Economia e criminalidade



Economia, políticas públicas e criminalidade. Aspectos sócio-econômicos na sociedade pós-moderna.
* Aderlan Crespo. Advogado. Mestre em Ciências Penais. Professor de Direito Penal e Estado, Mercado e Criminalidade Urbana, e coordenador do Núcleo de Reflexões Criminológicas do IBMEC. Professor de Criminologia e Direitos Humanos da UCAM-Centro. Presidente do Instituto de Estudos Criminais do Estado do Rio de Janeiro-IECERJ.


Resumo

O objetivo deste resumo é introduzir um estudo sobre a relação entre o crime e a economia. É indevido o distanciamento deste debate, mas o que se percebe é a criminologia e o próprio direito penal reduzindo o conteúdo do conhecimento. Portanto, o crime é uma ação individual, mas vinculado ao contexto social e econômico, que produz efeitos na formação e na educação do cidadão.

Abstract

The purpose of this paper is to introduce a study about relation existent between crime and economic. Is not correct that to scape discussion, but to oberve the criminoly and criminal law with a reduce the subject of the knowledge. Therefore, the criminal act is an individual, but inside context social and economic, that to take effect a formation and an education the citzen.

I - Introdução

Em diversos meios informativos encontramos conteúdos dedicados aos temas econômicos, sejam referentes aos países ocidentais ou asiáticos, que ocupam maior relevo no cenário internacional, no sentido de promoverem ações de natureza macroeconômicas direcionadas ao desenvolvimento interno, bem como das relações internacionais. No tocante as pretensões destes países, nominados como subdesenvolvidos ou de terceiro-mundo, é possível afirmar que muitos encontram-se na América Latina e que dedicam-se, em grande medida, na conquista do fortalecimento da moeda, por meio de uma sustentabilidade econômica interna que produza credibilidade externa favorável as relações comerciais, a fim de assegurar a balança comercial por meio das importações e exportações, o que estimularia uma certa independência política, que se traduz na questionada soberania plena, visto que a relação de dependência econômica, com países considerados de primeiro mundo ou desenvolvidos, suscitaria também uma dependência política.

Esta despretensiosa análise dos comportamentos dos países que buscam um fortalecimento político, através da economia, possivelmente influenciados pela formação dos blocos no final do século passado, permite realizar o que podemos chamar de uma “digressão histórica do processo industrial” na Europa e nas Américas.

A convicção de que a transição política do absolutismo para a república, além do elemento primário da democracia direta, poderia levar ao pleno desenvolvimento social dos povos localizados no ocidente mundial, tornou as ações dos governos demasiadamente fortes, quase inquestionáveis, devido ao crédito concedido aos discursos que sustentavam a igualdade material como projeto nacional.



Desencadeadas as ações nestas sociedades modernas, por Estados Constitucionais de Direito, percebeu-se que houve flagrante distanciamento entre as proposições políticas dos governos democráticos e os resultados sociais obtidos, e que podemos chamar de retórica da governança seletiva, que visavam a consolidação no modelo econômico industrial concentrador, como exposto por inúmeros intelectuais (Manoel Gonçalves, 2005)1:

“ A Questão Social – chamá-lo-emos assim – fotografa a situação da classe trabalhadora num momento especial do desenvolvimento capitalista, nos países que primeiro se embrenharam neste caminho. É o caso da Grã-Bretanha, da França, um pouco mais tarde dos Estados Unidos, mas igualmente no norte da península itálica, nos Estados que iriam constituir em 1870 a Alemanha, em menor grau na Holanda, na Bélgica. Este desenvolvimento foi motivado pelas idéias do liberalismo econômico – livre iniciativa num mercado concorrencial – e propiciado pelas instituições – Estado abstencionista – e regras decorrentes das revoluções liberais. Teria sido impossível sem a abolição das corporações de ofício, sem a liberdade de indústria, comércio e profissão, sem a garantia da propriedade privada etc. Por um lado, esse processo provocou um acréscimo súbito de riqueza, que atingiu níveis jamais vistos. Mas esta riqueza ficou concentrada nas mãos dos empresários, ou da classe burguesa se se preferir. É verdade, porém, que isto vale globalmente falando, pois os ciclos econômicos, as crises, freqüentemente retiravam tudo daqueles que num momento haviam sido imensamente ricos.(...) Em contrapartida, a classe trabalhadora se viu numa situação de penúria. Ou mesmo na miséria. (...) Ademais, as condições de trabalho na fábricas, minas e outros empreendimentos eram extremamente ruins, tanto para o corpo como para o espírito. Nada impedia o trabalho de mulheres e crianças em condições insalubres. (...) Ora, a marginalização da classe operária, como que excluída dos benefícios da sociedade, vivendo em condições subumanas e sem dignidade, provocou, em reação, o surgimento de uma hostilidade dessa classe contra os “ricos”, contra os “poderosos”, que favorece o recrutamento de ativistas revolucionários, inclusive terroristas. E na fórmula marxista a luta de classes.”


