causa dessas mudanças contínuas [...]. A cada dia as condições de vida são enormemente mudadas, o que constitui um fenômeno até então desconhecido pela humanidade. A revolução técnico-científica tomou, assim, uma forma universal e com isso ultrapassou todas as fronteiras seja de países desenvolvidos, seja de países em desenvolvimento. (SCHWEDER, 1990, p. 159, grifo no original).

Isso que vem recebendo a denominação de revolução técnico-científica, se por um lado facilitou e produziu o avanço tecnológico, na metade final do século XX, por outro, possibilitou a ampliação da influência do capitalismo. Esse processo ultrapassou, e por vezes derrubou fronteiras, recriando o cenário mundial, no final Daquele século, com todas as transformações que vimos ocorrer.

O conjunto dessas transformações nos permite entender que, depois de 1973, o mundo "perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise" como afirma Hobsbawm (2001). E uma das principais ocorreu em 1973, a do petróleo, pois desencadeou outros processos. Entretanto, possivelmente por estarem vivendo o período, autoridades e teóricos não perceberam, de imediato, tudo o que estava acontecendo. Pelo menos até "a década de 1980 não estava claro como as fundações da Era de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmente" (HOBSBAWM, 2001, p. 393). O fato é que aquela expectativa de crescimento econômico constante mostrava-se finita. Ele não estava acontecendo e, pelo contrário, crises estavam se iniciando. Dessa forma e contraditoriamente, nas três últimas décadas do século XX, o avanço do capitalismo e das inovações técnico-científicas, produziu melhor qualidade de vida e dificuldades para sobreviver. Eram crises que o próprio capitalismo estava sendo incapaz de responder.

Em razão disso, podemos dizer que os problemas que surgiam não eram somente pontuais, pois um novo mundo estava nascendo onde "o crescente desemprego dessas décadas não foi simplesmente cíclico, mas estrutural. Os empregos perdidos nos maus tempos não retornariam quando os tempos melhoravam (sic): Não voltariam jamais" (HOBSBAWM, 2001, p. 403). Assistia-se ao fim de uma era. Noutras palavras, se já havia desigualdade social e desemprego, no período dos anos 1950-1970, no pós-1970 ampliaram-se essas desigualdades com o agravante de que os empregos estavam se extinguido. As pessoas começaram a se perguntar o porquê de todo desenvolvimento científico e tecnológico não estar dando conta de construir o bem estar dos trabalhadores. Começava, também, a ficar claro que a qualidade de vida tão almejada, contraditoriamente, estava cada vez mais presente no cotidiano da sociedade, mas distante do cotidiano das pessoas; os avanços apregoados como canais do bem estar pessoal e coletivo estavam promovendo a ampliação da pobreza.

Essas são apenas algumas das considerações que precisam ser feitas por quem pretende estudar a história da Amazônia e de Rondônia. Esse quadro foi um dos aspectos que levaram o Estado Brasileiro a Inventar Rondônia para dar vazão a distúrbios localizados e abrir a fronteira norte do Brasil para o avanço capitalista. Mas esse é o estudo a ser realizado.

Referências

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o Breve Século XX (1914-1991). 2. ed. R. Janeiro: Cia. das Letras, 2001.

OLIC, Nelson Basic. Geopolítica da América Latina. 14. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

SCHWEDER, Sérgio. Filosofia e Tecnologia. In. OLIVEIRA, A. Sarafin de, et al. Introdução ao pensamento Filosófico. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1990. p. 159-163.

MAIRA, Luiz, et al.América Latina: Novas Estratégias de dominação.Petrópolis: Vozes, 1980.

BRITO, Silvia Helena Andrade de. Educação e sociedade na fronteira oeste do Brasil: Corumbá (1930-1954) Tese. (doutorado em Educação) – UNICAMP, Campinas, 2001.

 
Neri de Paula Carneiro
Filósofo-Teólogo-Historiador-Mestre em educação


Autor: NERI P. CARNEIRO


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