Suape: o eufemismo da “supressão” esconde muito mais supressões



Uma das estratégias que o Governo de Pernambuco vem utilizando, para suavizar perante a opinião pública a devastação dos 691 hectares (1076 menos os 385 que Eduardo Campos decidiu poupar) de vegetação ao redor do Porto de Suape, é o uso comum da palavra “supressão” no lugar de termos como desmatamento ou destruição.

Tenta-se desambientalizar e diminuir a importância ecológica negativa de tal evento com a utilização desse eufemismo, mas isso não funciona para pôr no conformismo aqueles que são contra o progresso sustentado na motosserra e no correntão. Pior ainda: com a palavra “supressão” diante de mim, penso em diversas outras supressões que se ocultam na atitude do governo, que foram ignoradas por Eduardo Campos e sua trupe legislativa.

Com a supressão anunciada pelo governo, vão ser suprimidas milhões ou mesmo bilhões de vidas de um rico ecossistema: árvores e outras plantas que não estavam em nenhuma plantação – no máximo tendo seus frutos extraídos por gente humilde que deles tira sua alimentação e sustento –, mas sim em ambiente silvestre; muitos e muitos animais que vivem naquele pedaço de natureza – siris, caranguejos, saguis, pássaros... – e, não tendo para onde fugir, morrerão graças à ação dos governo (des)matador da natureza.

Vai ser suprimido o que resta daquele que era outrora um grande berçário de vida marinha. Os tubarões que antigamente se espreitavam ali para se alimentar e se reproduzir já vagam por outros lugares, na intenção de garantir a continuidade de suas espécies – isso enquanto um Sinuelo da vida não os matar no meio do caminho. Já os peixes e crustáceos que ainda passam por ali para pôr ovos também serão afugentados – e provavelmente até diminuirão em população caso não reencontrem o equilíbrio ecológico em outro estuário.

Vai se suprimir a fonte de renda de pescadores e vendedores das frutas coletadas nas vegetações locais. Pescadores não terão mais onde pescar*, e os fruteiros perderão a fonte de sua mercadoria. O governo não leva em conta a existência dessas pessoas que precisam daquela área para sobreviver e ganhar seu pão, não prevê sua realocação para nova área e novos empregos. Assim sendo, será uma supressão tão séria quanto a destruição dos ecossistemas locais.

Além das supressões locais, haverá supressão também nas praias próximas. Estima-se que a água do oceano, que hoje tem sua energia de maré alta amortecida nos mangues de Suape, vai ter que descarregar a mesma na praias mais próximas, incluindo a já sofrida costa de Jaboatão. Ou seja, praias e até prédios vão ser suprimidos pela erosão marinha, graças à supressão feita em Suape.

E as supressões não estarão restritas ao meio ambiente, elas se estendem à política. Chegam ao Palácio Campo das Princesas e à Assembleia Legislativa. Nesse caso, haverá a supressão do respeito que o povo pernambucano – pelo menos a população da Grande Recife – tem por Eduardo Campos, o cabeça de tudo isso, aquele que se destacou por demonstrar total desrespeito ao meio ambiente e falta de noção válida de sustentabilidade, e pelos deputados da bancada governista, entre os quais praticamente todos aprovaram o ecocídio no último dia 27 – incluindo os deputados do PT, que haviam sido aconselhados por moção partidária a votar contra.

Suprime-se também a nossa admiração por Suape e por seus administradores e técnicos. O porto deixa de ser algo contemplável, como referência de desenvolvimento e geração de emprego, como alavanca do crescimento econômico de um estado inteiro, e passa a ser visto como exemplo negativo, como foco de desenvolvimento insustentável, como uma amostra de como o mau progresso investe contra a natureza e põe em risco a própria existência da humanidade.

Falo também dos administradores e técnicos de lá porque, como mostrado na fatídica reportagem do Jornal do Commercio do dia 25 de abril de 2010[1], seu discurso se mostra demagógico, carregado de pseudoambientalismo, munido de uma falsa preocupação com a natureza. Apoiando a destruição que ameaça todo um estuário e sua vegetação, como ainda podem nos afirmar que Suape está caminhando certo no rumo à sustentabilidade? A tentativa furada deles de nos convencer que devastar aquilo tudo será “bom” e poderá ser realmente compensado custou-lhes o respeito que nós ainda tínhamos por quem gere e administra o não mais admirável porto.

E, por último, com a fraqueza do poder público (IBAMA, Ministério Público e outros), que até o momento vem silenciando e talvez consentindo a má intenção do governo, e a impotência aparentada por aquelas pessoas comuns que dizem estar indignadas mas nada fazem contra a ameaça de desmatamento e aterro, vem sendo suprimida até a nossa esperança na humanidade. O dinheiro está aí, mandando e desmandando no mundo, fazendo milhões matarem e morrerem em seu nome, e a grande maioria da população brasileira se divide entre os que apoiam as perversões da “gente poderosa” possuidora desse dinheiro e os que abaixam a cabeça perante ela.

Fica claro então que a supressão será muito mais supressão, suprimirá muitíssimo mais, do que aquilo que o eufemismo formalista usado pelo governo pernambucano nos leva a entender. Ou nós agimos, de alguma forma, para parar essa e outras ameaças de ecocídio, ou no futuro a nossa própria vida, ou a de nossos filhos ou netos, também correrá o risco de ser suprimida, pela falta de condições ambientais de continuar vivendo, graças à atitude dos governantes e empresários do presente.

*Não simpatizo com a profissão de pescador, mas sou totalmente contra tirar dos pescadores sua fonte de renda à força e/ou sem lhes dar outro emprego.

[1] http://consciencia.blog.br/2010/2010/04/jc-manipulando-em-favor-da-destruicao-ambiental.html
Autor: Robson Fernando


Artigos Relacionados


A Gloriosa “revolução De Suape”

Queremos Uma Secretaria De Meio Ambiente Em Pernambuco

Resenha Analítica Do Potencial De Desenvolvimento Do Estado De Pernambuco

Desigualdade Social No Brasil

O Desenvolvimento Petrolífero Não é Nenhum Motivo De Festa

Artigo: A Negativa Do Ibama A Licença Para A Instalação E O Funcionamento Do Estaleiro Eisa No Pontal Do Coruripe

Parque Nacional Da Lagoa Do Peixe