Neste aspecto, a realidade atual de uma sociedade marcada por uma desigualdade social, concebível e projetável por governos liberais, pode resultar em um quadro de contradições históricas, havendo, indubitavelmente, forte relação entre o processo instaurado de um modelo econômico concentrador, ausência de políticas públicas direcionadas aos grupos mais vulneráveis e as altas taxas de criminalidade, além da presente e recorrente imagem e rotulação da inferiorização pessoal, permanência quase que cultural do estilo de vida colonial imposto pelos países colonizadores.

II – Condição econômica e qualidade de vida

Inúmeras iniciativas oriundas de setores políticos e acadêmicos ressaltam a necessidade de ampliação das ações políticas inclusivas, a fim de minimizar o nível de desigualdade social e fomentar o desenvolvimento interno a partir da maior participação dos indivíduos, mediante a potencialização das competências e habilidades profissionais Esta poderia ter sido a estratégia da primeira metade do século passado no Brasil, que configuraria a efetivação do Welfare State, e não sua crise.





Medidas planejadas de governo, direcionadas ao efetivo exercício de direitos sociais básicos, poderiam, desta forma, significar não só a melhor condição de vida como um facilitador político para o desenvolvimento econômico e social no país. Enfim, as conseqüências proporcionadas seriam de ordem micro e macro, na medida em que o indivíduo estando melhor qualificado, e apto ao mercado de trabalho, poderia obter retorno efetivo no seu cotidiano, além de favorecer o fortalecimento da economia do país.

Pesquisas realizadas recentemente (IBGE, 2006)2, bem como nas realizadas em décadas anteriores, demonstram que grande parte da população não usufrui os mecanismos que incentivam o avanço da qualidade de vida, e que esta parcela significativa é composta por pessoas não brancas:
“A população em idade ativa preta e parda tinha 7,1 anos de estudo, em média, e era menos escolarizada que a população branca (8,7 anos de estudo, em média). Foi apurado, também, que 6,7% das pessoas pretas e pardas com 10 a 17 anos de idade não freqüentavam escola, contra 4,7% dos brancos. E enquanto 25,5% dos brancos com mais de 18 anos freqüentavam ou já haviam freqüentado curso superior, o percentual era de apenas 8,2% para os pretos e pardos. (...) Em setembro de 2006, entre os empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado (que têm maior proteção legal e melhores remunerações), 59,7% eram brancos e 39,8% pretos e pardos. A maior participação de brancos nesta categoria se justifica pela sua grande presença nas regiões metropolitanas com forte participação do emprego formal (São Paulo e Porto Alegre) onde, respectivamente, 44,9% e 44,2 %, da população ocupada têm carteira de trabalho assinada. Salvador e Recife têm grande participação de pretos e pardos e participações de emprego formal relativamente menores: 35,2% e 32,1%, respectivamente. A população branca também era maioria entre os empregados sem carteira assinada (54,5%) e os trabalhadores por conta própria (55,0%), mas os pretos e pardos correspondiam a 57,8 % dos trabalhadores domésticos.”

Nesta particular aspecto, haveria inabalável legitimidade para que o governo brasileiro, no que tange a sua meta de crescimento, implementasse ações que estimulassem o aumento da qualidade de vida, como a educação e o trabalho. Mas, para tanto, seria necessário oferecer melhores serviços públicos, para a parcela mais necessitada de recursos externos gratuitos – assistência pública aos ditos carentes, excluídos e minorias -, e que corresponde ao que seria denominado como fator exógeno na formação do indivíduo.

Trabalhos acadêmicos, da área da economia, realizados a partir do novo quadro político nacional brasileiro, ou seja, após a Constituição de 1988 que configura o marco inicial do modelo democrático e social no país3 (CÉLIA QUIRINO e MARIA LÚCIA 1987) demonstram o quanto a educação é fundamental para a reversão da atual conjuntura social brasileira, pois as conseqüências vivenciadas pelas famílias com déficit educacional refletem não só nas suas formas de vida, mas nas gerações futuras e, consequentemente, no projeto nacional de crescimento.

Exemplos destes trabalhos, que certamente desencadeiam ricos debates acerca das omissões dos governos ditos democráticos e sociais, norteiam os olhares para as questões já consagradas em lei, como os direitos sociais previstos na atual constituição.4

Daniele Machado (2006), no trabalho de pesquisa de doutoramento do Departamento de Economia da PUC-RJ, investiu sua atenção investigativa para a probabilidade de crianças terem defasagem idade-série escolar, devido a renda e educação dos pais, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1996 (PNDA):

“Mostramos que a renda familiar per capita e o nível educacional dos pais têm efeito negativo na probabilidade da criança ter defasagem idade-série. O efeito da renda estimado usando variáveis instrumentos é mais forte que os das regressões padrões, ocorrendo o inverso para o efeito dos níveis educacionais. Numa estimação padrão, via probit ou mínimos quadrados ordinários, o viés da escolaridade dos pais é para cima enquanto o da renda familiar é para baixo. Esse resultado sugere que aspectos familiares que passam de uma geração para outra da renda familiar e de escolarização das crianças estão fortemente interligados. Logo, a implementação de políticas que visam à ampliação da escolaridade também perpassa pelo entendimento dos mecanismos de transmissão da educação entre as gerações.”

A referida pesquisa, que possui alto valor acadêmico diante da perspectiva interdisciplinar sobre a abordagem sócio-econômica da população brasileira, revela, essencialmente, que as pessoas que integram famílias com formação educacional possui vantagem sobre as que não possuem, pois os efeitos estão diretamente ligados ao mercado de trabalho, o que denota fundamental importância nas políticas existentes – ou que deveriam existir como regra – sobre a inclusão social:

“Não somente para o Brasil, mas também para outros países em desenvolvimento, existem vários fatos estilizados mostrando que crianças de famílias pobres, cujos pais têm menor grau de instrução passam por maiores dificuldades ao longo da infância e quando adultas (Haveman e Wolfe, 1995). Os acréscimos na renda familiar poderiam, por um lado, ter um papel não desprezível no acúmulo de capital humano se usados na obtenção de bens facilitadores do aprendizado escolar (compra de livros, cadernos, etc) e se diminuíssem a oferta de trabalho infantil (efeito renda).

Por outro lado, acréscimos na renda dos pais poderiam não ser suficientes para que as crianças de famílias mais pobres alcançassem o nível educacional dos filhos dos mais ricos. As crianças de famílias mais ricas estão usualmente inseridas em um contexto sócio-econômico e cultural favorável ao acúmulo de capital humano, que muitas vezes lhes proporcionam acesso a melhores escolas próximas ao local de moradia e contato com pessoas instruídas no ambiente familiar. Essas facilidades podem ser transmitidas de pais para filhos.”

Em diversos momentos do trabalho, ou melhor, na sua maior parte, são aferidas indicações conclusivas que versam sobre a fundamentalidade da educação para uma real qualidade de vida, na medida que as pessoas se tornam aptas a competirem de forma igualitária no mercado de trabalho. Deste aspecto familiar apontado, tem-se ainda a preponderante influência nas gerações seguintes, eis que a base educacional serve de estrutura para as construções pessoais e familiares.


O que é despertado nesta abordagem científica é o fato de que, em não havendo esta base nem mesmo uma perspectiva de obtê-la, a família se percebe ausente dos benefícios que a vida poderia lhe proporcionar, ou seja, desprovida dos mais variados recursos que a pós-modernidade oferece, influenciáveis para o ambiente familiar (moradia digna, utensílios domésticos proporcionadores da praticidade cotidiana e do lazer) ou para simples satisfação pessoal (telefones, roupas, jóias, etc.). Podemos ainda, diante desta alusiva análise sobre competências e condições de vida, inserir o fato de que estes benefícios, mesmo que não gozados por aqueles que não possuem as ferramentas impulsionadoras, sendo a educação a mais factível – outros fatores eventuais não poderiam ser considerados na pesquisa, como por exemplo a contemplação em sorteio ou doação financeira – são tão desejados por estes como pelos que podem adquiri-los, pois as imagens contidas nas correntes informações das propagandas permitem reconhecer estes produtos como interessantes e promovedores de prazer. Assim, o próprio mercado contribui intensamente para este sentimento de desejo e frustração.

Contudo, mantendo-se ainda na esteira da economia, mas em posição diametralmente inversa, existem trabalhos que sustentam a relação entre a criminalidade e o objetivo pessoal pelo ganho fácil, afastadas as hipóteses de segregação familiar, exclusão social ou mesmo distúrbios psicológicos.

Em trabalho publicado pelo Instituto de Estudos Empresarias-IEE, BRENNER (GERALDO BRENNER, 2003), afirma que o ímpeto para a prática criminal é decorrente da relação custo benefício existente no ambiente social, o que permite, inclusive, justificar a crescente taxa da criminalidade:

“A Teoria Econômica da Criminalidade não vê os criminosos como doentes mentais, nem como eram e em parte ainda são vistos, como coitados excluídos, abandonados pela família e pela sociedade que os criou, sem condições de competir pelas alternativas legais de trabalho. Ela os vê com pessoas espertas e impetuosas, que aproveitam as melhores oportunidades de ganhos líquidos a curto prazo que o meio ambiente lhe oferece, dada a sua estrutura pessoal de alternativas de custos e benefícios de cada trabalho que lhes é factível. Não há qualquer preocupação com o lado moral do negócio, e muito menos com o bem estar social.(...)

Erling Eide (1997), da Universidade de Oslo, revisou criteriosamente 118 estudos econométricos (regressões múltiplas) realizadas na Europa e América do Norte. As variáveis que representam Crime são tidas como dependentes da variação observada nas variáveis de dissuasão, tipo (P) probabilidade de ser preso e condenado de alguma forma, ao realizar um evento intempestivo, e (f) tamanho ou severidade da multa ou de outra penalidade mais adequada para delitos mais violentos, como tempo de isolamento social, para repensar seu estilo de vida. Ele obteve os seguintes valores para as elasticidades médias das variáveis de dissuasão: - 0,7 para P, e –0,4 para f. Isto significa que, a experiência empírica internacional diz que existe um efeito médio, com alguma defasagem de tempo ocorrido (dois ou três anos), depois das mudanças efetivas das políticas de combate ao crime, que 100% de aumento em P geral algo em torno de 70% de queda na criminalidade, o que é um efeito impressionante. Também, se f aumentar 100%, a criminalidade vai diminuir em torno de 40% ou algo próximo a isto. A teoria da dissuasão é uma versão especial do princípio econômico geralmente aceito (e factualmente comprovado), de que a elevação do preço dos bens e serviços reduz a quantidade demandada dos mesmos (salvo anomalia).”


Em trabalho semelhante também publicado pelo IEE (GIÁCOMO NETO,2003) sustenta-se que “os indivíduos se tornam assaltantes e criminosos porque os benefícios de tal atividade são compensadores, quando comparados, por exemplo com outras atividades legais”.

Certamente que, considerando que a pessoa irá realizar alguma ação, sendo esta ou não lícita, pretende haver algum benefício, caso contrário a análise não perpassaria pela vertente das ciências humanas ou sociais, mas sim das ciências da saúde, pois estaria desprovida a ação de qualquer sentido lógico. O fato é que, ao relacionar o crime ao mero interesse por seu resultado, fragmenta-se o objeto investigado, pois toda a ação humana compreende uma variedade de fatores, sejam eles de ordem pessoal ou social, e esta complexidade se amplifica quando alguém se dispõe a praticar um crime.

Dados do Ministério da Justiça, sobre a criminalidade no Brasil, são divulgados periodicamente e servem para, dentre várias finalidades científicas ou de política, interpretar traços comuns que gravitam em torno do crime, assim como o referente à pessoa do criminoso.

Desta forma, ao relacionarmos os resultados das pesquisas sobre a condição de vida da pessoa – recorte este feito pelo fator educacional ou do trabalho – com os dados sobre o perfil dos criminosos, bem como dos tipos criminais mais incidentes na sociedade (preferencialmente nas grandes cidades), podemos perceber que existe não só uma coincidência de dados, mas uma interação profunda, que permite um melhor entendimento sobre a realidade.

O resultado do Censo Penitenciário de 1995 (Ministério da Justiça), revela dentre várias informações, que 49% dos presos são classificados como mulatos, negros e outros e 51 % como brancos. Mas, efetivamente, a cor da pele clara não significa, exatamente, que o indivíduo seja branco, apenas que não se trata de uma pessoa de pele escura, podendo ser, assim, descendente de não brancos. Mesmo assim, utilizando-se deste critério, a pesquisa oficial demonstrou que, em termos da Cidade do Rio de Janeiro, apenas 23% são brancos, o que demonstra haver uma população carcerária de “não brancos” muito superior à de brancos, o que ocorre também em São Paulo, onde os presos brancos atingem o percentual de 29,3%.

A confluência destes dados com a pesquisa de desigualdade realizada pelo IBGE, bem como com o trabalho acadêmico dos pesquisadores da PUC, nos revelam um resultado que localiza a relação entre as pessoas criminalizadas e as pessoas não beneficiadas pelos mecanismos de qualificação social e econômica, por possuírem as mesmas características. Esta análise indica uma relação perversa e demasiadamente grave, pois um destes segmentos localiza-se na prisão, e pior do que isto, ocupando o maior número de vagas do sistema penitenciário.








Em outro trabalho acadêmico, também do Departamento de Economia da PUC-RJ (ANTÔNIO AMBRÓZIO, 2003) afirma-se que a distribuição de riqueza e desenvolvimento econômico é objeto constante de análise científica. Um dos elementos deste interesse é a participação nos mercados de crédito. Assim sendo, uma das perspectivas das pesquisas é apontar para a possível alteração da condição econômica pessoal a partir dos créditos oferecidos no mercado, isto é, a oferta de empréstimo pessoais.

O autor, no entanto, ergue uma nova diretriz da análise dos créditos pessoais, afastando este mecanismo como eficiente para a superação dos entraves econômicos das famílias de baixa renda. Trata-se, neste sentido, de uma outra leitura desta relação econômica entre os agentes financeiros e o segmento popular, pois este novo paradigma teórico apresenta as verdadeiras faces do problema presente na ausência de recursos financeiros contínuos (renda mensal) e pretensão de buscar a solução imediata no mercado de crédito:

“Uma literatura mais recente tem questionado esse resultado a partir do reconhecimento de que há imperfeições nos mercados. Em particular, é destacada a questão da imperfeição no mercado de crédito. A idéia é que se agentes com baixo nível de riqueza não conseguem obter empréstimos, enquanto o nível de investimento ótimo desses agentes só pode ser alcançados a partir de financiamentos, então estes estarão realizando investimentos ineficientes. E se o retorno marginal do investimento for decrescente (ao menos a partir de certo ponto), abre-se espaço para que políticas redistributivas tenham um caráter de incentivo à acumulação de capital. Ou seja, pode haver complementariedade entre os objetivos de equidade e eficiência, eliminando-se assim a idéia de que há necessariamente uma relação inversa entre melhor distribuição e crescimento. Nesse sentido, um conjunto de modelos baseados na hipótese de mercado de crédito imperfeito exibe uma associação positiva entre melhor distribuição de riqueza e crescimento econômico ou nível de produto no longo prazo, argumentando que políticas redistributivas possam promover eficiência.”


A análise restrita dos mercados de crédito, realizadas pelo autor, podem parecer inadequadas para uma contextualização da condição econômica da pessoa ou da família, qualificação pessoal – que corresponde a potencialização para a cidadania plena – e diminuição da desigualdade social, mas, se considerarmos a dificuldade de determinados países em avançar mais velozmente para o crescimento e diminuição das contradições sociais, veremos que o Estado precisa assumir o seu verdadeiro papel de gestor de interesses e relações sociais, que integram não só o exercício de direitos mínimos, mas as relações de comércio (desejo de consumo) e as taxas de criminalidade, posto que todo o debate gira em torno das satisfações pessoais (seja do indivíduo em si ou de sua família) e a possibilidade de alcança-las. Todavia, para a realização deste pequeno interesse – consumo - presente na vida de todo e qualquer cidadão, seja do Brasil ou de qualquer outro país, é preciso ter dinheiro. Neste particular aspecto, o autor questiona o modelo implantado dos mercados de crédito, o que sugere outras medidas de cunho político, isto é, efetividade da condição estruturante da família, como forma de tornar suas ações futuramente mais eficientes, sem a falsa idéia de que momentaneamente as coisas melhoraram.




Na literatura penal, hoje presente também nos trabalhos realizados no Brasil (THOMPSON,1998)5, identificamos como a questão pessoal e familiar do preso precisa ser enfrentada com seriedade, na medida que os dados divulgados sobre os crimes demonstram que a grande maioria refere-se a crimes patrimoniais e de comércio de drogas, isto é, estão relacionados ao dinheiro, que conduz a várias satisfações distintas e prazerosas: poder de compra, poder perante o grupo, e, no final do processo, poder de confronto e morte prematura. O pior, quanto ao contingente humano envolvido, é admitir que crianças e adolescentes se sentem seduzidos pelo encanto que a posse do dinheiro proporciona, bem como demonstram estarem desiludidos pelo seu futuro legal e politicamente correto. Na verdade, diante da conjuntura do país, as suas análises não são irrefutáveis.

A possibilidade do enfrentamento real sobre a questão da criminalidade no Brasil, pode e deve ser experimentada a partir da reversão do quadro de desigualdade existente neste país (o Brasil encontra-se entre os primeiros países com as mais elevadas taxas de desigualdade sócio-econômica no mundo). A realização de um trabalho conjunto sobre o mapeamento do desenvolvimento da Cidade do Rio de Janeiro (SISTEMA FIRJAN, 2006), diagnosticou preocupantes elementos de deficiência, tanto quanto a questão da liderança empresarial e política, a educação e a segurança pública, e que evidenciaram-se como aguçados fatores de análise, que deveria conduzir todo um arsenal gestor para estas evidências, a fim de transformá-las em exceção.

Por enquanto, deparamo-nos com um quadro estável no Brasil, que demonstra uma profunda deficiência do processo educacional promovido pela rede pública, desqualificação profissional para atingir salários mais elevados e ausência poder de compra, que se somados e revertidos poderiam produzir uma elevação da auto-estima e valoração da própria vida, que atualmente encontra-se descartada dia-a-dia. Neste sentido, para uns, o crime realmente é uma saída, pois os meios lícitos não dizem nada a respeito de dignidade e futuro para si e seus descendentes.


















Bibliografia

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QUIRINO, Célia Galvão. MONTES, Maria Lúcia. Constituições brasileiras e cidadania. Ática. Rio de Janeiro. 1987.

MACHADO, Danielle Carusi. GONZAGA, Gustavo. O impacto dos fatores familiares sobre a defasagem idade-série de crianças no Brasil. Departamento de Economia. PUC.Rio de Janeiro. 2006.

BRENNER, Geraldo. A teoria econômica do crime. Instituto de Estudos Empresarias. 2003.

NETO, Giácomo Balbinotto. A teoria econômica do Crime. Instituto de Estudos Empresariais. 2003.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Censo Penitenciário. 1997. Brasília.

THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos. Lúmen Júris.Rio de Janeiro.1998

MAPA DO DESENVOLVIMENTO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Sistema Firjan. Rio de Janeiro.2006

AMBRÓZIO, Antônio Marcos hoelz Pinto. Distribuição de riquezas e desenvolvimento econômico com mercados de crédito e trabalho imperfeitos.
Autor: Aderlan Crespo


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